• Nenhum resultado encontrado

3 A LINGUÍSTICA TEXTUAL E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

3.4 O Gênero Discursivo Crônica

Para o bom entendimento da crônica, de acordo com Moisés (1978, p. 246), “impõe-se preliminarmente uma reflexão acerca do jornal (ou revista) como veículo de informação e

cultura”. Conforme o autor, “se encontram no jornal, duas categorias de texto linguístico: o que cumpre as funções de informar os sucessos do dia e o que não se prende, regra geral, ao vaivém cotidiano” (Op. cit. 1978, p. 246). Ao transferir o foco analítico para o autor do texto, Moisés (1978, p. 246) observa que “uma coisa é escrever para o jornal e outra, bem diversa, publicar no jornal”. Explica o autor que:

A reportagem, o editorial, as notícias, etc., são textos destinados exclusivamente ao jornal, e somente ali cumprem sua missão. Textos escritos para o jornal morrem automaticamente a cada dia, substituídos por outros, que exercem idêntica função e conhecem igual destino: o esquecimento (Op. cit. 1978, p. 247).

Acrescenta o autor que “lado a lado se encontram textos publicados no jornal, entendido este como um dentre outros meios de comunicação. Tais escritos procuram o jornal como um meio de divulgação, não como o melhor nem o único” (Op. cit. 1978, p. 247). Moisés (1978) destaca:

Um poema, um conto, um ensaio, um artigo crítico, uma novela, um romance, uma peça de teatro que se estampasse no jornal, [...], decorreria do ato de publicar no jornal, como poderia fazê-lo em qualquer outro órgão difusor de mensagens escritas (MOISÉS, 1978, p. 247).

Segundo Moisés (1978, p. 247), “a crônica move-se entre ser no e para o jornal, uma vez que se destina, inicial e precipuamente, a ser lida no jornal ou revista”. A crônica, explica o autor, “difere, porém, da matéria substancialmente jornalística naquilo em que, apesar de fazer do cotidiano o seu húmus permanente, não visa à mera informação” (Op. cit. 1978, p. 247). Confere o autor que, “o objetivo da crônica reside em transcender o dia-a-dia pela universalização de suas virtualidades latentes, objetivo esse via de regra minimizado pelo jornalista de ofício” (Op. cit. 1978, p. 247).

Moisés (1978, p. 247) explica, então que, “a crônica oscila, pois, entre a reportagem e a Literatura, entre o relato impessoal, frio e descolorido de um acontecimento trivial, e a recriação do cotidiano por meio da fantasia”. O autor acrescenta que, no primeiro caso, “a crônica envelhece rapidamente e permanece aquém do território literário” (Op. cit. 1978, p. 247).

No entanto, considera Moisés (1978) que, “o mais da crônica em que se localiza tal segmento livra-se da reportagem pura e simples graças a outros ingredientes propriamente literários, dos quais é de ressaltar o humor” (Op. cit. 1978, p. 248). Salienta que, em

toda crônica, por conseguinte, os indícios de reportagem se situam na vizinhança, quando não mescladamente, com os literários; e é predominância de uns e de outros que fará tombar o texto para o extremo do jornalismo ou da Literatura (Op. cit. 1978, p. 248).

Moisés (1978, p. 248) reafirma, então que, “no primeiro caso, a crônica dura o espaço do jornal, uma vez que se identifica com a matéria jornalística”. Por conseguinte, o autor questiona: “crônica se destina ao jornal, ou revista, transferi-la para o livro, como se tem feito nos últimos anos, significa preservá-la de esquecimento e atestado de valor? Sim e não” (Op.

cit. 1978, p. 248). Em tese, confirma o autor que, “o fato de a crônica estar voltada para o

cotidiano fugaz e endereçar-se ao público de jornal e revista, já é uma limitação”. Ressalta que como “fruto do improviso, da resposta imediata ao acontecimento que fere a rotina do escritor ou lhe suscita reminiscências caladas no fundo da memória, a crônica não pressupõe o estatuto do livro” (Op. cit. 1978, p. 248).

