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4.2 ANÁLISE TEXTUAL E TEMÁTICA

4.2.1 Análise dos artigos

Os primeiros documentos foram os artigos selecionados no Portal de Periódicos da Capes. O critério e a ordem de classificação de todas as produções foram elucidados anteriormente, quando explicávamos os critérios gerais para a escolha dos textos.

4.2.1.1 Documento A2

O primeiro documento analisado foi o A2, intitulado A vivência como princípio metodológico no filosofar com criança s (2002). Segundo o resumo, o texto tem como objetivo questionar o sentido do filosofar com crianças e apresentar o conceito de “vivência” como um princípio metodológico para o filosofar com crianças. Para A2, o simples

questionamento de “quem sou eu?” já coloca em contato direto com o movimento criativo do

filosofar. Por envolver as vivências da criança, a atitude filosófica exige um aprendizado emocional que se reveste da necessidade de pensar o próprio processo de pensar. O documento também afirma que o pensar possui duas dimensões: uma individual e outra coletiva e que essas dimensões se complementam, para que o diálogo interior alimente o verdadeiro significado do diálogo filosófico. Para a análise desse documento, elegemos três unidades de leitura10: “as experiências da infância”; “vivência”; “filosofar”.

Em A2 as experiências da infância são o ponto de partida para filosofar com crianças, havendo, portanto, uma relação entre a infância e o próprio filosofar. Essas experiências são

compreendidas como vivências. Segundo o texto, a vivência é uma “fonte inesgotável” (p. 61)

de reflexão. Por essa razão elas (as vivências) podem levar as crianças a filosofarem.

Em A2 a vivência pode ser uma metodologia para o filosofar e que esta pode ser suscitada em determinados contextos, como por exemplo, a escola. Destacamos:

“Desde que se compreenda o sentido de uma problematização filosófica, a partir de uma vivência

suscitada no contexto de uma atividade, faz-se possível, em um segundo momento, reconhecermos, nas vivências que espontaneamente participaram de nossas histórias pessoais, o sentido de um tal princípio do filosofar”.

O filosofar em A2 se caracteriza como uma atitude, perpassada por um “modo de pensar modo de pensar ativo, reflexivo, criativo, autônomo, autocrático” (p. 62, grifo do autor). Trata-se de uma atitude originalmente questionadora, que pergunta pela significação de nossas vivências. Uma vez que essa busca do significado das nossas vivências é uma dimensão da vida humana e que essa busca revela uma atitude interrogante que, por sua vez,

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Na análise dos artigos os textos foram lidos em sua íntegra, diferentemente das análises das teses e dissertações, onde as unidades correspondem aos trechos dos documentos que foram lidos e analisados.

caracteriza o filosofar. Em A2 o filosofar é uma dimensão da vida humana: “o filosofar nasce de experiências reflexivas, as quais congregam vivência e linguagem” (p. 61, grifo do autor). Portanto, há uma defesa de um aprendizado do filosofar através de um aprendizado por vivências/experiências. Um aprendizado que consiste em redescobrir ou reinventar nossa própria postura frente à vida, em particular frente ao nosso conhecimento.

4.2.1.2 Documento A5

O segundo documento analisado foi o A5, que tem como título O professor de filosofia: o ensino de filosofia no Ensino Médio como experiência do filosofar (2004). Em A5, o ensino de filosofia para jovens na escola justifica-se se esse for o ensino de criação de conceitos que deem conta de seus problemas. Não há cisão entre filosofia e filosofar. O ensino de filosofia deve ser produção de filosofia como o fazem os filósofos e, portanto, o professor de filosofia deve ser filósofo. O ensino da disciplina filosófica no pensamento leva à criação de parâmetros filosóficos para o jovem criar a si e ao mundo de forma original e autônoma. Para

a leitura desse texto as unidades estabelecidas foram: “filosofia ou filosofar”; “a vocação

formativa da filosofia”; “experiência filosófica”; “o professor de filosofia deve ser filósofo”;

“o professor de filosofia é modelo”; “aulas de filosofia: espaço de criação”; “ensino filosófico

de filosofia e poder”.

A5 inicia a reflexão mostrando que o saber filosófico é marcado pela incompletude e

que se “completa” enquanto atividade filosofante, isto é, enquanto filosofar. Embora a

filosofia reúna em si um conjunto de sistemas filosóficos outrora constituídos, ela não está pronta e, por essa razão, aprender filosofia exige uma postura analítica e/ou crítico-dialógica para com os sistemas filosóficos existentes. Nesse sentido, em A5 o filosofar é um diálogo crítico com a própria filosofia ou com a produção filosófica disponível. Está posto no documento que não é possível ensinar filosofia sem esse filosofar. No entanto, por se tratar de um diálogo com a tradição filosófica, também não é possível filosofar sem ensinar filosofia.

