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1 PRIMEIRA PONTE: INTRODUÇÃO

5.3 UTILIZAÇÃO DA MAQUETE ELETRÔNICA EM SALA DE AULA

5.3.2 Análise dos ecos produzidos

A partir da Teoria do Jogo de Vozes e Ecos, analisamos qualitativamente as enunciações (respostas escritas e diálogos) dos alunos nos outros dois dias da experiência de ensino e percebemos que os estudantes produziram ecos superficiais, mecânicos e de assimilação, os quais detalhamos a seguir.

Ecos Superficiais

Como vimos ao atravessar a segunda ponte dessa pesquisa, os ecos superficiais acontecem quando o aluno não consegue entender a voz. A primeira característica que apresentaremos é a não apropriação do enunciado anterior. Percebemos isso quando nos casos em que o estudante, apesar de ter acabado de estudar a teoria, procurou empiricamente verificar a existência do caminho, como na figura seguinte.

Figura 44 – Resolução empírica de um aluno na Atividade 3.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Como não há apropriação dos enunciados apresentados, os ecos superficiais produzidos pelo citante recebem influências de outras vozes, que pouco tem a ver com o objeto descrito no discurso citado. Nas expressões não-verbais apresentadas a seguir, observamos que o aluno da figura 45 associou o conceito de caminho euleriano ao trajeto percorrido em ruas e, por isso, representou o grafo como fragmento de um mapa.

Figura 45 – Eco superficial na atividade 2.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Outros alunos, ao tentarem construir grafos sem caminhos eulerianos, acabaram elaborando modelos que pouco têm a ver com o objeto descrito nos discursos produzidos em sala. Percebemos que os alunos tentaram construir grafos desconexos, ou seja, em que um dos vértices não estivesse ligado a nenhum dos outros. Contudo, ao colocar em prática sua estratégia, inseriram linhas soltas, que

deveriam ser percebidas como arestas. Ora, se as arestas são os pares de vértices, representadas como linhas ligando os vértices, não podemos admitir a existência de segmentos sem vértices em suas extremidades. Portanto, não temos o necessário para caracterizar os modelos dos alunos abaixo como grafos.

Figura 46 – Ecos superficiais na atividade 2.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Também reconhecemos ecos superficiais no uso inadequado de termos e expressões decorrentes da voz e na confusão entre conceitos. Nesta experiência de ensino, observamos imprecisões dos conceitos apresentados, como no caso da figura 47, em que o aluno afirma que o grau do vértice “é o total de vértice”, quando o correto é o total de arestas incidentes no vértice.

Figura 47 – Eco superficial na atividade 1.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Outro caso de imprecisão nos conceitos está na figura 48. Este aluno reconhece que a existência de caminhos eulerianos está associada à paridade do grau do vértice, mas não se apropria do conceito ao ponto de entender que o correto é identificar se há nenhum, exatamente dois ou mais de dois vértices com grau ímpar no grafo analisado. Com efeito, o estudante usa como argumentos “mais pares do que ímpares” no primeiro modelo e “6 pares e 4 ímpares” no último.

Figura 48 – Eco superficial na atividade 3.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Outro caso de confusão entre conceitos foi observado na própria forma de representar os grafos. Apesar de durante a aula fazermos uso de setas para indicar os caminhos que foram percorridos no Problema das Sete Pontes, alguns alunos usaram esse recurso em sua representação gráfica de um grafo. Nesse caso, se todas as setas estivessem partindo de um vértice e apontando para outro, teríamos um digrafo, ou seja, um grafo orientado – o que não caberia, pois admitimos que as pontes são sempre de mão-dupla. Ainda assim, observamos que nem todas as setas apontam para outro vértice, como nos itens a e b da imagem. Por isso categorizamos este eco como superficial.

Figura 49 – Eco superficial na atividade 2.

As contradições são a última característica dos ecos superficiais que apresentaremos nesta seção. No início da segunda aula, quando retomamos o Problema das Pontes de Königsberg, construímos um grafo que representa a disposição da cidade russa. Este modelo foi usado para conjecturar os casos de existência do caminho euleriano com os alunos e permitiu que os estudantes descobrissem que o Problema das Sete Pontes não possuía solução. Um dos alunos, contudo, usou o mesmo modelo como exemplo de grafo com caminho euleriano. Então, identificamos a contradição: como um modelo do Problema das Sete Pontes, que não possui caminho euleriano nenhum, poderia ser usado para ilustrar um caminho euleriano fechado?