Todavia, “a crônica merece a atenção que lhe vem sendo dispensada ultimamente não só porque apresenta qualidades literárias apreciáveis, mas porque, e sobretudo, busca subtrair- se à fugacidade jornalística assumindo a perenidade do livro”, considera o autor (Op. cit. 1978, p. 248). Conclui que, “continuasse encerrada nos periódicos, não haveria como examiná-la: o tratamento crítico de um texto literário implica, via de regra, o livro” (Op. cit. 1978, p. 248).

Conforme Moisés (1978, p. 250), “mesmo as crônicas bem conseguidas não fogem ao destino que lhes assinala, desde o nascimento, ser criação breve e leve”. Acrescenta o autor que “a crônica é por natureza uma estrutura limitada, não apenas exteriormente, mas, e acima de tudo, interiormente” (MOISÉS, 1978, p. 250). Sobre a estreita relação da crônica com jornal, o autor considera que “ainda quando em livro, a crônica jamais rompe sua vinculação com o jornal” (MOISÉS, 1978, p. 250).

O autor supracitado ressalta que “embora procure vencer a efemeridade do jornal, a crônica somente encontra ali guarida: é escrita no e para o jornal (ou revista), depende do dia- a-dia momentoso e/ou da memória do escritor” (MOISÉS, 1978, p. 251). O autor também revela que “qualquer tema serve de assunto, quer de Política, Economia, Sociologia, quer de Futebol, Trânsito, Viagens, Amizade, etc.” (Op. cit. 1978, p. 251).

Concernente ao contexto jornalístico da crônica, Sá (1987, p. 10) justifica:

A crônica surge primeiro no jornal, herdando a sua precariedade, esse seu lado efêmero de quem nasce no começo de uma leitura e morre antes que se

acabe o dia, no instante em que o leitor transforma as páginas em papel de embrulho, ou guarda os recortes que mais lhe interessam, num arquivo pessoal. O jornal, portanto, nasce, envelhece e morre a cada 24 horas. Nesse contexto, a crônica também assume essa transitoriedade, dirigindo-se inicialmente a leitores apressados, que lêem nos pequenos intervalos da luta diária, no transporte ou no raro momento de trégua que a televisão lhes permite (Op. cit. 1987, p. 10).

Ainda de acordo com Sá (1987, p. 11), “a sintaxe da crônica lembra alguma coisa desestruturada, solta, mais próxima da conversa entre dois amigos do que propriamente do texto escrito”. Para o autor:

Há uma proximidade maior entre as normas da língua escrita e da oralidade, sem que o narrador caia no equívoco de compor frases frouxas, sem a magicidade da elaboração, pois ele não perde de vista o fato de que o real não é meramente copiado, mas recriado. O coloquialismo, portanto, deixa de ser a transcrição exata de uma frase ouvida na rua, para ser a elaboração de um diálogo entre o cronista e o leitor, a partir do qual a aparência simplória ganha sua dimensão exata (Op. cit. 1987, p. 11).

Isso posto, Sá (1987, p. 11) explica que “o dialogismo equilibra o coloquial e o literário”. Para o autor:

Esse dialogismo permite que o lado espontâneo e sensível permaneça como o elemento provocador de outras visões do tema e subtemas que estão sendo tratados numa determinada crônica, tal como acontece em nossas conversas diárias e em nossas reflexões, quando também conversamos com um interlocutor que nada mais é do que o nosso outro lado, nossa outra metade, sempre numa determinada circunstância. [...] O termo assume aqui o sentido específico de pequeno acontecimento do dia-a-dia, que poderia passar despercebido ou relegado à marginalidade por ser considerado insignificante (Op. cit. 1987, p. 11).

Conclui Sá (1987, p. 11) que, com o seu toque de lirismo reflexivo:

O cronista capta esse instante brevíssimo que também faz parte da condição humana e lhe confere (ou lhe devolve) a dignidade de um núcleo estruturante de outros núcleos, transformando a simples situação no diálogo sobre a complexidade das nossas dores e alegrias.

