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1 PRIMEIRA PONTE: INTRODUÇÃO

5.1 FORMAÇÃO DOS ALUNOS-PESQUISADORES NO MOVIMENTO DA

5.1.3 Desenvolvimento dos alunos em suas dimensões sociais e afetivas

As discussões sobre a contribuição da afetividade em processos de ensino e aprendizagem vêm ganhando espaço no cenário educacional, buscando compreender o indivíduo em sua complexidade (GÓMEZ CHACÓN, 2003). Em Tassoni e Leite (2011), por exemplo, encontramos pressupostos vigotskianos que possibilitam discutir sobre influências de fenômenos afetivos em formas de pensar e agir.

Para compreender questões sociais e afetivas manifestadas durante a participação no projeto de feira e na pesquisa-ação, precisamos apontar nossa compreensão de afeto ou domínio afetivo. Em diálogo com Gómez Chacón (2003), adotamos a ideia de dimensão afetiva, que compreende “uma extensa categoria de sentimentos e de humor (estados de ânimo) que geralmente são considerados como diferente da pura cognição” (GÓMEZ CHACÓN, 2003, p. 20). Nessa definição, o domínio afetivo inclui atitudes, crenças, considerações, emoções, sentimentos e valores. A partir de dados obtidos nas conversas de Whatsapp, no Formulário Eletrônico (Apêndice A) e no questionário (Apêndice B), apresentamos as manifestações de afeto, analisando-as a partir de Gómez Chacón (2003) e Freire (1996a; 1996b). E, pari passu, suscitaremos algumas reflexões sobre o ensino.

A primeira emoção que apresentamos é a curiosidade. Segundo Gómez Chacón (2003), esta afetividade é identificada quando o aluno manifesta o desejo de saber e averiguar alguma coisa, analisar o que está proposto no problema e buscar uma possível solução. Em nosso caso, percebemos este tipo de comportamento durante

17 FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação – cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo:

a fase exploratória da pesquisa-ação, quando os alunos pesquisaram possíveis abordagens que poderiam ser realizadas para superar o problema sobre o ensino de Grafos no sistema educacional estadual. Ainda na perspectiva de Gómez Chacón (2003), a curiosidade aparece em contraste com outros motivadores práticos ou baseados no autoritarismo. Nesse sentido, recorremos a Freire e Faundez (198518, p. 46 apud GHIGGI, 2010, p. 56) para compreender que “o autoritarismo que corta nossas experiências educativas inibe, quando não reprime, a capacidade de perguntar. A natureza desafiadora da pergunta tende a ser considerada, na atmosfera autoritária, como provocação à autoridade”. Ou seja, superação da curiosidade sobre o autoritarismo citada em Gómez Chacón (2003) implica na contradição educador-educando de Freire (1970), de tal maneira que se tornem ambos, simultaneamente, educador e educando.

Conforme apresentado no percurso metodológico, até a primeira apresentação do projeto em feira, na 4ª Semana da Matemática do Ifes, o grupo de alunos- pesquisadores não havia conseguido unir todas as máquinas de estado em um único microcontrolador. Apesar da tensão gerada por essa situação, os alunos conseguiram apresentar seu projeto, adotando apenas uma ilha/margem para iniciar seu percurso. Logo após o fim da apresentação, às 16h, os estudantes compartilharam suas emoções com o professor Fernando, que se manteve em Linhares e não presenciou a apresentação na capital:

27/05/2015, 14h24 - Fernando (Prof): Funcionou gente?

27/05/2015, 16h09 - Elis: Sim, mas usamos apenas a máquina B por causa da memória

27/05/2015, 16h09 - Elis: Mas foi um sucesso 27/05/2015, 16h09 - Elis: Pessoal gostou mt kk

27/05/2015, 16h35 - Fernando (Prof): Sério mesmo? O.o 27/05/2015, 18h38 - Elis: Aham

27/05/2015, 18h38 - Elis: E foi massa q tinham alunos de eletrotécnica 27/05/2015, 19h28 - Sabrina: Fernandooooooo

27/05/2015, 19h29 - Fernando (Prof): Oi Sabrina!!!!!!!!!!!!

27/05/2015, 19h29 - Sabrina: Nosso sucesso tbm é seu. Agradecemos por tudo, e mais alguma coisa 😄 😄 😄 😄

[...]

27/05/2015, 19h29 - Fernando (Prof): Que isso Sabrina. Trabalhando juntos podemos fazer muito mais!

18 FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antônio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e

No trecho da conversa, podemos identificar que as alunas Elis e Sabrina expressam prazer com a atividade. Neste caso, caracterizamos a emoção de ânimo (GÓMEZ CHACÓN, 2003) e podemos associá-la ao domínio dos procedimentos ou posse dos conhecimentos necessários para utilização exclusiva da máquina de estado B, em função da pouca memória do microcontrolador. À medida que a maquete eletrônica funcionava, a atividade tornava-se ainda mais prazerosa e as alunas ficavam ainda mais animadas. Gómez Chacón (2003) ainda aponta que o sentimento de ânimo é marcado por diversas reações, como assoviar, alvoroçar-se, mostrar-se brincalhão. No recorte acima, destacamos algumas dessas características, por exemplo, quando Elis expressa sua felicidade, às 16h09, usando o “kkk” (risos) e Sabrina mostra euforia, prolongando a última letra do nome do professor “Fernandooooooo”, às 19h28, e inserindo repetidos emoticons sorridentes, às 19h29.

Foi uma experiência que nunca tinha passado. Me proporcionou trabalho em equipe, elaboração e divisão de tarefas, confiança no colega de equipe e o satisfatório sentimento de dever cumprido. Esse projeto surgiu de maneira inesperada e fomos, juntos, capazes de elaborar um trabalho muito interessante acerca do tema proposto. Ver olhos curiosos, dúvidas e até elogios de pessoas que entendem o certo nível de complexidade para elaboração de algo deste tipo, foi gratificante (Thiago, em resposta ao questionário, 2015 – grifos nossos).

