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1 PRIMEIRA PONTE: INTRODUÇÃO

1.4 A TEORIA DE GRAFOS COMO CAMPO DE PESQUISA DA EDUCAÇÃO

A interseção entre grafos e Educação Matemática não está somente na história do

software Cabri. Percebemos que alguns documentos nacionais reforçam

potencialidades de abordar Teoria dos Grafos na sala de aula. As Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, por exemplo, sugerem explicitamente a discussão desse conteúdo, vinculando-o à análise combinatória:

No Ensino Médio, o termo “combinatória” está usualmente restrito ao estudo dos problemas de contagem, mas esse é apenas um de seus aspectos. Outros tipos de problemas poderiam ser trabalhados na escola – são aqueles relativos a conjuntos finitos e com enunciados de simples entendimento relativo, mas não necessariamente fáceis de resolver. Um

exemplo clássico é o problema das pontes de Königsberg, tratado por Euler (BRASIL, 2006, p. 94).

Além do documento nacional citado, o Currículo Básico da Escola Estadual do Espírito Santo sugere a “introdução à Teoria dos Grafos” (ESPÍRITO SANTO, 2009, p. 120) para o segundo ano do Ensino Médio e “resolução de problemas utilizando grafos” (ESPÍRITO SANTO, 2009, p. 122) para o terceiro ano.

Como campo pesquisa da área de ensino, a Teoria de Grafos começou a ser discutida no Brasil em 2001, em trabalhos científicos, como a pesquisa de doutorado de Jorge Bria no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em seu trabalho, Bria (2001) discute ideias matemáticas que podem ser modeladas por meio de grafos, apontando possibilidades para sala de aula. Após essa pesquisa, percebemos uma tímida ampliação da Teoria de Grafos enquanto campo de pesquisa para a Educação Matemática.

Na pesquisa de Muniz Junior (2007), foram discutidos tópicos como Ciclos Eulerianos, Problemas do Caminho Mínimo e Problema do Caixeiro Viajante. Seu desenvolvimento se deu em oficinas com alunos de terceiro ano do Ensino Médio que regressavam à escola no contraturno para participar de oficinas que duravam aproximadamente 90 minutos. Assim, as conclusões do trabalho apontam para uma validação da introdução da Teoria dos Grafos no Ensino Médio. Em Malta (2008), foi explorada a metodologia da Resolução de Problemas. A dinâmica proposta pela pesquisadora foi desenvolvida com uma turma de segundo ano de Ensino Médio, durante suas aulas de matemática. Por também se tratar de um Mestrado Profissional, juntamente com a dissertação, foi concebido um produto final com uma sequência de oito aulas onde são discutidos temas como: a história da Teoria dos Grafos, as formas de representação de um grafo e aspectos relacionados a Caminhos Eulerianos e Hamiltonianos. Deggeroni (2010) objetivou apresentar a Teoria dos Grafos a alunos do Ensino Médio, mas por meio de problemas de percurso. O pesquisador optou por introduzir este tema a partir de problemas sobre serviços de coleta de resíduos sólidos, de entrega de gás, de manutenção de rede e de distribuição de energia elétrica. As atividades também foram desenvolvidas no contraturno dos alunos integrantes, que dessa vez participaram da oficina no ambiente do Laboratório de Matemática da escola-campo.

O Projeto Fundão, do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IM/UFRJ), também tem grande contribuição no que diz respeito ao ensino da Teoria dos Grafos. Um dos quatro grupos do projeto, coordenado pela professora emérita Maria Laura Mouzinho Leite Lopes, dedicou-se ao estudo até 2010. O material produzido por esse grupo (LOPES, 2010) é composto por quinze atividades que foram pensadas no Instituto de Matemática, testadas com a participação dos multiplicadores e estagiários e analisadas por toda a equipe.