Prosseguindo a discussão sobre o contexto jornalístico e literário da crônica, Sá (1987, p. 85) destaca que, “no momento em que a crônica passa do jornal para o livro, tem-se a sensação de que ela superou a transitoriedade e se tornou eterna”. Entretanto, conforme o

autor, “todos os escritores demonstram sua perplexidade diante da inevitável passagem do tempo, corroendo os seres e as coisas” (Op. cit. 1987, p. 85).

Sá (1987, p. 85) argumenta que

A mudança de suporte provoca um novo direcionamento: o público do jornal é mais apressado e mais envolvido com as várias matérias focalizadas pelo periódico; o público do livro é mais seletivo, mais reflexivo até pela possibilidade de escolher um momento mais solitário para ler o autor de sua preferência. Em muitos casos, o público chega a ser basicamente igual, uma vez que o mesmo leitor que frui a vida através das reportagens também a fruirá através das páginas literárias: a atitude diante do texto é que muda [grifos do autor].

De acordo com Sá (1987, p. 85), “a mudança de suporte implica a mudança de atitudes do consumidor e com isso, sai lucrando a crônica”. Para o autor,

as possibilidades de leitura crítica se tornam mais amplas, a riqueza do texto, agora liberto de certas referencialidades, atua com maior liberdade sobre o leitor – que passa a ver novas possibilidades interpretativas a partir de cada releitura (Op. cit. 1987, p. 85 – 86).

Isso posto, quando a crônica passa do jornal para o livro, conclui Sá (1987, p. 86) que “amplia-se a magicidade do texto, permitindo ao leitor dialogar com o cronista de forma bem mais intensa, ambos agora mais cúmplices no solitário ato de reinventar o mundo pelas vias da literatura”.

Certifica ainda o autor que,

O próprio estudo da obra se torna mais realizável, permitindo que o estudioso descubra as características de cada escritor. No caso específico da leitura de uma determinada crônica, sua publicação em livro também facilita o estudo intertexto para melhor confirmação dos caminhos interpretativos. (Op. cit. 1987, p. 86).

Dialogando com as ideias do texto, Koche, Marinello e Boff (2012, p. 69) destacam que “a crônica consiste num gênero textual em que se faz uma reflexão sobre acontecimentos pitorescos do cotidiano”.

Para as autoras supracitadas, “a crônica não se limita à mera reflexão de fatos, mas vai além, mostrando ângulos não percebidos. É fragmentária, pois não tem a pretensão de abordar o fato como um todo, mas apenas alguns detalhes significativos” (Op. cit. 2012, p. 69).

De acordo com Coutinho e Souza (apud KÖCHE, MARINELLO e BOFF, 2012, p. 69), “o fato, que é em geral um fim para o jornalista, para o cronista é um pretexto para divagações, comentários e reflexões”. Os autores revelam tratar-se de “um gênero textual altamente pessoal, uma reação individual e íntima diante da vida, das coisas ou dos seres” (Op. cit. 2012, p. 69). Dentro desse contexto, “o cronista, num estilo leve, pode tratar de problemas sociais, de fraquezas humanas, de fatos ocorridos na sociedade, de uma notícia marcante, de um filme, de uma viagem, entre outros temas” (Op. cit. 2012, p. 69).

Ainda segundo Köche, Marinello e Boff (2012, p. 69), “a crônica, geralmente, aborda fatos do dia a dia, ao primeiro olhar, sem importância”. O cronista, então, segundo Martins e Saito (2006 apud Köche; Marinello e Boff, 2012, p. 69) “faz com que esses fatos banais sejam significativos, na medida em que mostra ‘a grandeza’ escondida neles”.

Uma das marcas desse gênero, para Köche, Marinello e Boff (2012, p. 69), é “abarcar o comentário do fato jornalístico, a ficção, a ironia, o humor diante da sociedade e a defesa das ideias, tendo sempre um olhar crítico e inesperado”. Para as autoras, “a crônica tem uma estrutura livre, e pode valer-se do diálogo, do monólogo, da entrevista, da resenha e de personagens reais ou fictícios” (Op. cit. 2012, p. 69).

