• Nenhum resultado encontrado

5.1.2 O SEGUNDO ENSINO – O SINTHOMA

FIGURA 02 SINTHOMA.

Fonte: Lacan(140:p.21).

Quando um psicótico busca algo que o nomeie ou que suplemente a foraclusão do Nome-do-Pai, o transbordamento pode ser mostrado pela metáfora dos três anéis dos registros que se acham rompidos (fig.2). Faz-se, assim, necessário um quarto anel, o sinthoma, aquele que vem para reparar o erro da cadeia borromeana. E, Joyce, com sua arte pode desfazer o que se impôs do sintoma34. Essa arte, um artifício, que, tal como a análise faz suturas e emendas. “O texto de Joyce é todo feito como um nó borromeano”(140:p.149).

É importante ressaltar que a enodação dos três registros não é dada, ou seja, não é inata. Como propõe Lacan(140:p.63): “O nó não constitui a consistência. O nó ex-siste ao elemento corda, à corda–consistência. Portanto um nó pode ser feito”. A tarefa de enodação dos três registros cabe a cada um, a cada sujeito(147). Isto equivale a dizer que, se a escrita

34

“Ulisses testemunha que Joyce permanece enraizado ao seu pai, ainda que o renegando. É efetivamente isso que é seu sintoma”(140:p.68).

93

enigmática de Joyce figura como uma saída, há que se entender claramente: uma saída para Joyce.

Nesse sentido, Lacan recorre ao nó borromeano para pensar naquilo que cada um, em sua singularidade, ‘amarra’ de uma forma única. Ao pensar a singularidade na condição de ‘subtração de categorias’(130:p.49), constata-se que cada um, a seu modo, enlaça o real, imaginário e simbólico. E assim, a distinção neurose-psicose deixa de figurar como algo prioritário à clínica. Algo de uma particularidade, porém, se mantém numa relação dialética, que, tal como propõe Alvarenga(136), permanece entre o primeiro e o segundo ensino de Lacan.

E mais, é da ordem dessa singularidade que se deve ocupar prioritariamente o analista. Lacan oferece pistas concretas do que cabe ao analista, diante da psicose:

Vamos aparentemente nos contentar em passar por secretários do alienado. Empregam habitualmente essa expressão para censurar a impotência dos seus alienistas. Pois bem, não só nos passemos por seus secretários, mas tomemos ao pé da letra o que ele nos conta- o que até aqui foi considerado como coisa a ser evitada(6: p.236).

E, essa, entretanto, é uma das posições possíveis diante daquilo que cada um, em sua relação com o gozo, irá enodar. Há ainda a posição de testemunha do alienado, ao que Zenoni(128: p.61) pondera:

Há então essa noção de secretário e testemunha. O que é comum aos dois, testemunha e secretário, é que a dimensão do saber é deixada do lado do sujeito. De certa forma, a dimensão do depósito da letra, literal, se encontra do lado do analista. Talvez a dimensão da testemunha coloque a ênfase sobre a dimensão do não-saber, enquanto que a dimensão do secretário coloca o acento sobre a dimensão da letra. Por outro lado, secretário não é simplesmente copista. É estar a serviço do sujeito ativamente e não simplesmente testemunha. Mas a questão da testemunha é importante no plano do não-saber.

Numa direção contrária ao Outro que tudo sabe, adotar uma posição de não-saber, de testemunha ou secretário ou parceiro, exigirá do analista uma escuta daquilo que aquele sujeito, naquele momento, lhe diz.

94

Viganò(149), a partir de sua posição de psicanalista, compreende a instituição como espaço de pessoas onde a palavra circula. A equipe, em especial a enfermeira, pode ocupar uma posição de parceira. O parceiro é colocado como aquele que não interpreta, não compreende, não se coloca como espelho. O parceiro oferece-se como presença regular, mostra-se atento ao mínimo detalhe e, com isso, aprende algo sobre a linguagem particular daquele paciente.

Quando a psicose passa a ser pensada não apenas como a ausência da inscrição do Nome-do-Pai para ser pensada como uma forma singular de um ‘que fazer’ com o sintoma, um ‘savoir-faire’ como saber do ofício(140) presente em cada saída única que um psicótico vai construir para si, então se pode afirmar com Zenoni(128,148) e Viganò(149) que todos os profissionais, independente de sua formação (de ter uma formação ou não), devem se matricular na escola da psicose e se colocar como aprendizes.

É possível que, assim fazendo, possam, os profissionais, criar formas de lidar com aqueles que, diante de seus transbordamentos, encontram no ato uma forma de apaziguamento. Cabe-lhes, em equipe, extrair desse saber não sabido possibilidades de levantar hipóteses e discuti-las quanto às estratégias a adotar, com base naquilo que já teve efeito antes.

Isso só se torna possível, no entanto, em um trabalho de equipe no qual os saberes prévios se encontram desieraquizados e a responsabilidade é dividida entre todos(128). Viganò(149) defende que uma instituição tenha sua hierarquia, mas que haja momentos que prescinde dela, para que se possa reconhecer a autoridade clínica de qualquer um dos trabalhadores junto a um determinado paciente que circula no serviço. As proposições de Zenoni e Viganò aproximam-se do que Miller nomeou como a Prática entre Vários. Tal prática, tal posição de aprendizes da clínica, apresentam consequências: a primeira, sobre a estrutura da própria equipe que relativiza todos os saberes prévios em favor de uma posição de pesquisa, de estudo, de aprendizagem.

A segunda, em decorrência da primeira, implica, diante da psicose, esse esvaziamento de saber prévio,

redobra a dispersão natural do sujeito suposto saber, a dispersão do suposto saber que está implicada num trabalho feito por muitos. (...) Essa posição de um sujeito suposto não saber é uma posição favorável para encontrar um sujeito que sabe o

95

que acontece com ele, que é ele mesmo a significação do que lhe é endereçado enigmaticamente. É uma posição favorável para encontrar esse sujeito, sem alimentar uma posição intrusiva, persecutória de transferência(150:p.20)

Essa posição diferente que marca a Prática entre Vários ou Prática de Muitos vem encontrando lugar na realidade das instituições, dos novos serviços que se propõem a acolher os portadores de sofrimento mental grave, neuróticos e psicóticos, em crise. E é sobre isso que se passa a discorrer.

96

5.2- INSTITUIÇÃO, PSICOSE, PSICANÁLISE: UM SEGUNDO DESAFIO E

Documentos relacionados