No Espírito Santo, durante a fase inicial da pesquisa de iniciação científica (2012), tivemos a oportunidade de consultar, por meio de questionário, noventa e quatro docentes do Ensino Médio para identificar conhecimentos e experiências em relação à Teoria de Grafos. Os resultados mostraram que setenta e dois professores (76,59%) nunca estudaram Teoria de Grafos, oitenta e dois (87,23%) nunca trabalharam esse conteúdo em suas aulas e quarenta e nove (52,13%) sequer sabiam que este conteúdo figura no currículo estadual. É importante destacar que alguns dos professores que responderam positivamente às perguntas do questionário estavam confusos entre o termo “grafos” e “gráficos”. Dessa forma, a quantidade de professores que não estudaram Teoria dos Grafos em sua formação inicial, por exemplo, pode ultrapassar três quartos da quantidade de entrevistados para a pesquisa. Considerando esse cenário, realizamos nos anos de 2012 e 2013 oficinas que atenderam a alunos de Licenciatura em Matemática e a professores da Educação Básica, totalizando 183 participantes. Assim, continuamos defendendo a Teoria de Grafos como um campo propício para pesquisas da área de ensino, no contexto da Educação Matemática.

Desde o início da iniciação científica, registramos o desenvolvimento de três pesquisas sobre ensino de grafos por professores do Espírito Santo: a de Gualandi (2012), que se propôs a introduzir o conteúdo de grafos de modo integrado aos conteúdos de matrizes e análise combinatória no terceiro ano do Ensino Médio; a de Souza (2014), que apresenta aspectos históricos relacionados aos grafos Hamiltonianos, a modelagem do Icosian Game e do Passeio do Cavalo no tabuleiro de xadrez e um estudo de condições suficientes para um grafo ser Hamiltoniano; e a de Teixeira (2015), que analisou significados produzidos acerca de uma proposta para ensino de Teoria de Grafos.

A primeira pesquisa realizada no Espírito Santo (GUALANDI, 2012) foi desenvolvida em uma escola particular da cidade de Cachoeiro de Itapemirim, na forma de oficinas oferecidas em horário extraclasse. Por também se tratar de um Mestrado Profissional, elaborou-se um roteiro de oficina para servir como orientação metodológica na introdução da Teoria dos Grafos na Educação Básica. Já a segunda (SOUZA, 2014) foi realizada a partir de oficina de 90 minutos, ofertada durante um evento da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em que participou um grupo de vinte alunos do primeiro ao terceiro ano de ensino médio, acompanhados de três monitores do curso de Matemática da instituição. A pesquisa de Souza (2014) integra um conjunto de vinte pesquisas sobre ensino de Teoria de Grafos, defendidas em todo país somente no ano de 2014, no contexto do Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (ProfMat).

Quadro 1 – Dissertações do ProfMat sobre Teoria de Grafos, apresentadas em 2014.

Título Autor Instituição

Grafos, a Fórmula de Euler e os Poliedros

Regulares Adriana Priscila de Brito UFRPE

Introdução à Teoria de Grafos Gildson Soares de Melo UFPB Grafos Eulerianos e aplicações em sala de aula Célio da Silva Cardoso UFSJ

Teorema de Euler para Grafos Planares Luis Anselmo dos Santos

Vasconcelo UFS

Modelagem e resolução de problemas por meio de

Grafos: aplicações no Ensino Básico Jose Fabio de Araujo Lima UEFS Grafos como ferramenta para o ensino de

Matemática: problemas, definições, matrizes, divisores, voos e afins - abordagem para os

ensinos fundamental e médio.

Tiago Miranda de

Magalhães UFBA

Uma abordagem para o ensino de teoria dos grafos no Ensino Médio

Victor Emanuel Pinto

Guedes UFJF

Um estudo introdutório da Teoria de Grafos

através de Matrizes Diego Rodrigues Gonçalves UNESP Possibilidades em grafos hamiltonianos Michel Guerra de Souza UFRJ

De grafos a emparelhamentos: uma possibilidade viável de encantar-se com a

matemática

Verônica Craveiro De

Santana Ferreira UFS

Algoritmo guloso Camila Mendonça Morais UFRPE

Combinatória revisitada: uma introdução à teoria de Ramsey

Paulo Cesar Sampaio

Atividades de modelagem matemática envolvendo a Teoria dos Grafos no Ensino Médio

Andréia Araújo de Farias

Aquino UEM

Teoria dos Grafos e aplicações Audemir Lima de Souza UFAM Fórmula de Euler no plano e para poliedros Henrique Alves de Melo UFC

Métodos de contagem Luis Rodrigo D’Andrada

Bezerra UFPB

O Teorema das Cinco Cores Divalde Luiz Frois Junior UFSJ Uma abordagem da Teoria de Grafos no Ensino

Médio Rone Mauri UFES

Matrizes: propostas de aplicação no ensino médio Marta Aparecida Ferreira de

Oliveira Britto UFJF O Teorema de Ramsey e outros

resultados de combinatória que não são de contagem

Gustavo Adolfo Martins

Jotta Soares IMPA

Fonte: Banco de dissertações do ProfMat, 2014.