Costa (apud KÖCHE, MARINELLO e BOFF, 2012, p. 70) postula que, “dependendo da intenção do autor, esse gênero pode apresentar tipologia textual de base narrativa, dissertativa, entre outras”. Explica que “a crônica com tipologia de base narrativa possui poucas personagens, e as referências espaciais e temporais são limitadas: as ações ocorrem num único espaço, e o tempo normalmente corresponde a alguns minutos ou algumas horas” (Op. cit., 2012, p. 70).

Outro enfoque importante a respeito da crônica é apontado por Costa (apud KÖCHE, MARINELLO e BOFF, 2012, p. 70):

A crônica com tipologia textual de base narrativa admite o narrador em primeira pessoa, participando dos acontecimentos, ou em terceira pessoa do discurso, observando os fatos. A crônica busca aproximar o enunciador do leitor pelo uso frequente do discurso indireto livre e de perguntas retóricas. Costa (apud KÖCHE, MARINELLO e BOFF, 2012, p. 70), sobre os aspectos que tendem a aproximar o enunciador do leitor, no gênero crônica, explica:

O discurso indireto livre ocorre quando há fusão entre personagem e narrador, pois, entremeando à narrativa, aparecem diálogos indiretos da personagem, que complementam a fala do narrador. Por sua vez, as

perguntas retóricas estão presentes quando o narrador propõe ao leitor questionamentos sem esperar uma resposta, com a intenção de levá-lo a pensar sobre o assunto.

Os autores Köche, Marinello e Boff (2012, p. 70) reiteram que:

a princípio, a crônica é publicada em revistas ou jornais, na forma impressa ou on-line, criando assim uma familiaridade com o leitor. Posteriormente, muitos autores reúnem suas crônicas em livro, em forma de coletânea. Na tentativa de aprofundar o conhecimento a respeito do referido gênero, apresentamos dois tipos de crônicas que, de acordo com Köche, Marinello e Boff (2012, p. 70), “são construídas a partir de dados da realidade, a saber: literária e não literária”. Segundo as autoras, “a crônica literária pertence à ordem do narrar e a não literária, à ordem do relatar” (Op. cit., 2012, p. 70). Para elas,

Na crônica literária, o cronista transforma os elementos objetivos em estéticos a partir de sua liberdade e capacidade imaginativa. Reinventa o real pelo uso particular das palavras, através do emprego da linguagem conotativa e subjetiva, deixando transparecer suas emoções e desvelando poeticamente o instante. A linguagem conotativa refere-se ao significado que certas palavras e expressões assumem, modificando seu sentido literal, e a linguagem subjetiva mostra a visão pessoal do indivíduo e sua reação emotiva frente a algo. Já na crônica não literária, o autor vale-se da realidade objetiva, com seus dados passíveis de comprovação. Para que sua intenção seja comunicada, usa, sobretudo, a linguagem denotativa e objetiva (Op. cit. 2012, p. 70 – 71).

Conforme Machado (apud KÖCHE, MARINELLO e BOFF, 2012, p. 71), “a crônica não é propriamente uma notícia, mas um artigo sobre a notícia”. Destaca que “entre as crônicas não literárias, as mais comuns são a crônica jornalística, policial, esportiva, política, social e de moda” (Op. cit. 2012, p. 71).

Já Soares (1989, p. 65) considera a crônica como “conscientemente fragmentária, por não pretender captar a totalidade dos fatos”. Para ela, “a crônica impôs-se, inicialmente, nos quadros da literatura brasileira, por Machado de Assis (ainda conhecida como “folhetim”), Olavo Bilac e João do Rio” e destaca que, “entre os cronistas mais recentes, sobressaem-se, Carlos Drummond de Andrade, Eneida, Millôr Fernandes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Sérgio Porto” (SOARES, 1989, p. 65).

Faz-se necessário destacar que o tipo de crônica privilegiado em nosso estudo é o narrativo.