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4.2 ANÁLISE TEXTUAL E TEMÁTICA

4.2.2 Análise das dissertações

4.2.2.1 Documento D4

Das dissertações, o primeiro documento analisado foi o D4: O ensino de filosofia: uma prática na escola de aplicação da FE-USP (2011). Os objetivos desse texto são propor uma análise da prática de ensino de filosofia da autoria, que por 10 anos e meio atuou como docente de filosofia, no Ensino Médio da Escola de Aplicação (EA) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo; produzir a análise de uma experiência com a filosofia no Ensino Médio, de modo a oferecer contribuições à sua prática; apresentar alguns dos obstáculos geralmente enfrentados pelo professor iniciante, quando se depara com demandas programáticas nem sempre condizentes com o conteúdo específico de filosofia e com alunos que, muitas vezes, não apresentam os pré-requisitos mínimos para que um trabalho filosófico possa ser iniciado; e, por fim, buscar repostas quanto ao caráter da disciplina, os limites e possibilidades de ações pedagógicas que atendam a objetivos mínimos de formação do aluno.

No documento, elegemos uma unidade de leitura, voltada para o lugar da Filosofia na Educação (p. 11-43, 120-122) e onde são abordados temas como a questão da Pós- modernidade e da Modernidade na educação, a formação dos professores de filosofia e a filosofia como prática do filosofar.

Em D4 explicitam-se as relações entre Pós-modernidade, Modernidade e educação, começando por uma reflexão acerca da Pós-modernidade como um processo de reação frente a uma forte crise de referenciais promovida pela Modernidade, que teria instaurado a

fragmentação e a perda, especialmente a perda da autoridade ou de referenciais de autoridade social como a Igreja, o Estado, a Escola etc. Ao se referir ao moderno, está posto em D4 que:

“A marca do moderno seria, então, a mudança, esse impulso para exceder em um estado que não é o

seu que se realiza enquanto crítica do passado e transformação. O moderno seria propriamente engendrado pela inquietação, pela atividade de criação e invenção e, enquanto tal, gerador de outros mundos possíveis: o moderno como um olhar que abre para o mundo para permanecer em aberto, em um estado que não é o seu”.

Uma das possibilidades que D4 reflete é compreender a Pós-modernidade como um movimento oposto ao da Modernidade, ou seja, como superação da fragmentação e busca de referenciais. No documento, a crise da Modernidade pode ser compreendida como o fracasso do projeto iluminista de sociedade. Arendt (2003) é citada para destacar a Modernidade como tempo de perda do senso de profundidade das coisas e de como esse tudo isso afeta a

educação e como esta deve reagir frente a essa “desconstrução moderna” (termo nosso).

Frente à crise da Modernidade e o enfraquecimento da noção de autoridade, “a Educação, necessariamente, tem que encontrar, ou inventar, formas de operar na ausência de uma referência unívoca de organização social, ainda que isso seja feito de forma localizada, por um professor, encerrado com seus alunos em sua sala de aula”.

No entanto, o documento também apresenta outra perspectiva da relação entre o moderno e pós-moderno, na qual ambos não são concebidos desde uma relação de oposição, mas de superação. A partir de Lyotard (2009), em D4 apresenta-se o moderno movido pela mudança e pela crítica ao instituído e do pós-moderno como uma espécie de crítica do moderno sobre si mesmo. Na verdade, a Pós-modernidade representaria a consciência da Modernidade de si mesma e que, historicamente, apenas a Antiguidade exerceu uma verdadeira oposição frente à Modernidade.

Acerca da formação do professor de filosofia, em D4 se apresenta a reflexão de que, historicamente, os cursos de filosofia no Brasil privilegiam a formação do pesquisar/bacharel. Isso repercute diretamente sobre o ensino de filosofia, uma vez que:

(...) “na maioria dos cursos, os alunos ingressam pelo bacharelado e tem uma formação toda voltada

para a pesquisa. Como o contingente de bacharéis não é absorvido pelos cursos de nível superior, muitos deles vão completar a formação na Faculdade de Educação: buscam a formação pedagógica como alternativa para o ingresso no mercado de trabalho. Poucos escolhem a licenciatura em razão de um interesse genuíno pela docência no ensino básico” (grifo nosso).

Mesmo com um número expressivo de egressos tendo de migrar para a educação por não encontrarem colocação dentro da academia, até hoje os cursos de bacharelado em filosofia continuam a ter mais força na universidade. Em D4, “não se pode supor que a formação dos bacharéis dispensa a didática (ainda que adequada ao nível superior) e que pela formação pedagógica se daria a formação do professor universitário” (p. 31). Em D4 defende- se a formação pedagógica como de extrema importância, inclusive para a docência em nível superior e afirma-se que embora exista uma diferença entre o ensino de filosofia na universidade e no Ensino Médio, essa diferença ou especificidade não autoriza o desconhecimento pedagógico por parte da docência de nível superior.

Pensar o ensino de filosofia sob o prisma da formação do professor de filosofia não é uma discussão que só interessa à própria filosofia. Em D4, pensar a capacitação do professor da educação básica é um problema que se reconhece, pelo menos, desde 1930, quando foi criado o Ministério da Educação e da Saúde Pública. Universidades como a USP (Universidade do Estado de São Paulo) foram criadas para também subsidiar o desenvolvimento da escola no país; no entanto, como critica o documento, a educação ainda está longe de atingir suas metas e os motivos não são apenas aqueles costumeiramente enumerados: decisões de governo/Estado, falta de políticas públicas etc. Há também questões de caráter acadêmico como essa que foi citada e que diz respeito à falta de formação pedagógica por parte dos futuros profissionais da filosofia.

Outro tópico que abordamos nesse documento diz respeito ao ato de filosofar. ainda em D4, afirma-se a especificidade da filosofia corresponde à prática do interrogar. De maneira simples, a prática filosófica consiste em fazer perguntas, em discernir. O exercício do interrogar prepara o aluno para a filosofia e “tomar a interrogação como norteador de uma prática de ensino teria o efeito de chamar a atenção para o caráter do que pode ocorrer no ensino de filosofia no Ensino Médio, que tipo de formação a filosofia pode oportunizar” (p.36). Nesse sentido, a aula de filosofia deve propiciar o questionamento, fazer o aluno a

levar e/ou criar perguntas. Perguntas que são suscitadas pelos alunos, sob a supervisão do professor, a partir da leitura de textos. A leitura de textos no ensino de filosofia consiste em:

(...) “adentrar o texto, extraindo dele os significados ali presentes, que estão submersos, procurando

identificar o edifício construído e a lógica de sua arquitetura. (...) A percepção dessa relação permite a compreensão de que as palavras, enquanto conceitos criam uma perspectiva sobre um dado problema, e que em uma mudança de perspectiva ocorre uma mudança de sentido e, portanto, de significado. Assim, podemos supor que pelo exercício de leitura filosófica o leitor poderia chegar à compreensão da indissociabilidade entre pensamento e palavra”.

O trabalho do professor seria ensinar o aluno a operar coordenadas, a estabelecer referenciais, a orientar-se, a navegar nas múltiplas perspectivas construídas ao longo da história e que atuam na realidade, ou constituem-na; capacitar o aluno para a compreensão de múltiplos universos de significação, à leitura de planos que se sobrepõem e coexistem. D4 apresenta a filosofia como uma “atividade de decifração” e que, portanto, “não há outro modo de compreendê-la senão enquanto exercício de linguagem que articula fabricação de conceitos, argumentação, sistematicidade e significação”.