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2.1 O ENSINO DE FILOSOFIA COMO EXPERIÊNCIA CRÍTICO-CRIATIVA

2.1.3 Conexões rizomáticas e ensino de filosofia

Como dissemos no início do capítulo, para refletir sobre o ensino de filosofia, partindo de referenciais teóricos tão distintos entre si como os que adotamos na tese, foi necessário adotar uma compreensão que permitisse estabelecer conexões ou aproximações rizomáticas entre os pensamentos de Vaz, Vázquez, Deleuze, Guattarri e Gallo. Foi a partir dessa imagem do rizoma – como uma rede viva de alianças, conjunções, multiplicidade e deslocamentos – que pudemos operar com as teorias de Vaz e Vázquez, desde uma perspectiva ética e com Deleuze, Guattarri e Gallo, desde uma perspectiva pedagógica.

Como o próprio texto demonstrou, não nos empenhamos em refletir e explicitar o caráter metafísico ou ontológico presente em todo pensamento vaziano, em relação, por exemplo, à fundamentação materialista histórico dialética da reflexões de Vázquez. Tampouco, objetivamos aprofundar a herança hegeliana presente na obra desses dois filósofos, o que os tornariam mais próximos um do outro do que talvez se possa imaginar. O que fizemos, ao longo de toda reflexão, foi explicitar como cada um dos teóricos, a despeito de suas distâncias e aproximações, contribui (rizomaticamente) para pensarmos o ensino e

aprendizagem da filosofia como exercício do filosófico ou da prática pessoal da atividade filosófica. Uma atividade, cuja principal característica é criar, produzir, inventar novos saberes e novas práticas (filosóficas), que se configura como uma experiência crítico-criativa do pensamento e da ação filosóficos. A partir disso podemos dizer que: 1) Não há ensino e aprendizagem de filosofia sem experiência do filosofar. 2) A experiência filosófica se caracteriza como um exercício da inteligência que opera através do exercício da crítica ou do pensamento crítico, juntamente com a capacidade criativa da inteligência de criar e recriar sua própria compreensão acerca da realidade. 3) O exercício crítico-criativo da inteligência torna possível que o sujeito crie não apenas novas compreensões acerca da realidade em que se insere ou conhece, mas também possibilita novas compreensões acerca de si mesmo e, 4) à medida que a compreensão que o sujeito tem de si muda, é ele quem muda. 5) Essa mudança

“interior” não fica circunscrita ao âmbito conceitual, pois afeta os próprios valores, decisões e

ações do sujeito-filósofo.

A experiência do filosofar repercute no campo da praxis e afeta, portanto, as esferas do ético-moral (plano individual) e do político (plano coletivo). O ensino de filosofia, a partir dessa perspectiva, permite-nos pensar no filosofar como um exercício crítico-criativo da própria maneira de pensar, ser e agir. Essa concepção de ensino de filosofia só é possível quando se admite a existência de uma estreita correlação entre o aprendizado da filosofia e o exercício do filosofar, concebidas como faces de uma mesma realidade, na qual o ato de aprender filosofia e o ato de filosofar constituem uma única e idêntica experiência. Acreditamos que as referências teóricas aqui apresentadas e com as quais operamos nesse trabalho, corroboram com essa concepção da filosofia e de seu ensino que defendemos, como demonstra, por exemplo, o trecho a seguir:

A filosofia tem uma ação criadora (de conceitos) e não é uma mer a passividade frente ao mundo. [...] a criação de conceitos é, necessariamente uma intervenção no mundo, ela é a própria criação de um mundo. Assim, criar conceitos é uma forma de transformar o mundo; os conceitos são as ferramentas que permitem ao filósofo criar um mundo à sua maneira. Por outro lado, os conceitos podem ainda ser armas para a ação de outros, filósofos ou não, que dispõem deles para fazer a crítica de mundo, para instaurar outros mundos. (GALLO, 2008, p. 34-35, grifo nosso).

Mesmo a ética racionalista ideonômica vaziana reconhece a dinamicidade da atividade criadora da filosofia, quando, através do “conflito ético”, a praxis promove mudanças históricas na cultura, “lar” de todo ser humano, lugar de manifestação de si mesmo, enquanto indivíduo e enquanto ser social. A mudança no interior da cultura é reflexo de novas pra xis,

criadas por indivíduos que pensam e recriam o ethos a partir de si mesmos, movidos por um

ideal, teleologicamente concebido e sob a “tutela” de uma razão comprometida com a prática.