A terceira pesquisa realizada no Espírito Santo que incorporamos a nossa revisão de literatura é a de Teixeira (2015). Desenvolvida no programa Educimat, a pesquisa tomou a resolução de problemas como procedimento metodológico de ação e como método de análise o Modelo dos Campos Semânticos, com propósito de analisar a produção de significado de alunos da Licenciatura em Matemática durante uma oficina no Laboratório de Práticas de Ensino Integradas (LPEI).

Durante o levantamento bibliográfico realizado, percebemos que, por se tratar de um tema com conexão com poucos tópicos da matemática do Ensino Médio, é quase unânime a estratégia de se realizar pesquisa no turno oposto ao dos alunos. Reconhecemos as contribuições dessas pesquisas no sentido de legitimar e apresentar discussões sobre a introdução da Teoria dos Grafos no Ensino Médio. Contudo, acreditamos que para se pensar metodologicamente no ensino de um determinado conteúdo matemático, urge que a pesquisa faça parte do planejamento das aulas de matemática, em horário regular, e é também nesse sentido que nossa pesquisa se difere das demais apresentadas.

2 SEGUNDA PONTE: O USO DE HISTÓRIA NO ENSINO DE MATEMÁTICA

Uma reflexão sobre a utilização da História na Educação Matemática nos conduz a uma escolha teórica. Os pontos de vista são variados e dependem da visão que cada professor e pesquisador tem da História e dos valores que estão presentes nesta metodologia de ensino. A primeira categorização referente ao uso de História da Matemática em sala de aula apresentada neste trabalho é proposta por Miguel e Miorim (2011). Estes autores organizam as investigações em: perspectiva evolucionista linear, perspectiva estrutural-construtivista operatória, perspectiva evolucionista descontínua, perspectiva sociocultural e perspectiva do Jogo de Vozes e Ecos.

A perspectiva evolucionista linear recorre à História para identificar a ordem cronológica que os tópicos matemáticos surgiram e que, consequentemente, deverão ser ensinados. A perspectiva estrutural-construtivista operatória busca, na História, conflitos cognitivos que permitam a passagem de uma etapa de construção do pensamento para outra. Essa linha de pesquisa defende que os mecanismos de passagem de um período histórico são análogos aos da passagem de um estágio genético aos seus sucessores (PIAGET; GARCIA, 1987).

Segundo a perspectiva evolucionista descontínua, a História permite reconhecer obstáculos epistemológicos e construir situações problemas para superá-los. Baseada nas ideias de Vygostky, a perspectiva sociocultural enxerga a História da Matemática como uma fonte de experiências humanas que podem ser trabalhadas em atividades didáticas de Matemática. Também comungando de ideias vygostkyanas e utilizando as perspectivas sócio-culturais, o constructo dos Jogos de Vozes e Ecos busca na História da Matemática relações “entre as vozes históricas produzidas na sistematização do discurso teórico da Matemática e as vozes dos estudantes” (MOTTA, 2006, p. 17), cujas finalidades serão expostas adiante.

A segunda classificação em relação ao uso da História na Educação Matemática, proposta por Motta (2006), é influenciada pelas perspectivas levantadas por Miguel e Miorim (2011). Nesse sentido, a autora defende que as perspectivas evolucionista linear, estrutural-construtivista operatória e evolucionista descontínua constituem a imagem da História da Matemática como “espelho” enquanto as perspectivas

sociocultural e do Jogo de Vozes e Ecos constituem a imagem como “pinturas”. Essa divisão entre as perspectivas decorre da diferenciação entre

[...] as que adotam um ponto de vista internalista e indutivista e que apresentam a Matemática como uma ciência pronta e acabada e aquelas que adotam uma visão externalista e sociocultural e buscam compreender o conhecimento matemático como uma manifestação significativa das diversas culturas (MOTTA, 2006, p. 18).