Conforme o Dicionário Aurélio, confiança é um substantivo feminino que se expressa como ação de confiar, na qual também pode exigir uma segurança para fazê-la. Fernandes (2010) destaca que esta afetividade é construída por atitudes de respeito e disponibilidade para o diálogo. Situando-a no contexto de Freire (199519, apud FERNANDES, 2010, p. 82), a esperança fornece “um suporte à relação dialógica enquanto prática fundamental”. Daí, temos que a centralidade da educação como prática da liberdade exige amor, amorosidade20 e confiança.

Outro termo recorrente nas conversas com os alunos e respostas a formulário/questionário é o marcador “juntos”, que aparece, por exemplo, na mensagem de Fernando no Whatsapp (27/05/2015, 19h29: “Que isso Sabrina. Trabalhando juntos podemos fazer muito mais!”) e na resposta de Thiago ao questionário (“e fomos, juntos, capazes de elaborar um trabalho muito

19 FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’água, 1995.

20 “A amorosidade freireana que percorre sua obra e sua vida se materializa no afeto como

compromisso com o outro [...]. Usando o prefixo com-, ganha força a ideia de compromisso que pode significar prometer-se consigo e com o outro” (FERNANDES, 2010, p. 37).

interessante...”). A partir da ótica freireana, constatamos a ideia de trabalho coletivo como contribuição para a construção da autonomia com responsabilidade. Isto fica evidente quando Freire (1996b, p. 79) afirma que “ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho; as pessoas se educam entre si, mediatizadas pelo mundo”.

Ainda no dia da apresentação na feira da 4ª Semana da Matemática do Ifes, compartilhei no grupo do Whatsapp uma foto da apresentação dos alunos. No dia seguinte, as afetividades foram novamente expostas por Elis e João:

27/05/2015, 23h30 - Lauro envia foto da apresentação dos alunos da Feira de Matemática do Ifes.

28/05/2015, 06h12 - Fernando (Prof): Muito legal!

28/05/2015, 06h12 - Fernando (Prof): Ninguém gravou vídeo?! 28/05/2015, 06h13 - Elis: Acho q nao kkk

28/05/2015, 06h13 - Elis: Caraca Fernando, a gnt falou direitinho hahah [...]

28/05/2015, 17h26 - João: Orgulho 💙

Ao dizer “a gnt [gente] falou direitinho”, Elis mostra o grupo soube administrar o problema de memória do microcontrolador, superando o nervosismo que a situação poderia provocar, o que Gómez Chacón (2003) chama de tranquilidade. Esse sentimento, associado ao orgulho manifestado por João, sugere confiança que os alunos possuíam em seu histórico particular, o que caracteriza a autonomia (FREIRE, 1996a). Mais que isso, arriscamos a dizer que, a partir de interações sociais apresentadas até este ponto e da construção dos sujeitos nessas interações, os alunos-pesquisadores empoderaram-se.

Quando questionadas sobre aprender (a) metodologia de pesquisa e (b) conteúdo matemático por meio de projetos de feira de matemática, Elis e Sabrina destacam diversão e prazer no desenvolvimento do projeto:

(a) Está sendo extremamente gratificante adquirir esses conhecimentos, tendo em vista nosso objetivo final: a Feira da Matemática. Dessa forma, desenvolvemos aptidões mais facilmente e aprendemos com mais consistência e mais prazerosamente temas que até então nos eram desconhecidos (Elis, em resposta ao Formulário Online, 2015 – grifos nossos).

(b) É uma oportunidade de aprendermos um assunto importante da matemática que não seria adotado no currículo do Ensino Médio. Além disso, adquirimos conhecimentos de uma maneira mais didática e prazerosa, tendo o foco em suprir a carência de métodos eficientes que

abordem esse tema nas nossas escolas de Ensino Médio (Elis, em resposta ao Formulário Online, 2015 – grifos nossos).

(b) É uma ótima estratégia. Apresentar o conteúdo de forma diferenciada faz com que ele seja assimilado com mais eficiência e diversão por parte dos estudantes (Sabrina, em resposta ao Formulário Online, 2015 – grifos nossos).

Gómez Chacón (2003) destaca que a diversão se manifesta como prazer, alegria, gosto pela atividade que está sendo realizada, etc. Segundo a autora, em alguns casos, vincula-se a um estado de ânimo ou disposição com que realiza a tarefa. Essa estratégia ou forma diferenciada, nas palavras de Sabrina, é a que busca emancipar e empoderar os alunos, na tentativa de superar da educação bancária citada em Freire (1996b). Em caso contrário, alerta o autor, “a palavra se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, com verbosidade alienada e alienante” (FREIRE, 1996b, p. 33).

Para encerrar a apresentação de dimensões sociais e afetivas, é importante ressaltar que Paulo Freire não se detém a explicitar as categorias de afetividade e amorosidade (DALLA VECCHIA, 2010). Contudo, em algumas de suas obras, como Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1996a), o educador destaca a diversidade do afeto e o desdobramento ético e estético decorrente da experiência com o educando:

O que importa, na formação docente, não é a repetição mecânica do gesto, este ou aquele, mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança do medo que, ao ser educado, vai gerando a coragem (FREIRE, 1996a, p.45).

Com isso, concluímos que no projeto pedagógico freireano, “o homem se torna liberto à medida que for capaz de ser autônomo, [...] através da educação permeada pela afetividade, pelo diálogo, pelo questionamento” (DALLA VECCHIA, 2010, p. 27).