Como Deleuze e Guattari, Vázquez reconhece que a transformação resulta de uma necessidade, de uma experiência, não de uma ideia inata ou pré-concebida, tal qual, por exemplo, a ideia de Bem com que Platão inspirou a Aristóteles. A necessidade de mudança é em Vázquez uma experiência de não aceitação, de inconformidade. Em Deleuze e Guattari, transformar é criar e a criação resulta de algo vivido desde a sensibilidade, experimentado antes de ser calculado pela inteligência; que tomou a forma de um problema e que provoca e instiga o pensamento a criar, a agir.

Não há uma filosofia pronta e nunca houve para esses pensadores. O “antigo”, o

“moderno” e o “contemporâneo” são designações que desaparecem quando se verifica que,

em todos eles, a filosofia consiste em uma atividade que envolve muito mais que apenas uma reflexão intelectualista. Segundo nossas fontes teóricas a filosofia tem sua própria prática e repercute na praxis; a filosofia está mergulhada na história e nela respira ou como gostamos de pensar, a filosofia é sempre uma atividade “encarnada”, “lambuzada” na realidade de cada sujeito que ousou filosofar. Para os filósofos aqui analisados, teoria e prática são apenas classificações circunstanciais, uma vez que afirmam a intrínseca relação entre ambas. Divergem quanto à dialética; quanto ao seu idealismo ou materialismo; quanto a sua unicidade ou multiplicidade. Todavia, nos permitem pensar que a filosofia é uma conquista, um esforço, um exercício e nesse sentido uma verdadeira experiência.

Nossos referenciais não nos permitem pensar em um ensino de filosofia diferente da

“maneira de ser” da própria filosofia. A mudança do pensamento e da prática pedagógica

exige a experiência da não aceitação, do inconformismo pedagógico (e filosófico), vivenciado como um problema que afeta e incomoda, obrigando o pensamento a agir, a criar. Exige a passagem de uma prática educacional espontânea – “esquecida”, alheia a si mesma,

“alienada” para citar Marx, “opiniosa” lembrando Deleuze e Guattari – e a superação de um

praxis escolar reiterativa, reproducionista – que imbeciliza porque castra o pensamento, como quem impede algo de se desenvolver – através de uma praxis pedagógica reflexiva, que nada mais é recortar o caos, traçar um plano de imanência e criar,

[...] reagindo sobre as opiniões, sobre os fluxos ordinários de ideias, criando

“pregnâncias” inéditas, novas singularidades ou um novo sistema de pontos

singulares, propondo uma redistribuição inesperada dos dados, uma reclassificação insólita e todavia “iluminadora” das coisas e dos seres, aproximando coisas que se supunha afastadas, afastando outras que se

supunha próximas. Só a filosofia detém esta capacidade, esta força selvagem do conceito[...]. (DIAS, 1995, p.32 apud GALLO, 2008, p. 43).

Há muito se tem afirmado que a aula e/ou a disciplina de filosofia podem e devem ser consideradas como um espaço privilegiado para o ensino-aprendizagem dessa disciplina, enquanto prática do exercício filosófico ou experiência do filosofar; que nos processos de ensino-aprendizagem da filosofia, não deveria haver dicotomia entre aprender e fazer o autêntico exercício de pensar filosoficamente. Na história da filosofia, temos, por exemplo, as opiniões de Kant e Hegel sobre o assunto. O que é novo é a maneira como a filosofia e o filosofar são concebidos em tempos e lugares diferentes, permitindo pensar a relação entre ensino-aprendizagem de filosofia e experiência do filosofar sempre a partir de diferentes contornos e desdobramentos, leituras e significados.

