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O primeiro ensino ou a primeira clínica de Lacan é denominado por alguns autores(130,132) por clínica estrutural, uma vez que nela as estruturas - neurose, psicose e perversão - surgem como efeito da articulação de elementos diferenciados. Trata-se do significante mestre (S1) e sua articulação na cadeia significante (S1-S2), do Outro, e do sujeito( ). A forma como esses elementos irão se articular determinam o aparecimento de uma das três estruturas.

Vale ressaltar que a concepção de estrutura em psicanálise aproxima-se mais da noção de semblante “...fazer crer que há algo ali onde não há...”(130: p.57) do que da de diagnóstico médico que caminha mais na direção de uma generalização.

Retomando, na psicose, tal como Lacan elabora em seu primeiro ensino, acontece a foraclusão (Verwerfung) do Nome-do-Pai. Mas o que vem a ser Nome-do-Pai e como isto de dá? O Nome-do-Pai, definido por Lacan(6) como um significante, é o responsável por inscrever

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uma barra na relação dual na qual mãe e filho se encontram, nesse momento, numa relação puramente imaginária.

Há uma compreensão, nesse tempo do ensino de Lacan, de que a dimensão imaginária é a dimensão fundamental do sujeito(137:p.08). Nesse sentido, futuros neuróticos, futuros psicóticos ou futuros perversos teriam um nascimento em comum, ou seja, o estádio do espelho.

O estádio do espelho é a primeira estrutura do mundo primário do sujeito, o que significa que é um mundo muito instável. (...) Para ele, é também o mundo da mãe. É supostamente um mundo cuja força pulsional é a do Desejo da Mãe, o desejo desordenado da mãe em relação ao filho-sujeito. De certa maneira, isso equivale a dizer que a loucura é o mundo primário. É um mundo de loucura(137:p.09).

É nesse mundo de loucura que o Nome-do-Pai encontra sua função. Função de impedimento, de barra, de ordenamento, de ponto de basta, de substituição ao Desejo da Mãe. Melhor dizendo,

o Nome-do-Pai é o pai enquanto função simbólica, é o pai simbólico, que vem metaforizar o lugar de ausência da mãe; é o significante que faz a mãe ser simbolizada. A função significante do Nome-do-Pai inscreve-se no Outro, que até então era para a criança ocupada inteiramente pela mãe (138:p.12).

Se isso se dá, a criança deixa de ficar submetida ao desejo caprichoso, mortífero, de uma mãe que se entende completa por aquele pequeno ser que gerou e este, por sua vez, deixa de se acreditar como aquilo que faltava a essa mãe. É o olhar de desejo materno que irá permitir a entrada desse terceiro na relação. Terceiro este que, nesse momento, se coloca como a lei, para, num momento posterior, figurar como quem também está submetido à lei da cultura, ou seja, como representante dessa lei que enuncia.

Esse momento marca a entrada ou a submissão, por assim dizer, às leis sociais e às estruturas elementares da cultura, condição essencial à construção de sua subjetividade. À mãe

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é vetada a reintegração da criança, à criança é proibido permanecer na condição de objeto24 de uso caprichoso dessa mãe. Para a criança, esse Nome-do-Pai sinalizará a existência de algo (além da criança) para o qual o desejo da mãe se dirige, assim como também mostrará que aquela mãe, antes poderosa e completa, também está submetida a uma lei, ou seja, também é castrada e faltosa como todo ser humano(6).

Inserido nessa estrutura da cultura, o sujeito passará a estar sujeitado a uma ordenação de trocas, as quais, mesmo sendo inconscientes, são marcadas pela estrutura da linguagem.

Donde resulta que a dualidade etnográfica da natureza e da cultura está em vias de ser substituída por uma concepção ternária – natureza, sociedade e cultura – da condição humana, na qual é bem possível que o último termo se reduziu à linguagem, ou seja, àquilo que distingue essencialmente a sociedade humana das sociedades naturais(139:p. 499).

Ocorre que, na Psicose, o Nome-do-Pai encontra-se foracluído. Foraclusão é:

... um neologismo que se utiliza em português para designar que não há inclusão, que o significante da lei está fora do circuito... Foraclusão não é propriamente uma tradução do termo francês forclusion25 proposto por Lacan para equivaler ao termo freudiano Verwerfung21. É antes uma interpretação.