Figura 50 – Eco superficial na atividade 2.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

A partir dos recortes apresentados, verificamos que muitos alunos não se apropriaram adequadamente do conteúdo apresentado. Observamos situações em que não houve apropriação do enunciado por parte dos estudantes. Com isso, os ecos superficiais receberam influências de outras vozes, que pouco tinham a ver com o objeto descrito no discurso citado e foram reconhecidos pelo uso inadequado de termos e expressões decorrentes da voz, pela confusão entre conceitos e pelas contradições. Atribuímos essa questão ao curto espaço de tempo em que a proposta foi desenvolvida no ambiente escolar, pois reconhecemos que os alunos possuem tempos diferentes de aprendizagem e, dessa forma, produzem ecos superficiais que, a partir da mediação do professor, poderiam ser convertidos em ecos de assimilação.

Ecos mecânicos

O segundo grupo de ecos, chamados mecânicos, acontece quando os alunos repetem ou parafraseiam uma voz ou a solução correta de um exercício padrão. Nesse caso, nos deparamos com um discurso objetivado, que sugere que os alunos souberam identificar os dados e o contexto no qual o enunciado está inserido, mas não conseguiram apropriar-se dessas informações.

Ao contrário da nossa experiência do ano de 2013, quando utilizamos um material impresso com o processo histórico da Teoria de Grafos (SÁ, 2014a), nesta experiência as únicas enunciações escritas foram feitas na sistematização das discussões após o uso da maquete eletrônica. Dessa forma, os alunos não tinham todos os conceitos disponíveis para repeti-los ou parafraseá-los. A única definição que foi escrita no quadro e que serviu como fonte de informações para os alunos foi a de grau do vértice. Esta foi utilizada por boa parte da turma em sua atividade, de forma igual ou semelhante ao que foi exposto no quadro, caracterizando o eco mecânico.

Figura 51 – Eco mecânico na atividade 1.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Também na segunda aula, enquanto desenvolvíamos o processo investigativo para conjecturar os casos de existência do caminho euleriano, analisamos o Problema das Pontes de Vitória. Neste problema, os alunos são questionados sobre a possibilidade de atravessar as seis pontes22 da capital capixaba, que, assim como Königsberg, também possui parte de seu território composto por ilhas fluviais.

22 Para fins didáticos, consideramos as seis pontes que possuem significativo fluxo de carros: (1)

Segunda Ponte ou Ponte do Príncipe; (2) Ponte Florentino Avidos, apelidada de Cinco Pontes; (3) Terceira Ponte ou Ponte Deputado Darcy Castello de Mendonça; (4) Ponte Camburi; (5) Ponte Ayrton Senna da Silva; e (6) Ponte da Passagem ou Ponte Governador Carlos Lindenberg.

Figura 52 – Mapa da Grande Vitória com indicação das seis principais pontes.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Se quisermos modelar esse problema com um grafo, precisaremos de três vértices: dois, simbolizando as margens, com grau igual a três e um, representando a ilha central, com grau igual a seis. Portanto, verificamos que é possível estabelecer um percurso caminho euleriano aberto, iniciado em uma das margens.

Os ecos superficiais, nesse caso, foram observados quando alunos repetiram o mesmo modelo como exemplo de grafo com caminho euleriano, na segunda alterativa da segunda atividade, conforme apresentado na figura 53.

Figura 53 – Ecos mecânicos na atividade 2.

Ecos de assimilação

Quando um estudante ultrapassa o nível mecânico, tornando-se capaz de explorar o conteúdo e/ou o método transmitido pela voz e utilizando-os em problemas que diferem da situação apresentada, dizemos que ele produziu um eco de assimilação. Segundo Boero, Pedemonte e Robotti (1997), este pode ser detectado quando o aluno é capaz de transferir o conteúdo para outras situações-problemas, que são parcialmente semelhantes ao que é transmitido pela voz. O primeiro grupo de ecos de assimilação provém das resoluções corretas para na segunda atividade, de elaboração de grafos a partir de características.

Figura 54 – Exemplos de grafos, com caminhos eulerianos fechados, construídos pelos alunos.

(a) (b) (c)

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Figura 55 – Exemplos de grafos, com caminhos eulerianos abertos, construídos pelos alunos

(a) (b) (c) (d)

Figura 56 – Exemplo de grafo sem caminho euleriano, construído por um aluno.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

A partir da identificação dos ecos de assimilação, inferimos que parte dos alunos produziram discursos bivocais, que evidenciam a compreensão e apropriação dos enunciados anteriores. Na primeira atividade, por exemplo, uma aluna definiu grafos como sendo o conjunto de vértices e arestas (figura 57). Essa definição se aproxima da de Santos, Mello e Murari (2007, p. 297): “um grafo G = (N, A) é constituído por um conjunto (finito e não vazio) N de nós e um conjunto A de arcos. Cada arco é um par não-ordenado de nós distintos (conjunto de cardinalidade 2)”.