Mesmo os textos que tratam sobre o ensino de filosofia em nosso país – os documentos MEC ou os textos especializados nesse assunto – criticam um ensino de filosofia baseado na

transmissão de determinados saberes ou conteúdos de natureza “filosófica” e, ainda que, em

algum momento na sala de aula ou no curso de filosofia, o professor utilize de procedimentos didáticos que se acham ancorados na instrução ou na transmissão de saberes, o principal objetivo é proporcionar aos estudantes de filosofia um espaço para que possam vivenciar determinadas competências e habilidades próprias da filosofia e do filosofar. Parece haver uma intenção nesses textos, mesmo que implicitamente, de provocar uma akmé, um

“despertar filosófico”, nos estudantes. Contudo, a experiência com o trabalho docente como

professor, mas também com a formação de professores, nos mostra que a simples afirmação de que o ensino de filosofia deve se constituir como uma experiência filosófica costuma ser insuficiente para superar um tipo de ensino há muito enraizado na educação brasileira e classificada pela crítica como uma “educação bancária” (FREIRE, 2009, passim.), por seu caráter narrativo, depositante de conteúdos petrificados e por sua natureza opressora por reduzir o ser humano a um autômato.

3 A FILOSOFIA E SEU ENSINO NOS DOCUMENTOS OFICIAIS

No capítulo anterior apresentamos e explicitamos a principal tese de todo o trabalho, acerca do ensino de filosofia, enquanto experiência crítico-criativa do filosofar. Demonstramos como essa concepção foi sendo desenvolvida e como ela se fundamenta, a partir dos referenciais teóricos adotados para a construção de uma proposta teórica para o ensino de filosofia. Ao longo do capítulo, mostramos que a fundamentação teórica se desenvolveu a partir de dois vieses: um ético e outro pedagógico. Na perspectiva ética, inicialmente partimos dos escritos de filosofia de Henrique Cláudio de Lima Vaz, refletindo sobre a filosofia e a experiência crítico-criativa do filosofar. O ethos como morada humana é perpassado por uma dinamicidade interna capaz de promover sua própria transformação e de criar novas formas históricas de vida ética. Para Vaz, o ethos ou da vida ética move-se no terreno de uma dialética fundamental, que consiste de um processo de continuidade e de descontinuidade que afeta toda vida ética e no qual a tradição, o costume e o hábito – que representam a permanência, a continuidade do ethos – são objeto de revisão, de crítica e de superação, através de um momento estrutural do próprio dinamismo histórico do ethos,

denominado como “conflito ético” (VAZ, 1993, p. 31). Para o filósofo, tal conflito resulta do advento de uma nova forma de pensar, de uma nova “versão” da razão prática agindo

diretamente sobre nossa praxis. É, justamente esse movimento criador de uma nova pra xis que nos elevou, em um segundo momento, também sob um viés ético, a refletirmos acerca da filosofia como experiência de criação, partindo da relação entre o filosofar e a pra xis criadora, conforme pensou Adolfo Sánchez Vázquez, em sua filosofia da praxis.

Na perspectiva pedagógica, a filosofia, o filosofar e o ensino de filosofia como experiência do filosofar, foram refletidos a partir da filosofia como criação de conceitos, conforme preconizam Gilles Deleuze e Félix Guattari. Como desenvolvemos anteriormente, nossa reflexão acerca das contribuições da filosofia deleuzo-guattariana para o estudo da temática, foi mediada pelo pensamento do professor Sílvio Gallo, atualmente, um dos principais pesquisadores dessa temática em nosso país.

Nesse e no próximo capítulo, desenvolvemos toda pesquisa empírica do trabalho. O presente capítulo é dedicado ao levantamento e análise da(s) concepção(ões) oficial(is) sobre a filosofia, seu ensino e a prática filosófica, conforme está prevista nos documentos que norteiam o ensino de filosofia em nosso país.

Todavia, antes de nos atermos à pesquisa dos textos oficiais, é importante tecer algumas considerações, ainda que breves, sobre as relações históricas entre educação, escola, filosofia

e poder que se desenvolveram em nosso país, especialmente, a partir do séc. XX, quando

surge o que podemos chamar de “pensamento pedagógico brasileiro” (GADOTTI, 2002, p.

230). Autores como Alves (2002) e Lorieri (2002) afirmam que os rumos da educação brasileira sempre foram definidos visando atender a um conjunto de exigências pré- estabelecidas por forças de ordem política, econômica, ideológica internas, mas, sobretudo, externas. Trata-se de estar em sintonia e estabelecer compromisso com uma série de órgãos e instituições, responsáveis por “gerir” a educação em nível global. Paralelamente, trata-se, também, de dar continuidade a um conjunto de processos históricos, ora como resistências a determinados modelos de educação, ora como adequação a esses mesmos modelos, operando sua atualização. Todos esses processos são geridos por uma legislação educacional, isto é, a história da educação no Brasil também a história dos seus documentos oficiais (tratados, decretos, leis, resoluções, reformas, parâmetros, orientações etc.).