Em A5, a filosofia é, ao mesmo tempo, matéria e ato:

“Não é possível desunir filosofia de filosofar, pois os dois são uma mesma coisa. O filosofar é uma disciplina no pensamento que ao ser opera da vai produzindo filosofia e a filosofia é a própria matéria que gera o filosofar. (...) Não há como ficar com uma coisa e dispensar a outra já que não são duas coisas e sim uma só” (grifo nosso).

Destaca-se a ideia de que ao filosofar se produz filosofia, pois, ela está na base de uma concepção de ensino de filosofia como produção de filosofia e no qual a aula de filosofia se converte em lugar de estudo, mas, sobretudo, de produção filosófica.

Acerca da vocação formativa da filosofia, o texto destaca:

“A filosofia é formadora no sentido do desenvolvimento do homem como ser que busca compreensão,

ser que questiona e cria saídas. Se assim é, não pode reduzir-se a servir um plano determinado de homem, não é formativa no sentido de conformar o ser em um modelo acabado. Sua formação é processo. (...) A vocação formativa da filosofia faz com que ela possa contribuir para a formação de subjetividades que sejam metassubjetividades, pois têm consciências de si mesmas que podem estar sempre em processo de transcendência de si mesmas, de criação de si e do mundo”.

Em A5, é muito importante educar o aluno para que seja ele mesmo e não a reprodução de um modelo preestabelecido ou pré-determinado. É isso o que significa formar a subjetividade e a filosofia pode contribuir nesse processo. O filosofar, enquanto ato de criação de si e do mundo, é um convite àquilo que no texto se apresenta como “transcendência” de si, a partir da autoconsciência (metassubjetividade). O reconhecimento e a superação de modelos pré-determinados corresponde a esse processo de formação/criação filosófica contínua de si e do mundo.

Ainda em A5 é muito importante que o ensino de filosofia se baseie em uma “filosofia

viva” (p. 309), isto é, a partir dos problemas humanos dos alunos, uma vez que “a filosofia

surge como tentativa de elaboração de saídas para problemas concretos, por meio da criação

de seus conceitos” (p. 310, grifo nosso). A filosofia só será formativa quando for significativa.

Em outras palavras, quando disser respeito ao próprio sujeito é a sua vida e seus problemas. A criação conceitual de saídas só é possível a partir dos problemas elaborados pelos próprios estudantes de filosofia. No entanto, para que as aulas de filosofia sejam lugar da experiência e da produção filosóficas a presença do professor é fundamental, pois é ele quem ensina como se faz filosofia e como filosofar. Em A5, aprende-se filosofia “fazendo e tendo um modelo de

como se faz” (p.310). O professor deve ser esse modelo.

Para que o professor de filosofia seja modelo é preciso que ele seja filósofo, ou seja, aquilo que o professor ensina precisa ser vivenciado por ele, para que haja coerência entre o que ele fala e faz. O documento faz uma metáfora e afirma que se ensina a filosofar de modo semelhante a ensinar alguém a andar de bicicleta.

“Um ensina filosofia tanto quanto pode ensinar a andar de bicicleta. Mostra como, dá apoio, segura

para não cair, ativa os ânimos, chama a atenção para a técnica da coisa, incentiva a busca do próprio jeito de fazer. (...) E tal professor não deve ser, ele mesmo, ciclista ou filósofo, pois, senão, do que estará falando?”

Portanto, o professor-filósofo também participa da atividade filosófica, produzindo, também ele, sua própria filosofia. As dificuldades e conquistas do seu filosofar são também experimentados por seus alunos, à medida que acompanham e também participam desse processo. Trata-se de um “filosofar-com”.

Também sobre essa relação professor-filósofo-modelo, afirma A5 que por sua incompletude e processo criativo, não há manuais para o filosofar, tampouco para as aulas de filosofia. Isso torna o professor um “artesão”. Não há algo pronto ou acabado em que se segurar. Depreende-se disso nas aulas de filosofia – enquanto lugar da experiência e produção filosófica – “a cada dia surge o novo, pois são espaços de criação”. Qual o papel do professor nesse contexto?

Nesse contexto, o professor é um provocador, alguém que provoca o surgimento do pensamento original e que orienta para a investigação filosófica. Para que isso seja possível, o documento fala da necessidade de um ensino filosófico de filosofia que abdique do poder compreendido como controle da formação. Em outras palavras, o professor de filosofia deve ser capaz de suscitar o pensamento, o filosofar, a partir dos problemas elaborados pelos alunos e guiá-los aquilo que o texto chama de “checagem do que se chamou de meu e de eu até então, provoca-se a imaginação do que poderia ser e do que não está”. Em outra passagem: “o professor de filosofia aposta no que virá, mesmo que este seja desobediente a sua ordem das coisas, mesmo que este seja contrário e até incompreensível, tão outro que seja esquivo à posse e à comunhão. O outro, autônomo, cria seu mundo e a si e o professor

aposta”. Em A5, a aula de filosofia e o professor, na perspectiva do filosofar enquanto

experiência e produção filosófica, também devem estar inseridos no processo de criação filosófica, para que esse ensino, de fato, se configure como uma experiência do filosofar.