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Carper(171) apresenta o Padrão Estético de Saber inicialmente ponderando, a partir de outros autores, que a definição de arte é complexa, exatamente por se aproximar mais do universo subjetivo, o qual ela define como particular45. Nesse sentido, a autora adota a concepção de arte como aquilo que não apresenta características comuns, apenas semelhanças. E, nesse sentido, a função de uma teoria estética estaria fadada ao fracasso quando se pensa que uma teoria busca reunir, na forma de leis e enunciados o que é geral, regular e aplicável e replicável em diferentes situações(171).

Pensando a condição da Enfermagem, entretanto, Carper(171) compreende que encontrar nuances estéticas no fazer da Enfermagem faz-se possível se se partir de uma concepção mais aberta e fluida de arte e estética. Com isso, pode-se pensar em condições, situações e experiências da Enfermagem que poderiam ser consideradas estéticas, incluindo todo o processo criativo de determinação e descoberta do Padrão Empírico de Saber.

Embora haja, com frequência, referências às relações entre a Enfermagem e a arte, a Enfermagem e a estética, diversos são os sentidos atribuídos por vários autores e pesquisadores. Johnson(185) identificou em algumas publicações cinco acepções diferentes do significado do enunciado ‘Enfermagem como arte’. Todas se referem ao momento em que enfermeiro e paciente se encontram frente a frente, momento no qual a ética, o julgamento do profissional, a capacidade de análise, de empatia e compreensão são valorizados.

Carper(171) identifica na Enfermagem certa relutância em pensar seu conhecimento para além do que é “empírico, factual, objetivamente descrito e generalizável” (171:p.16). A autora atribui tal relutância ao fato de que alguns profissionais de Enfermagem não incluem no conhecimento da profissão aquilo que não é produto de investigação científica. Ela acredita que possivelmente tal fato de deve a um esforço em esmaecer a imagem do aprendiz, figura cujo preparo formal se restringia à aprendizagem por imitação e seu conhecimento era advindo da acumulação de experiências não elaboradas teoricamente.

45 A concepção de Particular para Carper(171) difere da concepção proposta por Miller(130) denomina.

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Embora Carper(171) aproxime o Padrão Empírico do Saber do Padrão Estético, ela identifica elementos que distanciam a arte e a estética da ciência. Ao contrário da ciência, a arte e seu correspondente significado estético provêm da expressão subjetiva, particular e, dessa forma, distanciam-se do que é descritivo.

A arte é algo que resiste à forma discursiva da linguagem. Por sua vez, o conhecimento obtido pelos caminhos propostos pelo Empírico é passível de ser formulado discursivamente. O conhecimento advindo daquilo que é percebido ou vivenciado numa experiência também comporta uma formulação discursiva, mas, por exigir abstração, fica maior que o discurso, ou seja, vai além dele(171).

Há que se considerar nesse ponto que, partindo das formulações de Carper(171) acerca da arte e do estético e de sua relação com a linguagem e discurso, pode-se inferir uma concepção de linguagem na qual ela (a linguagem) se aproxima do dito, do verbalizado ou escrito. Nessa visão, a linguagem comporta poucos equívocos, uma vez que o dito ou escrito conduzem à compreensão, sendo a linguagem um dispositivo que serve à razão. Ao abstrato, ao não racional, resta a possibilidade de valer-se da arte, esse além da linguagem.

Tal concepção de linguagem aproxima-se daquela proposta pelo filósofo Wittgenstein no primeiro tempo de seu ensino. Wittgenstein(186), em seu Tractatus Logico-Philosophicus, afirma que há uma má compreensão da lógica de nossa linguagem. Para ele, o mundo é o mundo dos fatos, do ponto de vista lógico. Ao cientista cabe enunciar as proposições das totalidades verdadeiras. A filosofia delimita o domínio das ciências, demarcando o pensável e o impensável, o dizível e o indizível. E sentencia: “Em geral, o que pode ser dito, o pode ser claramente mas o que não se pode falar deve-se calar”(186:p.53ep.129).

Vale ressaltar, assim, que essa concepção wittgensteiniana e a proposição aqui deduzida da obra de Carper distanciam-se da concepção de linguagem proposta por Lacan46 no que diz respeito à ideia de um indizível acerca do qual deve-se calar47, de uma linguagem com poucos ou sem equívocos, de uma ciência que se apoia na ideia de que os fatos do mundo são todos nomeáveis e que a ciência é o meio pelo qual isso se torna possível.

46 Apresentada nesta tese no item 4.1. 47

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Essas distintas noções de linguagem, no entanto, - a noção de linguagem proposta por Lacan e a de Wittgenstein(187) e, por extensão, a de Carper(171) – se aproximam quando tomadas pelo sentido de que nem sempre se consegue dizer tudo sobre tudo. Conforme aponta Lacan(188), há sempre algo de indizível no real, esse registro que escapa e insiste em se fazer existir na condição de um resto, um impronunciável. Mas, ao contrário da proposta de Wittgenstein, Lacan entende que é isso que nos convoca a dizer, a buscar alguma ressignificação possível, não pelo uso da razão, das palavras pensadas ou pelos dizeres calculados, nem pelo calar-se, mas pelo simples fato de falar, livremente, associando significantes.