Em uma terceira categorização referente ao uso de História da Matemática, Dynnikov e Sad (2007) apresentam três opções para o emprego de fontes históricas em sala de aula: de modo factual, de modo processual e como fonte de significado. No primeiro caso, a História da Matemática é utilizada para dar mais veracidade, por meio de nomes, imagens e registros. Assim, essa metodologia se apresenta de modo ilustrativo e estático, na qual a única incumbência do professor é escolher o material e preparar a exposição. A segunda forma, mais dinâmica, percebe as fontes históricas como instrumentos que auxiliam no ensino de Matemática, pois permitem que o aluno conheça o processo realizado por um Matemático para a resolução de um problema. Nesse caso, ainda não há uma transposição da história para o contexto escolar e o papel do professor é mediar e auxiliar nos registros. No terceiro modo de se utilizar de História em sala de aula, o papel das fontes históricas (primárias e secundárias) é produzir significados em meio às próprias experiências dos alunos, proporcionando, principalmente, uma ampliação da maneira com que eles entendem e lidam com a Matemática. Nesse caso, o professor precisa intensificar o dinamismo e os ecos produzidos pela voz de autores nos alunos.

Acreditamos que a História da Matemática é uma rica fonte de experiências e produções humanas, que oportuniza um diálogo entre práticas atuais e fontes históricas, conforme previsto nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio:

A utilização da História da Matemática em sala de aula também pode ser vista como um elemento importante no processo de atribuição de significados aos conceitos matemáticos. É importante, porém, que esse recurso não fique limitado à descrição de fatos ocorridos no passado ou à apresentação de biografias de matemáticos famosos. A recuperação do processo histórico de construção do conhecimento pode se tornar um importante elemento de contextualização dos objetos e de conhecimento que vão entrar na relação didática (BRASIL, 2006, p. 86).

Para atender às diretrizes apresentadas acima, nossa prática será orientada pela Teoria do Jogo de Vozes e Ecos, elemento comum entre as perspectivas

sociocultural e do jogo de Vozes de Miguel e Miorim (2011), a concepção de pintura de Motta (2006) e o terceiro modo de utilizar a história, de Dynnikov e Sad (2007). A Teoria do Jogo de Vozes e Ecos foi introduzida, em 1996, por Paolo Boero e outros investigadores da Universidade de Gênova, na Itália. Ela busca uma participação da cultura extra-matemática para proporcionar ao estudante uma ampliação crítica de seu conhecimento. Segundo Boero et al (2001), a teoria iniciou- se com a tese de Bettina Pedemonte e Elisabetta Robotti e foi, mais tarde, ampliada com investigações e experiências em sala de aula, que originaram quatro trabalhos apresentados nas reuniões anuais do International Group for the Psychology of

Mathematics Education, nos anos de 1997 a 1999 (BOERO; PEDEMONTE;

ROBOTTI, 1997; GARUTI, 1997; BOERO et al, 1998; GARUTI et al, 1999).

Segundo Boero et al (1998), algumas expressões verbais e não-verbais representam importantes avanços na evolução da matemática e da ciência. Cada uma dessas expressões transmite um conteúdo, uma organização do discurso e do horizonte cultural desses saltos históricos. Referindo-se a Bakhtin (2008), Boero e seu grupo chamam essas expressões 'vozes'. No mesmo trabalho, os autores afirmam que o constructo teórico dos "jogos de linguagem" de Wittgenstein (1975) pode ser explorado para descrever como as potencialidades da linguagem permitem que teorias sejam construídas, descritas e discutidas.

Para ambas as correntes que compõem essa teoria, o conhecimento é concebido a partir de atividades mediadas e é resultante de ações nas quais as pessoas envolvidas se engajam. Dessa forma,

a perspectiva do Jogo de Vozes e Ecos também segue o referencial teórico de Vigotski e procura trabalhar a linguagem como sistema simbólico fundamental na mediação entre o sujeito e o conhecimento matemático por meio da interação social, com o uso das Vozes e dos Ecos por ela produzidos (MOTTA, 2006, p. 79).

Com as interações entre sujeitos, cada indivíduo é capaz de produzir um enunciado5 que se concretiza por meio de um texto, que pode ser oral, escrito ou imagético.

5 Cavalcanti Filho e Torga (2011), a partir de Bakhtin (2003), entendem o enunciado como a unidade

da comunicação discursiva. “O enunciado nasce na inter-relação discursiva, por isso que não pode ser nem o primeiro nem o último, pois já é resposta a outros enunciados, ou seja, surge como sua réplica” (CAVALCANTI FILHO; TORGA, 2011, p.1).