Figura 57 – Eco de assimilação na atividade 1.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Outras enunciações de alunos também se aproximaram de definições de livros da área, como nos casos da figura 58. Essas procuram conceituar os grafos a partir da representação gráfica e, nesse sentido, percebem que o grafo é um conjunto de pontos do plano ligados por segmentos cujas extremidades devem conter tais pontos (MALTA, 2008, p. 15).

Figura 58 – Ecos de assimilação na atividade 1.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Uma enunciação, em especial, nos chamou a atenção, pois além de evidenciar a compreensão e apropriação dos enunciados, trouxe em seu discurso elementos da história que foram explorados durante a atividade (figura 59).

Figura 59 – Eco de assimilação com história da matemática.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Ao dizer que o caminho euleriano é o “nome dado quando o suíço Euler tentou fazer um caminho (trajeto) sem repetir as 7 pontes existente [sic] na cidade de Königsberg em 1736”, o aluno mostra que percebeu o conceito de grafo euleriano como uma produção humana, pois foi estabelecida por Euler, e cultural, pois se deu em determinado local e momento da história. Esta compreensão de trajeto apresentada pelo aluno não foi pontual. Ela pode ser identificada em outras resoluções do estudante, como na primeira alternativa da segunda questão:

Figura 60 – Eco de assimilação do mesmo aluno que utilizou a história de Teoria de Grafos.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Considerando a expressiva diminuição da quantidade de ecos mecânicos produzidos pelos alunos em relação a experiências anteriores (SÁ, 2014a) e a diversidade de ecos de assimilação apresentada acima, passamos a refletir sobre o aproveitamento dos alunos durante a atividade. Para fazer um recorte, analisamos somente as respostas da segunda atividade, que solicitou a representação de um grafo a partir da existência de caminho euleriano. As análises deram lugar ao seguinte gráfico:

Gráfico 1 – Construção dos grafos pelos alunos, a partir de características dadas.

Fonte: Elaborado pelo pesquisador, 2016. 1 3 10 6 11 3 1 0 0 6 2 3 2 0 0

c) Sem Caminho Euleriano b) Caminho Euleriano Aberto a) Caminho Euleriano Fechado

Construção dos grafos pelos alunos, a partir de características

dadas (n =16)

Caminho Euleriano Fechado Caminho Euleriano Aberto Sem Caminho Euleriano Não desenhou grafo Não respondeu

Ao analisar o gráfico, verificamos que, quando solicitado um grafo com caminho euleriano fechado, 10 dos 16 alunos (62,5%) responderam corretamente. O aproveitamento foi semelhante na segunda questão, quando 11 estudantes (68,75%) construíram corretamente um grafo com caminho euleriano aberto. Neste último caso, identificamos, nas 11 respostas, 9 ecos de assimilação e 2 ecos mecânicos, apresentados anteriormente nesta dissertação.

Destacamos que, em alguns casos, houve uma pequena confusão entre os alunos em relação à terminologia. Alguns alunos apresentaram representações com caminhos com início e fim do trajeto diferente, pensando que este seria o caso do caminho fechado e vice-versa. Nesses casos, após questionamentos em diálogo do professor com alguns alunos, eles perceberam que as respostas estavam trocadas e utilizaram setas (figuras 61 e 62) para mostrar que a correção deveria ser feita da representação ao lado. Outros alunos, porém, apresentaram suas resoluções apenas no final da aula e não puderam chegar a mesma conclusão dos colegas (figura 63).

Figura 61 – Aluno que confundiu caminho euleriano aberto e caminho euleriano fechado.

Figura 62 – Aluno que confundiu caminho euleriano aberto e caminho euleriano fechado.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Figura 63 – Aluno que confundiu caminho euleriano aberto e caminho euleriano fechado.

Fonte: Acervo dos pesquisadores, 2016.

Sobre a situação relatada nesta seção, reafirmamos o papel do professor na mediação da aula, considerando sua contribuição na validação de resultados e na prova de conjecturas (OLIVEIRA; SEGURADO; PONTE, 1998). Nessa mesma perspectiva, acreditamos que o tempo para discussão dos resultados e validação dos modelos precisa ser ampliado nas próximas oportunidades, para que os alunos consigam elaborar representações mais complexas, como a situação sem caminho euleriano, que obteve, neste estudo, apenas 6,25% de sucesso.