Forclusion é um termo francês tomado de empréstimo ao vocabulário jurídico. (...) Um processo forclos21 é um processo acabado legalmente e inexistente que equivale em termos jurídicos em português à prescrição que é toda exclusão de um direito ou de uma faculdade que não foi utilizada em tempo útil. A foraclusão, portanto, remete à noção de lei e de sua abolição(138:p.15).

Como consequência da foraclusão do Nome-do-Pai na psicose, abolição dessa lei simbólica, todo o sistema significante é colocado em questão, pois a criança não pode mais ‘saber’ sobre o Desejo da Mãe. Esse desejo torna-se uma incógnita e retorna ao sujeito como gozo enigmático do Outro26.

Por falta de referência simbólica o sujeito psicótico funciona no registro imaginário, onde o outro é tomado como espelho e modelo de identificação imediata. Disto

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Objeto de gozo.

25Grifos de Antônio Quinet. 26

Aqui o termo Gozo comporta o mesmo sentido de transbordamento, de excesso anteriormente citado, mas na qualidade de Gozo do Outro, significa que é o Gozo que o sujeito acredita que o Outro dispõe. Um gozo pleno, ilimitado.

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decorrem os fenômenos de transitivismo, projeção, rivalidade, onde identificação e erotização se confundem. O semelhante é apreendido apenas no registro imaginário onde a relação especular é a regra(138:p.19).

Diante dessa não inscrição do significante da falta no Outro, resta ao sujeito lidar com os efeitos da foraclusão, o que implica um modo ‘imaginarizado’ de se constituir. Textualmente, “a psicose consiste em um buraco, uma falta ao nível do significante”(6:p. 229).

Quais as implicações dessa falta do significante? Lacan define que o sujeito é aquilo que representa um significante para outro significante27. Ou seja, não há um único significante que represente o sujeito, que o defina, apenas o representa provisoriamente para outro significante. E é exatamente essa representação provisória que dá ao sujeito respostas, ainda que também provisórias e incompletas, acerca do Desejo da Mãe, desejo do Outro, bem como respostas acerca de si mesmo e de seu desejo.

Da não inscrição do Nome-do-Pai, aquele que inicia e organiza toda a cadeia significante, decorre que o significante mestre (S1), apresenta-se colado a S2. Ao rejeitar (foracluir) um significante primordial, todo conjunto significante é colocado em questão. Nessa condição, sua função de ‘pôr ordem’ na cadeia significante não encontra lugar.

Na psicose, a foraclusão anula a possibilidade de um significante funcionar representando o sujeito, ou seja, fazer essa função de responder ao “O que o Outro quer de mim?’ e, num movimento de separação desse outro, também ao ‘O que eu desejo?’. Sem o anteparo do significante, do registro simbólico, resta ao sujeito funcionar a partir do imaginário, ou seja, quase numa condição de mimetização do Outro e de seu desejo, numa regressão que implica uma submissão a esse Outro(6).

Seja para o psicótico ou neurótico, o Outro existe, mas de formas muito diferentes. Ao psicótico é legado o lugar desse Outro todo poderoso, que o torna objeto de seu gozo e de seu uso, é um Outro não barrado (diferente do que se vê na neurose). Esse Outro tem consistência28, é absoluto, está acima de qualquer regulação possível, acima de qualquer lei.

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Pode-se compreender o significante, tal como propõe Lacan, como a metáfora da uma pegada e aquilo que a fez. Assim, o significante é: “ ... um sinal que não remete a um objeto, mesmo sob a forma de rastro, embora o rastro anuncie, no entanto, o seu caráter essencial. Ele é também o sinal de uma ausência. ... o significante é um sinal que remete a um outro sinal, que é como tal estruturado para significar a ausência de um outro sinal, em outros termos para se opor a ele num par”(6: p.192).

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Pode acontecer desse Outro se tornar inconsistente na medida em que não há uma sustentação da relação imaginária com o semelhante. Esse Outro pode assim se apresentar também esfacelado.

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Na falta de um significante, do Nome-do- Pai, que venha impor estabilidade e ordem a esse mundo instável, uma ordenação em termos de gozo, libido e pulsões, fica um buraco, um vazio de significação, o qual a metáfora, não mais paterna, mas agora delirante vem tentar preencher. “Um delírio é um conto simbólico”(137:p.09). Schreber29 construiu para si um conto privado. Isso é o que Lacan extraiu a partir do Caso Schreber e das respectivas elaborações de Freud a respeito desse caso(137).

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