Influenciados pelo conceito de polifonia de Bakhtin (2008), afirmamos que todos os enunciados se constituem a partir de outro. Dessa forma, ainda que não consigamos distingui-las com clareza, há pelos menos duas vozes que compõem o discurso de um indivíduo. Segundo Fiorin (2008), esses discursos alheios podem estar inseridos no enunciado de duas formas:

 Discurso objetivado, no qual o discurso alheio é abertamente citado e nitidamente separado do discurso citante;

 Discurso bivocal, no qual não há separação muito nítida do enunciado do citante e do citado.

Além dos enunciados alheios ao discurso, é importante destacar o papel dos recursos extralinguísticos na atribuição de sentido ao discurso. Nesse viés, Wittgenstein (1975) defende uma “gramática profunda”, na qual toda proposição repousa. Essas regras gramaticais são parte da significação de um enunciado e determinam o que tem sentido e o que não tem sentido dizer (GOTTSCHALK, 2004). Portanto, durante a elaboração de enunciado, precisamos estar atentos tanto à elaboração estrutural do discurso quanto à sua aplicação em um contexto.

Boero et al (2001, p.1) afirmam que "o Jogo de Vozes e Ecos consiste na apropriação das ‘vozes’ da história por alunos (sob a orientação do professor) e da sucessiva produção individual de ‘ecos’"6, que se materializam em novos enunciados, submetidos a um contexto. Em Boero et al (1998), a hipótese e os objetivos da Teoria do Jogo de Vozes e Ecos são apresentados de forma mais clara:

Nossa hipótese geral, inicial sobre esta questão foi que a Teoria do Jogo de Vozes e Ecos pode permitir que o horizonte cultural dos alunos abarque alguns elementos que são difíceis de construir em uma abordagem construtivista de conhecimentos teóricos e difíceis de mediar através de uma abordagem tradicional. A necessidade de explorar as potencialidades que surgiram na primeira série de experimentos de ensino nos obrigou a tentar caracterizar melhor os elementos de conhecimento teórico a serem mediados, a fim de organizá-los melhor (por meio de tarefas apropriadas) e analisar a sua interiorização pelos alunos7 (BOERO et al, 1998, p. 2).

6 Tradução livre de “Il Gioco voci-echi consiste nell'appropriazione delle ‘voci’ storiche da parte degli

allievi (sotto la guida dell'insegnante) e nella successiva produzione individuale di ‘echi’".

7 Tradução livre de "Our general, initial hypothesis on this issue was that the VEG [Voices and Echoes

Game] might allow the students' cultural horizon to embrace some elements are difficult to construct in a constructivist approach to theoretical knowledge and difficult to mediate through a traditional

De acordo com Boero, Pedemonte e Robotti (1997), durante a execução de tarefas adequadas propostas pelo professor, o aluno pode fazer conexões entre a voz e suas próprias interpretações, concepções, experiências, e, dessa forma, produzir um 'eco', ou seja, uma ligação com a voz explicitada por meio de um discurso. Sendo a ação uma característica individual do sujeito, cada estudante pode produzir ecos de diferentes tipos e, por isso, torna-se necessária uma distinção entre esses ecos. Inicialmente, é preciso distinguir os ecos individuais (produzidos exclusivamente pelos alunos) e os ecos coletivos (produzidos durante uma discussão em sala de aula). Os ecos individuais, por sua vez, podem ser classificados como ecos superficiais, ecos mecânicos, ecos de assimilação, ressonâncias e dissonâncias. Os ecos superficiais acontecem quando o aluno não consegue entender a voz. Como não há apropriação do enunciado anterior, os ecos desse tipo recebem influências de outras vozes, que pouco têm a ver com o objeto descrito no discurso citado. Podemos reconhecê-los no uso inadequado de termos e expressões decorrentes da voz, nas contradições, na confusão entre conceitos, etc.

Os ecos mecânicos acontecem quando os alunos precisam repetir ou parafrasear uma voz ou a solução correta de um exercício padrão. Nesse sentido, dizemos que há um discurso objetivado que demonstra identificar as informações e o contexto no qual o enunciado está inserido, mas não há apropriação dessas informações e nem inserção no contexto do citado. O estudante não ultrapassa este nível se não for capaz de explorar o conteúdo e/ou o método transmitido pela voz, a fim de resolver um problema que difere, em certa medida, da situação inerente à voz.