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4.2 ANÁLISE TEXTUAL E TEMÁTICA

4.2.3 Análise das teses

4.2.3.1 Documento T3

A primeira tese analisada foi a T3, cujo título é O ensino de filosofia na escola fundamental: o projeto de educação para o pensar de Santa Catarina (1989-2003); a proposta, a crítica, contradições e perspectiva s (2004). Segundo o resumo da tese, os objetivos da pesquisa empreendida por T3 foram, em primeiro lugar, refletir sobre as condições históricas, as situações práticas, os determinantes legais e institucionais do ensino de filosofia no Brasil, a partir do Programa de Filosofia para Crianças de Lipman13; resgatar a história e os avanços do Programa no Brasil em Santa Catarina; e, por fim, investigar a possibilidade viável de uma educação reflexiva emancipatória.

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Matthew Lipman (1939-2010) foi um filósofo norte-americano, considerado uma das maiores referências acerca da filosofia para crianças, especialmente por seu trabalho pioneiro com Programa de Filosofia na escola (BROCANELLI, 2010).

T3 apresenta uma pesquisa histórica do Programa de Filosofia para Crianças, após estudar a experiência educacional com o esse programa no Centro Catarinense de Filosofia no 1º grau. Ao final, apresenta propostas, ampliações, adaptações, criações e caminhos em uma perspectiva de uma educação filosófica e emancipatória. Para nossa análise de T3 escolhemos

cinco unidades de leitura: “a filosofia e o ensino de filosofia”; “a filosofia e a educação; “a

filosofia presente na vida”; “filosofia com crianças, adolescentes e jovens”; “a filosofia e a potencialidade reflexiva, subjetiva e humanizadora da abordagem didática da filosofia na escola”.

Na primeira unidade, T3 inicia uma reflexão acerca da relação entre a nova LDB e o

projeto econômico neoliberal internacional e a situação “transversal” que a filosofia ocupa

nessa lei que, ao invés de representar um avanço real para o ensino de filosofia, na verdade reforça a tese de que, no Brasil, o ensino de filosofia além de incerto é pouco refletido. Em T3 demostra-se que mesmo durante o período em que a atual LDB foi gestada, mesma época em que muitos lutavam pelo retorno da filosofia à sala de aula de nossas escolas, pouco se refletiu sobre o ensino filosófico e seus desdobramentos.

“Na década de 80, pouco se refletiu sobre a exaltação à Filosofia e seu retorno ao “segundo grau”, bem

como pouco se buscou uma conceituação filosófica sobre o ensino de Filosofia (...) em um desencontro entre teoria e prática, em uma reflexão filosófica pequena, nas universidades, sobre o ensino da Filosofia e pouquíssimos profissionais preparados para uma discussão e valorização do

ensino e de uma “pedagogia da Filosofia”, como uma discussão genuinamente filosófica”.

Em T3, historicamente a filosofia é uma atividade educativa e o descuido para com o tema da educação no meio filosófico universitário é uma prática que precisa ser superada. Trata-se de uma afirmação que se coloca em sintonia com outros documentos já apresentados. De fato, em nossa experiência como professor universitário, é normal encontra-se pouca reflexão acerca de uma pedagogia da e/ou para a filosofia. Na verdade, em outras áreas algo semelhante a isso também acontece, quando se verifica um número reduzido de professores preocupados ou interessados em questões que se referem ao ensino, mesmo em suas disciplinas. Em T3,

A Filosofia, em toda a sua história, tem se mostrado uma atividade humana que, em sua essência, é educativa. Sócrates, com sua maiêutica, é o filósofo-educador. Platão com sua metáfora do mito da caverna, sai das sombras (opinião) e vai à luz da razão, depois volta e convence os seus. Essa metáfora platônica do filósofo pode ser um modelo do filósofo-educador” (grifo nosso).

Neste documento a dimensão educativa da filosofia consiste em sua capacidade de formar o ser humano, através do desenvolvimento de uma característica essencial do ser humano: a reflexão. Em T3 a reflexão não apenas nos caracteriza, mas define o que é a atividade filosófica.

Por sermos, em essência, reflexivos, a atividade filosófica é nossa condição humana e, sendo assim, o ensino da Filosofia é condição básica, é um fazer pedagógico constante para a formação de homens situados na história e na sociedade, porque a existência humana a que aspiramos passa pela valorização do indivíduo que tem suas mediações históricas pela transformação da natureza (trabalho), pela participação social (grupo comunitário) e pelo desenvolvimento cultural (criatividade), lutando para que o trabalho não seja degradante, a comunicação não seja opressiva e a criatividade não seja

alienação e massificação” (grifo nosso).

Nessa passagem do documento, identifica-se a atividade filosófica com a reflexão e argumenta-se acerca da importância do ensino de filosofia, afirmando que este é capaz de levar o ser humano a se desenvolver porque, sendo reflexão, a atividade filosófica desenvolve algo que é essencial para nós. Toda a existência humana, segundo o autor, depende do desenvolvimento dessa condição básica: a reflexão.

Tendo afirmado ser a essência da filosofia e do filosofar a reflexão, o autor explica que essa reflexão consiste em saber “pensar por si, a partir de uma visão crítica, criativa e criteriosa” (p. 43), oposto a pensar (e agir) de uma forma ingênua, mecânica e dogmática. Para que essa forma de pensar se desenvolva é fundamental o ensino da filosofia.