Ainda em função das dessemelhanças, convém lembrar que Carper(171) propõe que o que não pode ser dito em palavras talvez possa ser tido como arte. Nisso, diferencia-se da proposta do primeiro Wittgenstein, o qual afirma que, diante do indizível, resta calar-se. Quanto à teoria psicanalítica, esta entende que se pode também haver um ‘que fazer’ com a arte, uma vez que a arte pode figurar como possível bengala imaginária(6) ou como possível saída, no caso da psicose, como fizeram, cada um à sua maneira, Schereber, em suas memórias, e James Joyce, em sua obra literária48, por exemplo.

Carper(171:p.17), recuperando a acepção de Wiedenbach, argumenta que a arte na Enfermagem situa-se no momento em que se provê ao paciente o que ele necessita para “restaurar ou estender suas habilidades para lidar com as demandas da situação”. Acrescenta, entretanto, que, para se obter uma qualidade estética, é preciso mais que isso: faz-se necessária uma transformação ativa de algo, no caso, o comportamento do paciente, por meio da apreensão da necessidade expressa nesse comportamento. Tal percepção da necessidade se faz por meio da coleta ativa de detalhes que se apresentam naquele paciente em um dado momento. Essa percepção não é determinante exclusiva do cuidado realizado pela enfermeira, mas produz nele seus reflexos.

No Padrão Estético, alinham-se às habilidades de percepção da enfermeira: a empatia, a criatividade, a capacidade de perceber o paciente numa perspectiva de integralidade. Vale ressaltar que a empatia é considerada por Carper(171) como um processo objetivo, no qual o profissional vivencia a perspectiva do outro mas, ao mesmo tempo, distancia-se de forma

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controlada (distanciamento ou distância psíquica controlada ou moderada), buscando apreender e abstrair a realidade que se apresenta a ele. Trata-se de uma empatia na forma de habilidade que se desenvolve à medida que se apura a percepção. Com isso, espera-se que o profissional enfermeiro consiga ampliar seu repertório de ‘designs’ de cuidado, podendo optar pelo que é mais satisfatório e efetivo.

O Padrão Estético de Saber na Enfermagem volta-se à percepção e abstração de particularidades e a distingue do reconhecimento de universalidades. Nesse padrão, o paciente deixa de ser analisado como mais um exemplar de uma classe para ser visto como único. Tornam-se também importantes a forma, o ritmo, o equilíbrio e a proporção e unidade, articulados ao todo(171). O exercício dessas habilidades confere satisfação e crescimento pessoal para os profissionais(189).

Alguns autores interpelam essas noções de Carper no sentido de melhor identificar a histórica expressão da ‘Enfermagem como arte’. Para Austgard(190) e Wainwright(191), a Enfermagem, embora arte, distancia-se das Belas Artes. Wainwright(191) afirma que a Enfermagem se aproxima mais do que se denomina em língua inglesa de craft, podendo ser compreendido em português como prática ou ofício. O autor adverte que, sendo arte, a Enfermagem o é em seu todo, não em aspectos determinados, em partes específicas.

Mitchell and Cody(192), apontando limitações do Padrão Estético, tal como Carper o anunciou, discutem a oposição ciência e arte para harmonizá-las na ideia de que ambas se voltam à compreensão do humano. Por sua vez, Silva, Sorrell and Sorrell(175) propõem que o Padrão Estético de Saber cumpre a função de mostrar como a arte e a abertura da Enfermagem, para perceber sutilezas e sensibilidades, pode conferir maior significado à realidade de conhecer e ser.

Pode-se depreender, portanto, do que foi apresentado, que o Padrão Estético do Saber em Enfermagem norteia-se por uma concepção de arte que valoriza o produto em detrimento do processo. Da mesma forma, deduz-se que o Padrão Estético irá instrumentalizar o profissional a desenhar o cuidado, buscando uma constante conexão entre ações e resultados. Este último representado pela modificação no comportamento do paciente. Nesse aspecto, esse Padrão distancia-se da arte numa concepção de artesanal, uma ação que produz ‘peças únicas’ por meio de um processo também único.

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Além disso, pode-se deduzir que a qualidade estética, ao assentar-se na percepção do profissional, associa-se também à exigência de que esse profissional tenha uma capacidade, advinda de conhecimentos teóricos e/ou habilidades desenvolvidas, para perceber e assim traduzir o que aquele paciente está lhe ‘dizendo’ com seu comportamento. E mais, a partir desse processo, ao dispor de um repertório variado de possíveis cuidados, a opção de qual será o melhor exige que o profissional opte pelo que é melhor para esse paciente. Mas, é possível traduzir o paciente? Cabe mesmo ao profissional decidir pelo paciente?

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6.3- O PADRÃO ÉTICO DO SABER – O QUE SE TEM OBRIGAÇÃO DE

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