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Análise final a partir do modelo dos níveis contínuos de biletramento

DIMENSÃO SOCIAL

4.8.3 Análise final a partir do modelo dos níveis contínuos de biletramento

Pela definição de Hornberger (2004) apresentada no capítulo 2, o biletramento visa a entender situações de letramento em que a “comunicação ocorra em duas (ou mais) línguas em torno da escrita” (p. 155). A autora apresenta, então, em um esquema (QUADRO 4 já discutido no segundo capítulo), o modelo dos níveis contínuos de biletramento, que visa, dentre outras coisas, a contribuir para análises de pesquisas que envolvam o biletramento. Para esta pesquisa, de acordo com o modelo de Hornberger, foram considerados três agrupamentos dos níveis contínuos: contexto, conteúdo e meios.

Situando o “contexto” em seu nível micro (local), pode-se considerar que os participantes desta pesquisa eram alunos surdos, fluentes na Libras, com aprendizagem intermediária de língua portuguesa41 escrita e em níveis iniciais de aprendizagem de inglês, também na modalidade escrita. Mesmo tendo contato com a escrita do português a todo o momento, língua nacional, os participantes não possuiam fluência nas habilidades de recepção e produção do texto escrito. Mesmo assim, há uma tentativa de romper com um letramento tradicional (autônomo), em busca de uma maior significação para os jovens alunos de 17 a 21 anos nas aulas de LI. Analisando o contexto no nível macro (global), temos que o ensino de uma língua estrangeira é de oferta obrigatória nas escolas do Brasil. Os alunos surdos da escola pesquisada, no entanto, aprendem inglês a partir de um currículo planejado para ouvintes. Não há orientações ou currículo que seja, pelo menos, adaptado ou sugestões de materiais para o ensino de LE para esse público. A escola é pública, estadual, especializada no ensino de alunos surdos, entretanto tais recursos não são disponibilizados para nenhuma disciplina.

Ainda sobre o contexto, mas no nível da escrita, considera-se que, para os alunos surdos que estão aprendendo uma língua de modalidade oral na educação básica, em uma escola especial, há o foco somente na leitura e escrita. Sabe-se da grande influência que a oralidade pode exercer na escrita, contribuindo até mesmo com modificações ao passar dos anos. Entretanto, trata-se, aqui, de uma situação específica. É importante ressaltar que o objetivo do professor não foi desenvolver a fala do aluno surdo, mesmo que houvesse alguma pretensão por parte do estudante. Todavia, aspectos da oralidade que influenciam na escrita poderiam ser discutidos.

O nível multilíngue do contexto foi o que mais se aproximou desta pesquisa, uma vez que a todo o momento a Libras, o Português e o Inglês estiveram em contato de várias maneiras. O objetivo foi o ensino de inglês, mas a todo momento, as comunicações eram feitas em Libras, recorrendo ao português para as comparações que eram possíveis, mesmo que em casos raros.

Em relação ao agrupamento “conteúdo” dos níveis contínuos de biletramento, o nível minoria foi mais considerado para esta pesquisa, visto que, de fato, como discutido no capítulo 2, os alunos participantes desta pesquisa pertencem a uma minoria linguística e cultural e, por isso, foi necessário que o professor se atentasse às

41 O termo intermediário, utilizado aqui, não foi empregado como resultado de um teste de nivelamento, mas sim, a partir de observações de interações formais e informais em LP dos alunos na escola e em redes sociais.

particularidades conferidas a esse grupo na elaboração e execução das aulas. Entretanto, as influências da dita maioria parecem estar sempre presentes, seja através dos vídeos e outras atividades, seja através das informações trazidas pelo professor. De qualquer forma, pelo menos duas culturas diferentes estavam presentes nas aulas, a dos alunos e a do professor.