Há por trás de toda legislação um conjunto de interesses políticos, econômicos e ideológicos que devem ser atendidos. Desde a Proclamação da República, em 1889 , o país já passou por 14 reformas educacionais. Analisando a organização e as transformações na educação brasileira sob a ótica da manipulação, Alves (2002) vai afirmar que por trás de todas as mudanças na educação sempre existiu uma série de interesses de ordem econômica e política, que desde o período colonial tem direcionado os rumos do nosso sistema educacional.

O ensino escolar no Brasil sempre teve a sua estrutura e o seu papel condicionados ao modelo econômico e político vigente em cada momento da história nacional; consequentemente, a cada redirecionamento político e econômico havia uma nova reestruturação escolar, para adaptá-los aos

interesses dos “novos senhores” do poder. (ALVES, 2002, p. 35).

A história recente da educação em nosso país parece endossar essa afirmação de Alves. Desde 1961, ano da primeira LDB, o país passou por três grandes reformas em sua política educacional. São 51 anos de uma educação submetida a pressões político-ideológicas motivadas por estratégias de Governo, voltadas à manutenção e ampliação de interesses, especialmente, econômicos.

Em todas essas reformas o destino do ensino de filosofia foi alvo de intensas discussões e debates. Em 1961, a primeira LDB (Lei N. 4024) reduziu a carga horária semanal das aulas de filosofia, que passou a ocupar o grupo das disciplinas consideradas como complementares, deixando, portanto, de obrigatória como português, matemática,

geografia, história, ciências e educação física. Em 1964, por meio de um golpe de Estado, os militares tomaram o poder sobre a nação e:

Ao assumir a direção do processo político nacional a partir de abril de 1964, o governo militar alterou os rumos da política brasileira procurando atender aos interesses da classe que representava, inaugurando uma nova fase da história do Brasil, que se notabilizou pela defesa intransigente do modelo dependente de desenvolvimento econômico, feito sob a égide do autoritarismo. (ALVES 2002, p. 35-36, grifo do autor).

Os anos da ditadura militar foram os piores para o ensino da filosofia, que por não atender às solicitações tecnoburocráticas e político-ideológicas, foi definitivamente retirada do currículo escolar oficial em 1971, pela segunda LDB (Lei N. 5692/71). Essa reforma priorizava um ensino secundário essencialmente voltado para a formação técnica e profissional. Autores como Cartolano (1985), Romanelli (1998), Alves (2002), Rodrigo (2009) são unânimes em afirmar que, naquele período, a educação brasileira privilegiava a formação de mão-de-obra habilitada e eficiente, capaz de atender as demandas de uma produção industrial que crescia a uma taxa de 30% ao ano, financiada principalmente por altíssimos investimentos da indústria automobilística, que injetava capital estrangeiro no país e que queria ter certeza de lucro financeiro. A manutenção daquilo que ficou conhecido como

“milagre brasileiro1” dependia disso.

Contudo, os custos da modernização e o tal “milagre” da época, para a sociedade brasileira, resultaram em prejuízos e problemas como: a dependência internacional; acúmulo de capital e concentração de renda com aumento vertiginoso da desigualdade; o abandono de programas sociais pelo Estado, a exemplo da saúde, habitação etc. (FAUSTO, 2012).

Para a educação foi um período controverso. Durante o regime militar a educação se expandiu, visando garantir a consolidação de um modelo de sociedade urbano-industrial, submetido a interesses de determinados segmentos políticos e econômicos2. Até 1996, a Lei 5692/71 ainda influenciava os rumos da educação no país. Naquele período, todas as

1 O período do chamado “milagre” estendeu-se de 1969 a 1973 e combinava o extraordinário crescimento econômico com taxas relativamente baixas de inflação. Um indicativo desse crescimento foi o tamanho do PIB que, em 1973, atingiu aproximadamente 11,2%. Nos últimos 11 anos o PIB brasileiro não ultrapassou o índice de 7,5%.

