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A análise das publicações obtidas para a Revisão Sistemática Qualitativa (primeira fase) é denominada Síntese na qual são identificados os conceitos-chave de diferentes estudos sendo, posteriormente, traduzidos em outros. Traduzir, nesse contexto, significa reconhecer similaridades em conceitos enunciados em estudos diferentes, ainda que não sejam expressos com as mesmas palavras. Pode-se também extrair explicações ou teorias associadas a esses conceitos. Assim, o autor da síntese cria condições para desenvolver ‘linhas de argumentos’ que, partindo das concepções dos estudos originais, vão além dos mesmos produzindo conhecimento(5,15). Noblit and Hare(15) sugerem que seja identificado um estudo primário do qual se extrai um conceito-chave para proceder assim a comparação e tradução com os demais(7,15). Procedeu-se, assim, à leitura dos estudos selecionados. Buscou-se identificar as concepções presentes nos diferentes estudos diferenciando:

(a) A descrição das práticas de cuidado que o(s) autor(es) observou(aram) na instituição, ou seja, o retrato da realidade que ele(s) encontra(m) no cenário de pesquisa. Essa descrição tem como propósito diferenciar a descrição da realidade encontrada e aquilo que era verbalizado pelos sujeitos das pesquisas. Acepções nem sempre coincidentes.

(b) A concepção de cuidado de enfermagem ao psicótico relatada pelos participantes ou sujeitos da pesquisa durante a coleta de dados. De acordo com Schutz(55,65) a visão, compreensão ou crença dos sujeitos das pesquisas são denominados construtos de primeira ordem.

(c) A concepção de cuidado de enfermagem ao psicótico apresentada pelo autor da pesquisa, a partir visão dos participantes de sua pesquisa e das referências que ele consultou para efetivá-la. Esses constituem os construtos de segunda ordem(55,65).

Finalmente, de posse dos conceitos identificados em (b) e (c), procedeu-se a uma tradução (análise) seguida por síntese de temas ou conceitos que conduzirão a uma linha argumentativa(15,16).

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Tal síntese conduziu este estudo a duas linhas conceituais distintas acerca do cuidado de enfermagem psiquiátrica/saúde mental a partir dos anos 80 no Brasil. Tais linhas receberam as seguintes denominações:

1.1 – O avesso do cuidado;

1.2 - Inspirações Nightingaleanas.

Dentro dessa segunda linha conceitual encontram-se duas derivações, a saber: 4.2.1- O relacionamento interpessoal como cuidado de enfermagem;

4.2.2- O cuidado de enfermagem e o Modo Psicossocial.

Além das linhas conceituais, identificaram-se nos estudos analisados dois elementos constitutivos do cuidado de enfermagem em psiquiatria/saúde mental: as relações e o cuidado corporal, sendo que as relações profissionais (relações entre profissionais e relações profissional-paciente) são reencenadas na concretude das práticas do cuidado corporal.

Os estudos analisados nessa revisão serão apresentados no capítulo 4 dessa tese em quadros remissivos selecionados por linha conceitual e pelas suas subdivisões na apresentação e discussão dos resultados. Vale ressaltar que diferentes estudos apresentam em si construtos que foram identificados com distintas linhas conceituais. Assim, um mesmo estudo será analisado em diferentes linhas conceituais.

Em relação à Pesquisa Narrativa com interface Etnográfica, após as entrevistas, foi realizada uma audição da gravação seguida por transcrição (feita pela pesquisadora) na íntegra. Essas entrevistas forneceram um conjunto de narrativas que, ao enfocarem o percurso profissional de cada enfermeiro, se configuraram em esforços para conceituar esse fazer cotidiano (o cuidado de enfermagem voltado para portadores de sofrimento mental - psicóticos) dos enfermeiros de saúde mental.

Do conjunto de entrevistas e narrativas transcritas procedeu-se à análise. De acordo com Silverman(61), as narrativas podem ser analisadas considerando o ‘como’ (how- elementos estruturais) e o ‘o que’ (what – conteúdos e temas abordados). Entretanto, ressalta-se que é fundamental não se negligenciar o fato de que uma narrativa é um processo social, mais que apenas um produto social.

Lieblich, Tuval-Mashiach e Zilber(17) propõem um esquema que resume possibilidades de análise da Pesquisa Narrativa: pode-se, dessa forma analisar a forma ou o conteúdo, de

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modo integral (por inteiro) ou por meio de categorizações. Assim, esses autores definem quatro modos de análise: Conteúdo-integral (Holistic-content), Conteúdo-Categorial (Categorial- Content), Forma-integral (Holistic-form) e Forma-Categorial (Categorial-form).

O modo denominado Conteúdo-Integral foca todo o conteúdo da narrativa e, mesmo quando partes da narrativa são destacadas, sua análise se dá sempre em função de todo o restante da narrativa ou do contexto da história contada(17).

O modo Forma-Categorial foca no estilo ou nas características linguísticas para definir unidades (enredo, partes do texto, nomeações) dentro da narrativa. Nesse modo, são valorizadas, dentre outras, as metáforas e nomeações empregadas, sendo assim separadas e analisadas(17).

Outrossim, sabe-se que esses modos nem sempre figuram de forma clara e inconfundível quando da análise de uma narrativa. Muitas vezes, a análise dos aspectos formais de uma história pode remeter, e remete, ao seu conteúdo(17).

Para efeito dessa pesquisa serão utilizados elementos de dois modos de análise propostos por Lieblich, Tuval-Mashiach e Zilber(17), nas modalidades Conteúdo-Integral e Forma-Categorial.