Como foram consideradas as especificidades dos alunos nas aulas pesquisadas, não houve uma preocupação inicial com a escrita e forma e culta da LI, como prevê o nível literário do modelo dos níveis contínuos de biletramento. Assim, formas não- padrão, que surgiram em alguns casos durante as atividades e a produção escrita na unidade 8, foram as mais consideradas levando em conta as especificidades dos participantes e indo ao encontro do nível vernáculo, que prevê esse tipo de atitude. Para esse estímulo à leitura e à escrita, nesta pesquisa, foi considerado com mais veemência o nível contextualizado, ainda no agrupamento “conteúdo”, pois as estruturas linguísticas, na maioria das vezes, foram ensinadas a partir de um contexto.

O agrupamento “meios” dos níveis contínuos de biletramento traz a possibilidade de os alunos serem expostos à aprendizagem simultânea de duas ou mais línguas. No caso desta pesquisa, os alunos, que ainda estão em processo de aprendizagem de sua L2, português, começam a aprender uma LE, ou L3, o inglês. Entretanto já possuem fluência em sua L1, a Libras. Hornberger (2003; 2004) aponta para essa possibilidade e afirma que não é necessário que o indivíduo que possui sua L1 e está aprendendo uma L2 e uma LE, ou duas LE ao mesmo tempo, “conclua” o aprendizado de uma para se iniciar a outra.

Sobre o nível “estruturas não similares”, ainda no agrupamento “meios”, a partir dos resultados desta pesquisa é possível afirmar que os alunos não possuem conhecimento no registro escrito de sua L1, apesar de estarem aprendendo um registro escrito em uma LE. A Libras e a LI são línguas com modalidades42 distintas. Por isso, talvez se justifique a dificuldade da assimilação de muitos aspectos estruturais da língua no momento da escrita, mesmo que a ordem dos vocábulos em Libras, em alguns casos, influencie a ordem das palavras nas frases em LI. Entretanto, no momento que o aluno estava escrevendo em LI, a Libras não necessariamente apresentava influência na escrita das palavras, mas sim na compreensão de sentidos e discussões sobre o que estava sendo escrito. Por outro lado, há certas semelhanças entre a L2 dos alunos e a LE que

42

De acordo com Gesser (2009), as línguas de sinais são consideradas vísuo-espaciais e, as línguas orais, oral-auditivas.

está sendo aprendida, em relação a algumas palavras, por exemplo, mas uma estrutura divergente de maneira geral. Todavia não foram percebidas muitas influências diretas do português na escrita do inglês. Tal observação deve-se à metodologia utilizada em sala de aula, por exemplo: os alunos puderam consultar o caderno, utilizaram o Google Tradutor e tiveram ajuda do professor na produção escrita.

Relacionando, assim, o contexto, o conteúdo e os meios, pode-se perceber, de fato, um continuum, ou seja, elementos que a todo momento se encontram e estão relacionados entre si, conforme mostra a Figura 27 abaixo:

Figura 27 – Níveis contínuos de biletramento

Fonte: Elaborado pelo autor.

O modelo de Hornberger (2004) pressupõe esta percepção do pesquisador em relação a elementos que estão imbricados e que precisam de destaque para que se compreenda melhor o contexto pesquisado. Na figura acima, como se pode perceber, não foram incluídos todos os elementos apontados anteriormente, mas sim, aqueles que melhor se relacionaram com o modelo dos níveis contínuos de biletramento. Não se trata, portanto, de um esgotamento desta pesquisa através de uma figura, mas ela ilustra a complexidade de uma pesquisa qualitativa e de uma pesquisa-ação especificamente, onde tantos elementos complexos se encontram.

Contexto, Conteúdo e Meios Minoria linguística e cultural Registro escrito da Libras e LI divergentes Escola pública especial Aprendiza- gem simultânea de LI e L2 Ensino da modalidade escrita de LI Ensino de LI contextuali -zado Interação multilíngue Escrita não-padrão conside- rada

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APÍTULO

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