“É preciso um ensino da Filosofia que priorize uma formação filosófica consistente, isto é, a Filosofia

como postura, atitude do espírito humano diante da existência histórica, social e cultural, em todos os segmentos escolares, para o desenvolvimento de indivíduos emancipados. Afinal, é pelo conhecimento e pela reflexão, que o homem pode sonhar e arrumar os caminhos de sua libertação e (continua...)

(continuação) dessa forma, intervir nas mediações históricas e reais, a fim de conseguir o respeito e a

dignidade. Por isso, mais do que qualquer outra necessidade, esse conhecimento tem de ser competente, criativo, crítico, um conhecimento alinhavado dentro de uma reflexão filosófica. (...) Querer um ensino filosófico é buscar uma reflexão que atinja toda a comunidade humana, isto é, todos

pensando o porquê da existência”.

A partir dessa tese, o documento estabelece uma série de premissas acerca do ensino de filosofia:

“Deve-se aprender a pensar, pela Filosofia, que se traduz em uma crítica constante à cultura dominante, suas manifestações diárias, que levam a um pragmatismo reducionista da vida [...] uma educação filosófica com crianças, adolescentes e jovens é, acima de tudo, buscar um novo posicionamento diante da realidade social, ou seja, sair do senso comum e ir para a consciência crítica (...) é da sua essência e do seu fazer alcançar tais finalidades, quando é ensinada e vivenciada na vida escolar, com as demais disciplinas. (...)

Filosofar na estrutura escolar com as crianças, os adolescentes e jovens é capacitá-los para debater, confrontar ideias, prepara-los para a dúvida, para o não conformismo diante dos fatos, portanto, para a negação; é buscar uma participação no processo de criação do indivíduo, de uma nova relação entre as pessoas, das instituições e os seus porquês. Buscar um ensino filosófico, condizente com a idade do aluno, dentro das experiências, aberto à dúvida, à angústia, ao novo, é querer uma Filosofia viva. Um ensino filosófico que questione as certezas, o instituído, que capacite para a reflexão e para as mais diversas leituras e posicionamentos tomados diante dos fatos, tudo isso desperta para uma instrumentalização da crítica e da ampliação do universo experiencial e visão do mundo” (grifo nosso).

Em T3, a capacidade crítica ou o espírito crítico define a atividade filosófica, o filosofar. Portanto, a filosofia na escola deve proporcionar o desenvolvido dessa capacidade, através do debate de ideias, da abertura para a dúvida, do envolvimento consciente e criativo. O foco da crítica filosófica é uma determinada concepção de sociedade e de vida marcada pelo pragmatismo e pela redução do ser humano a um mero mantenedor dessa realidade. A formação filosófica capacita a criança e o jovem para o inconformismo e desperta neles novas

leituras e posicionamentos frente ao mundo e a si mesmos como sujeitos inseridos nesse mundo.

Essa ideia continua a ser trabalhada na unidade seguinte, onde o documento faz a reflexão sobre filosofia e educação. Em T3 filosofar é questionar. Assim: “filosofar continua sendo questionar os fundamentos da realidade, os processos históricos e as ações e contradições do agir humano” (p. 106). E questionar é, antes de mais de tudo, uma ação do pensamento, é pensar. Por essa razão, para T3 é fundamental ensinar a pensar e isso é algo que se começa desde a infância. Apoiado nas teorias de Lipman, o documento apresenta o

“Programa de Educação para o Pensar”, voltado para crianças, adolescentes e jovens. A ideia

principal do programa é mostrar que é possível (e necessário) filosofar nessa faixa etária e que

a escola é a principal mediação nesse processo. Em “a filosofia presente na vida”, o

documento vai defender a tese, de inspiração lipmaniana, de que o despertar das habilidades cognitivas na criança e desenvolvimento dessas habilidades revelam que filosofar durante a infância é possível. Nisso se verifica o valor de uma educação filosófica, desde a mais tenra idade.

Nas unidades de leitura quatro e cinco, T3 discorre sobre a necessidade de refletir sobre o papel da escola e da educação. Aproxima-se da Teoria de Adorno em sua crítica à chamada indústria cultural e em prol de uma educação formadora. Mostra como o filosofar desde a infância contribui para essa educação, em especial no fomento da autonomia, através do ensinar a pensar. Para o documento, apenas um pensamento autônomo é capaz de criticar a realidade construída e, sobretudo, mantida pelo ideal cultural dominante. Por isso, defende o filosofar como uma das principais ferramentas para a emancipação, para o pensamento autônomo. Assim afirma T3: “educar e aprender a filosofar significam educação para a emancipação, e compreender sua realização no homem é ele interrogar a permanência da barbárie no interior da civilização e questionar as relações entre autonomia e repressão para que Auschwitz não se repita” (p. 133). E continua: “é tarefa individual exercitar-se no “ser filósofo”, pôr-se em busca de uma apreensão significativa da cultura, de uma leitura crítica da

realidade e de uma ação engajada no mundo” (p. 133,167).

Para T3, a crítica reflexiva filosófica não é uma competência que se adquire na maioridade etária, mas antes uma capacidade humana que desenvolve no alvorecer da vida infantil e que pode (e deve) ser orientada através da educação, que pode ensinar a pensar. Nesse processo, o ensino de filosofia é fundamental, uma vez que a atividade reflexiva corresponde à própria essência do filosofar. Os frutos desse aprender filosófico são o

pensamento autônomo e crítico frente à cultura vigente e o engajamento pessoal na construção de uma realidade liberta.