Para melhor explicitar os passos que foram dados para a análise de acordo com as modalidades Conteúdo-Integral e Forma-Categorial, optou-se nessa pesquisa por analisar os dados narrativos, considerando a perspectiva psicológica e a análise narrativa do desenvolvimento de identidade, tal como propõe Duffy(20). Tais modelos de análise servirão de direção para a análise aqui empreendida, levando-se em conta as ponderações e definições realizadas anteriormente (cf. item 5.1).

A análise narrativa a partir de uma perspectiva psicológica busca compreender, dentre outros, significados que as pessoas dão aos acontecimentos de sua vida e como usam a linguagem para falar desses acontecimentos. Assim, os elementos para análise podem ser palavras, metáforas, frases que constituem um fio de continuidade conferindo congruência, coerência e consistência à narrativa. Entretanto, vale lembrar que inconsistências e descontinuidades são elementos igualmente importantes para a análise(20).

Considerando o arcabouço teórico desta pesquisa, propõe-se uma leitura dos elementos para análise (palavras, metáforas, frases) como algo que se aproxima do que Lacan denominou significantes. E, nesse sentido, considerou-se tanto a presença de um fio condutor que remete à

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congruência, coerência e consistência de uma narrativa, quanto as associações livres de um significante que remete a outro significante, ou seja, aquilo que numa narrativa denuncia a presença de um sujeito.

A análise narrativa do desenvolvimento da identidade, num movimento oposto à forma de análise descrita no parágrafo anterior, dedica-se a pensar como o externo (cultura) provoca e cria histórias internas (Eu). Interessa-se aqui pelo diálogo que o narrador estabelece sobre como ele se vê (se num contraponto ou em sintonia) em relação ao discurso da cultura.

Nessa perspectiva, entra em jogo a questão da autoria (que Duffy denomina voz autoral) e das condições em que essa autoria se dá. Autoria que toma em consideração quem fala e quem produz quando da construção das narrativas. Duffy(20) questiona a voz autoral e afirma que nem sempre o narrador constitui-se por autor do que conta. A autora defende que não raro a voz autoral aproxima-se mais do discurso da cultura representado por figuras chave ou mesmo por elementos críticos da cultura (p.e. mídia).

Novamente, considerando o arcabouço teórico desta pesquisa, propõe-se uma leitura de identidade e do Eu tal como discutida no item 5.1. Assim, uma identidade que, antes de remeter a uma unanimidade de concepções acerca do cuidado de enfermagem na psicose, aponte para a construção que cada um foi fazendo de forma singular, analisando-as (essas construções) em suas possíveis interlocuções. E mais, pensar as condições de autoria dessas narrativas e o autor como alguém que não se isenta (e por isso não se ausenta) na obra e que convoca o leitor a suportar o não explícito e, dessa forma, coloca-o também numa posição de autoria de sua leitura daquele texto. Ou, seja, como propõe Souza(66), há uma multiplicidade de eus envolvidos numa situação de autoria.

Coerente com o objetivo desta pesquisa no qual se expressa o interesse em alcançar significados atribuídos pelos enfermeiros ao cuidado de enfermagem na psicose e compreendendo que essas concepções não são construções neutras e puramente objetivas, busca-se, então, para análise dos dados, debruçar-se sobre o que foi dito, em termos de conteúdos e temas, mas também, os elementos de linguagem que denunciam e reconhecem a presença de um sujeito, ou seja, metáforas, lapsos, significantes. Em suma, a análise das narrativas será realizada de acordo com o esquema 01, apresentado no Anexo ‘IV’.

Na apresentação da análise dos dados, as cenas ou narrativas foram editadas no sentido de permitir sua apresentação de forma clara, porém sucinta. Das narrativas coletadas

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pode-se depreender concepções, na forma de princípios e dispositivos de cuidado de enfermagem psiquiátrica/saúde mental na psicose assim nomeadas:

O ‘Cuidado esvaziado’(N5): Discursos e saberes (saber e não-saber) que conformam o cuidado de enfermagem

 Saber e antecipação: possibilidades e impossibilidades. Duas cenas.

O cuidado de enfermagem na psicose: o anteparo da beleza ou o cuidado e suas coisas de fineza.

“Não como todo mundo”: o um que marca uma posição ética.  O tempo como lógica do Um.

Um cuidar que afeta: acerca de palavras, atos e posições.

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4- O CUIDADO DE ENFERM AGE M EM S AÚDE MENTAL NO

PERÍODO DE 1980 A 2010: RE ALIDADES FOTOGRAFADAS.

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4. O cuidado de enfermagem em saúde mental no período de 1980 a 2010: realidades fotografadas

Conhecer e analisar as concepções de cuidado de enfermagem em psiquiatria/saúde mental, a partir dos primórdios da Reforma Psiquiátrica Brasileira, criam condições para uma maior compreensão desse cuidado, bem como oportuniza, a partir de uma sistematização conceitual, identificar avanços e lacunas, ambas condições que alavancam a construção de conhecimento na enfermagem.

Diante da lacuna localizada na produção científica da área entendeu-se que, para empreender uma pesquisa que discutisse as possíveis contribuições de uma teoria para o cuidado era necessário buscar nas práticas dos enfermeiros o que de fato era possível quando se pensa o cuidado na psicose. Mas, antes disso, era preciso produzir evidências de que cuidado era esse (ou seja, quais as concepções de cuidado foram sendo criadas, modificadas ou mantidas) e em que contexto surge um imperativo clínico de se buscar outros arcabouços teóricos que dessem sustentação para as práticas de enfermagem em psiquiatria/saúde mental com psicóticos nesse cenário inquieto de mudanças.

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