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No período em que a filosofia esteve retirada do currículo escolar (1971 a 1996), a escola passou por mudanças importantes. Uma delas foi a massificação do Ensino Médio com o aumento do número de matrículas nesse nível da Educação Básica. Na segunda metade da década de 90 esse processo atingiu o seu auge, quando houve uma expansão de 52% no número de matrículas para o Ensino Médio no país (BRASIL, 2007). Todavia, verificou-se que o crescimento do número de matrículas não correspondeu a um aumento na qualidade na nossa educação. Pelo contrário, “essa expansão quantitativa foi acompanhada de um rebaixamento na qualidade de ensino, talvez sem precedentes na história educacional do país” (RODRIGO, 2009, p. 9). É público que o descompasso entre quantidade e qualidade na educação é uma distorção difícil de resolver ainda hoje.

disciplinas escolares estavam submetidas a um projeto de educação pautado pela supervalorização das áreas tecnológicas, o desinteresse pelas áreas humanas e sociais, sob predomínio ideológico de objetivos de caráter tecnicistas. Para todas as disciplinas ligadas à área de humanas foi uma época de perseguição e de prejuízos. Para a filosofia, foi um tempo de total atraso. Apenas em 1996, com a promulgação da nova LDB3 (Lei N. 9394), a filosofia voltou a ser citada no projeto político educacional brasileiro. Mas, não foi um retorno triunfante. Foram necessários outros 12 anos para que a filosofia tivesse sua obrigatoriedade exigida por lei, em 2008 (Lei N. 11864).

As reformas estabelecidas pela nova LDB foram articuladas ao longo de mais de uma década de discursos, pressões, brigas de interesses, jogos políticos e mandatos. Formalmente, elas começaram a ser debatidas antes da instalação da Assembleia Constituinte de 1987, responsável pela promulgação da Constituição Federal em 1988. Tais reformas foram gestadas no interior da comunidade educacional, com ampla participação de organizações populares e o apoio do Poder Legislativo, mas, com pouco interesse do Executivo (ALVES, 2002).

O projeto original da LDB tramitava na Câmara desde 1988 e, em um primeiro momento, encontrou um ambiente favorável para a sua aprovação. Contudo, a situação mudou após as eleições de 1989 e 1990, e uma ala mais conservadora passou a deter o controle político. Com interesses ligados a setores privados da educação, propunha-se uma LDB menos progressista e mais favorável aos grupos privados. Após quatro anos de idas e vindas aos corredores plenárias do Legislativo, no dia 20 de dezembro de 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação foi aprovada, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso, cujo governo representava uma coligação (PSDB-PFL-PTB) de centro-direita, favorável a um quadro político mais conservador, voltado para os setores privados da educação e a serviço de interesses econômicos, marcadamente neoliberais, disposto a participar de modo efetivo no poder, a partir do Executivo.

A nova Lei garantiu que o programa educacional brasileiro estivesse alinhado ao tipo de

país que o ideário neoliberal desejava, caracterizado por uma política de “Estado-mínimo” e

submetido à régia lei do Mercado Internacional, sob a fiscalização de instituições reguladoras como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial ou Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e a Organização Mundial de Comércio (OMC). A

3A expressão “nova LDB” é comumente usada para se referir à Lei N. 9394/96. No entanto, vale lembrar que, em abril de 2013, a Presidência da Republica sancionou a Lei N. 12976, alterando a LDB de 1996. Essa nova lei é tratada em nossa pesquisa como a “LDB atualizada”, uma vez que esta faz alterações pontuais na lei de diretrizes e bases da educação nacional, a fim de atualizá-la para o momento atual.

LDB de 1996 e o Sistema Educacional tiveram de se ajustar a esse modelo, servindo como instrumentos de expansão e consolidação dos interesses de Estado. Em todos os níveis de ensino foram implantados metas e programas que pudessem atender aos objetivos da política nacional de educação.

Com o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2000), o MEC apresentou um novo perfil para um Ensino Médio, “contextualizado”,

“significativo”, “interdisciplinar”, voltado para o raciocínio e para a aprendizagem. Um

Ensino Médio a serviço de um Estado democrático, no qual a escola possibilite aos estudantes integrarem-se a um mundo contemporâneo de produção de novas tecnologias, bens, serviços e conhecimentos, “nas dimensões fundamentais da cidadania e do trabalho” (BRASIL, 2000, p. 4). O documento afirma que o Ensino Médio deve: