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4.2 ANÁLISE TEXTUAL E TEMÁTICA

4.2.2 Análise das dissertações

4.2.2.2 Documento D5

O segundo documento analisado nesse grupo foi a dissertação D5, cujo título é O ensino de filosofia no Ensino Médio: por uma cidadania da praxis (2011). Nele é analisado o papel do ensino de filosofia na formação dos estudantes para o exercício da cidadania. A reflexão apresentada no documento parte de uma abordagem histórica da noção de cidadania, partindo da Antiguidade grega, passando pela Época Moderna, com destaque para as formulações de Hobbes e Locke, e culminando com a análise de como ela se manifesta atualmente nas políticas educacionais brasileiras, sobretudo a partir do final dos anos 1990. D5 debruçou-se prioritariamente sobre documentos oficiais como a Constituição Federal de 1988; a LDB (Lei nº 9394/96), que estabelece as novas bases do que seria uma educação para a cidadania; os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN); as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+); as Orientações Curriculares Nacionais, entre outros.

Em D5 tenciona-se demonstrar que as políticas de Estado não proporcionam aos educandos uma efetiva emancipação, uma vez que elas estão apoiadas em uma concepção individualista da cidadania, a cidadania nova, proposta pelos ideólogos do neoliberalismo e voltada à satisfação dos interesses e necessidades do capital. Em contraposição a essa concepção, o documento apresenta outro caminho, baseada nos pressupostos do materialismo histórico dialético de Antonio Gramsci, denominado como “cidadania da praxis”. Em D5, o ensino de filosofia pode preparar o jovem para essa cidadania, o qual, dentro do espaço escolar, deve contar com a participação decisiva do professor, que se destaca como um intelectual próximo das massas e, portanto, como potencial mediador de um processo didático-pedagógico contra-hegemônico, constituído a partir de um novo princípio educativo que não dicotomize trabalho intelectual e trabalho manual, possibilitando às classes subalternas a educação de si mesmas na arte de governar, como propôs Gramsci. Para tanto, o aluno deve se constituir como novo sujeito histórico capaz de elaborar uma concepção de mundo crítica, consciente, de ser participante na construção da história do mundo e de guiar- se a si mesmo, sem aceitar de modo passivo e servil aquilo que constituirá e definirá sua própria personalidade.

Para a nossa análise escolhemos três unidades do texto: “o ensino de filosofia como

requisito para o exercício da cidadania nos documentos oficiais” (p. 101 – 141); “o ensino de filosofia em outra concepção de cidadania” (p. 141 – 160); “o ensino de Filosofia e a cidadania da praxis” (p. 160 – 176).

Na primeira unidade, D5 relembra o que está previsto em legislação educacional sobre a relação entre a filosofia e a promoção a cidadania. Conforme a LDB, o domínio da filosofia é requisito fundamental para o exercício da cidadania e esta se constitui como uma finalidade síntese de toda LDB. A partir disso D5 desenvolve uma reflexão sobre a correlação entre os pilares da educação e as orientações do Banco Mundial que, por sua vez, está articulado aos interesses do capitalismo e burguesia atuais. No entanto, o autor chama a atenção para o fato de que, embora os rumos da educação em nosso país estejam fortemente alinhados a interesses de ordem econômica e de políticas, especialmente, vindas de fora, ditada pelas determinações de uma sociedade submissa à globalização do capital, a filosofia, em si mesma, não deve ser ensinada com finalidades políticas. Deve ser um tipo de filosofia alienada de qualquer tipo de política. Em D5, “de acordo com os PCN+, a filosofia não deve voltar-se

para finalidades políticas práticas, nem ser transformada ‘em instrumento de qualquer fim’,

Para D5, o Estado opta por um tipo de filosofia que corrobora uma concepção de cidadania segundo o ideário liberal-capitalista, perpassado por uma concepção individualista, na qual a participação política se reduz à defesa inalienável dos direitos privados e/ou individuais e de um Estado a serviço da manutenção desses direitos. No entanto, longe de garantir a emancipação do sujeito, essa concepção não é capaz de garantir a autonomia do sujeito e enquanto ideia motriz na educação, o ensino para o exercício dessa cidadania individualista ao invés de emancipar, aliena.

Na concepção oficial, a filosofia é compreendida como reflexão e nesse ponto D5 retoma aquilo que dizem alguns textos diretivos:

“Os PCN+ fazem uma escolha explícita, por razões didáticas de uma orientação na qual se compreende a filosofia “como uma reflexão crítica a respeito do conhecimento e da ação, a partir da

analise dos pressupostos do pensar e do agir e, portanto, como fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas”.

Sobre a natureza reflexiva da filosofia, o documento explicita aquilo como os textos oficiais compreendem essa reflexão. Neles, refletir consiste em fazer uma reconstrução racional e uma crítica, assim descritas:

“A ‘reconstrução racional’ se refere ao agir filosófico, no sentido de clarear e esclarecer a nossa

própria racionalidade adquirida na medida em que nos exercitamos em um dado sistema de regras. Trata-se de superar o ‘saber pré-teórico’ com o qual fazemos uma leitura pré-filosófica do mundo. A

‘crítica’ se refere especificamente à tentativa de superar, por meio da análise filosófica, toda visão pré-

concebida e parcial do mundo que oriente e restrinja nossa ação e percepção dele, fruto de nossa própria vivência social. (...)

Segundo as Orientações a Filosofia é teoria, visão crítica, trabalho do conceito, devendo ser preservada como tal e não como um somatório de ideias que o estudante deva decorar. Um tal somatório manualesco e sem vida seria dogmático e antifilosófico, seria doutrinação e nunca diálogo. Isto é, tornar-se-ia uma soma de preconceitos, recusando à Filosofia esse traço que julgamos característico e essencial. Desse modo, cabe ensinar Filosofia acompanhando ou, pelo menos, respeitando o movimento do pensar à luz de grandes obras, independentemente do autor ou da teoria escolhida”.

A crítica de D5 a uma filosofia “dogmática e antifilosófica” – pautada em “somatório de ideias que o estudante deva decorar”– desenvolve-se à medida que o autor apresenta a ideia de

uma cidadania da praxis, apoiada na concepção gramsciana de uma filosofia da praxis. É o que nos mostra a segunda unidade estudada. Nela, está posta outra ideia de cidadania e, por extensão, também apresenta outra concepção de filosofia.

A partir da filosofia da praxis de Gramsci, em D5 é apresentada uma filosofia presente na vida de todos os homens e envolvida com os problemas da realidade. Partindo da ideia de

que “todos os homens são filósofos” (GRAMSCI, 2004, p. 174), a filosofia está presente na

vida de todos e, por essa razão, isso demonstra a capacidade de todos participarem ativamente da construção de determinada concepção de mundo e da superação dessa concepção de mundo, “isto é, deve-se passar a um segundo momento, ao momento da crítica e da consciência, tornando-se capaz de superar a antiga concepção do mundo por meio da elaboração de uma nova, na qual se atue como sujeito ativo e consciente, ou seja, participando ativamente na produção da história do mundo”. E continua em D5:

“É necessário, pois, partir da crítica da própria visão de mundo, a autocrítica dentro de bases históricas

e concretas que podem levar a uma superação desse momento de consciência restrita às experiências vividas e a um verdadeiro ‘conhece-te a ti mesmo’ histórico que, por sua vez, possa levar a uma nova concepção do mundo histórica, concreta e dialética”.

No documento a filosofia possibilita a transformação do mundo, a partir daquilo que denominou como sendo uma “autocrítica” e que consiste em superar o plano das experiências vividas (senso comum), adotando uma crítica rigorosa, sistemática, filosófica. Nessa perspectiva a filosofia tem um papel político e social bem definido e invariavelmente consiste de um pensamento que une teoria e prática, através do conceito de praxis, cuja finalidade está na transformação do mundo, a partir da crítica das estruturas e grupos hegemônicos. Acerca da praxis, esclarece D5:

“A praxis, como se pode notar, é o centro da dialética da transformação. A praxis tem por missão

cimentar e amalgamar a teoria e a prática e tornar uno o que foi separado e dicotomizado. No currículo escolar a presença da Filosofia, nesta chave interpretativa, da filosofia da praxis, (continua...)

(continuação...) deve ser capaz de apresentar não a solução teórica, mas a possibilidade de, a partir da

realidade concreta, de uma leitura da totalidade do real, elevar a discussão crítico-reflexiva de modo que não fique reduzida em uma dimensão de filosofia ‘pura’, isto é, como se não fizesse parte da história e dela não fosse consequência concreta e material”.

A filosofia da pra xis é uma filosofia engajada e seu ensino deve propiciar o compromisso politico. Em D5:

“A filosofia da praxis tem por objetivo, portanto, aliar-se aos ‘simples’ e conduzi-los a uma ‘concepção de vida superior’. (...) A filosofia da praxis tem a tarefa política e intelectual de trabalhar na elevação moral e intelectual do povo, o que significa não relegar a um segundo plano a educação das massas, mas comprometer-se na formação de um novo ‘bloco intelectual’ que torne possível o

‘progresso intelectual’ da massa” (grifo nosso).

Essa “tarefa política e intelectual” da filosofia consiste em uma opção pela

transformação que, como Gramsci, reforça a ideia de o pensamento filosófico exerce um papel histórico na manutenção ou transformação social...

(...) “enquanto elemento de superação “da maneira de pensar precedente e do pensamento concreto

existente” é de crítica ao senso comum, sem desprezá-lo, mas levando-o em consideração e inovando-

o. Mais do que isso, a filosofia da praxis deve ser uma nova postura filosófica que se identifique com a

premissa de que “todos os homens são filósofos”, porém, sem desprezar a característica de

pensamento rigoroso, sistemático e coerente, mas destacando o seu vínculo com a realidade concreta e

histórica. Deve fazer a crítica do “bloco dos intelectuais” e de sua farsa enquanto pensamento

universal e democrático, pois que vinculado ao consenso da classe hegemônica”.

Mas, que tipo de ensino de filosofia a filosofia da praxis preconiza? Um ensino que não consiste em um estudo estéril do pensamento filosófico tradicional. O ensino de filosofia deve formar culturalmente o aluno e torná-lo apto ao pensamento crítico e/ou capaz de elaborar criticamente seu próprio pensamento. É o que demonstra o estudo da terceira unidade de

leitura do texto D5. Nela a filosofia da praxis corresponde à cidadania da praxis, isto é, um pensamento crítico comprometido politicamente, que conhece e critica as condições materiais em que vive a maior parte das pessoas, que é capaz de se comprometer com a causa dos mais simples e, através da apropriação dos saberes científico e filosófico, trabalha pela elevação cultural das massas, que, enfim, busca a transformação através da participação política. Em D5, filosofar é transformar a realidade, a partir do desenvolvimento da consciência crítica em si e nos outros.