• Nenhum resultado encontrado

R EFERENCIAL T EÓRICO

2.7 Resistências e conquistas na educação e no ensino de leitura e escrita de línguas orais para alunos surdos

2.7.3 Conexões além de palavras e sinais

A justificativa da importância de surdos aprenderem a ler e a escrever não difere muito daquela apresentada para ouvintes. Crianças surdas utilizam a escrita, por exemplo, para organizarem informação, interagir, dentre outras coisas (SCHIRMER; WILLIAMS, 2011).

De acordo com Pereira (2009), necessidades como conhecimento de mundo para contextualizações de diversos textos são tão importantes quanto para qualquer outro aluno. A autora afirma que, nesse caso, a língua de sinais desempenha um papel muito importante, pois é “através dela que os alunos surdos poderão atribuir sentido ao que leem, deixando de ser meros decodificadores da escrita” (PEREIRA, 2009, p. 49).

No entanto, como acontece de maneira geral, muitos surdos são ensinados apenas a decodificarem a escrita, identificando letras, sílabas, sem ser dada muita importância aos usos sociais da escrita (PEREIRA, 2009), ou seja, ao aluno surdo é apresentada apenas a visão de letramento autônomo (STREET, 1984), individual (SOARES, 1998) ou operacional (LANKSHEAR, SNYDER e GREEN, 2000), conforme visto anteriormente. Como resultado disso, ainda de acordo com Pereira

(2009), muitos surdos, apesar de conseguirem identificar significados isolados de palavras, e de “usar as estruturas frasais trabalhadas, não conseguem fazer uso efetivo da língua, não se constituindo como sujeitos de linguagem” (PEREIRA, 2009, p. 49).

Segundo Quadros (1997), “parece que o processamento da leitura na L2 ocorre de forma semelhante ao processamento da L1” (p. 94). A autora também menciona a importância do contato com textos escritos por surdos ainda na fase pré-escolar. Ela afirma, no entanto, que

o ensino da língua portuguesa para surdos sempre foi baseado no processo de alfabetização de crianças ouvintes. Os resultados desse tipo de ensino, indiscutivelmente, são considerados um fracasso: constata-se que a criança surda não atinge o domínio da língua portuguesa, a língua “ensinada” oralmente e graficamente durante todo o período em que a criança fica dentro da escola. (...) A língua portuguesa é a L1 de crianças ouvintes brasileiras e, necessariamente, deverá ser ensinada de forma diferente para crianças surdas que a adquirirão como L2. Além do fato de a língua portuguesa não ser a L1 do surdo, há a questão da diferença na modalidade das línguas (QUADROS, 1997, p. 111).

É importante considerar, como lembra Quadros (1997), que são línguas de modalidades diferentes. Enquanto a L1 do surdo é visual-espacial, a L2 é gráfico-visual. Quadros (1997) afirma que o professor de Português como segunda língua para surdos (PL2) deve ser um mediador, a fim de que o aluno perceba a importância social de se usar sua L2 e, para que haja essa mediação será necessária uma comunicação pela língua de sinais para que o processo não se comprometa. Vários autores ressaltam a importância do uso da língua de sinais no ensino da leitura e escrita de L2 para surdos (QUADROS, 1997; PEREIRA, 2009; MARSCHARK; WAUTERS, 2008; MAYER; AKAMATSU, 2011). Marschark e Wauters (2008) afirmam que “crianças surdas que possuem as melhores habilidades de escrita são aquelas que foram expostas ainda cedo tanto à língua de sinais, quanto à sua L2, modalidade escrita” (p. 315).

De acordo com Marschark e Wauters (2008), muitos alunos surdos apresentam mais dificuldades em realizar inferências textuais do que os ouvintes. Os autores apontam uma “relação entre a habilidade de realizar inferências ao vocabulário e conhecimento de mundo dos alunos” (p. 335). Eles ainda argumentam que tal fato se relaciona com os materiais aos quais esses alunos são expostos. As dificuldades são apontadas pelos autores, mas as possíveis causas são também elucidadas:

Grande parte dos esforços dedicados em melhorar as habilidades de leitura e escrita de crianças surdas acontecem através de estratégias que funcionam para crianças ouvintes, mesmo sendo aparente que crianças surdas e ouvintes possuem experiências e especificidades de aprendizagem muito diferentes. Obviamente, esses esforços não funcionam muito bem, e a maioria das crianças surdas ainda progride muito mais lentamente do que as crianças ouvintes na aprendizagem de leitura. (...) Os alunos surdos quando saem da escola estão em desvantagem consideravelmente maior em relação aos alunos ouvintes. Ao mesmo tempo, há claramente muitos surdos adultos e também crianças que são excelentes leitores e escritores (MARSCHARK; WAUTERS, 2008, p. 339).

Mayer e Akamatsu (2011) argumentam que, pelo fato de os surdos não encontrarem acesso à língua oral, há fundamentalmente algumas diferenças na escrita e em seu processo de aprendizagem. Entretanto, é importante ressaltar que essas diferenças, ou limitações, não estão relacionadas à surdez em si, mas (1) ao acesso tardio à Libras, (2) ao fato de a aprendizagem da escrita ocorrer em uma L2 e (3) nas práticas pedagógicas ineficientes pelas quais os surdos historicamente passaram. Fernandes (2007) defende que

será possível que alunos surdos leiam e escrevam com autonomia e tornem-se letrados sem necessariamente aprender o som de cada letra, já que serão as palavras (e não os fonemas, letras e sílabas) seu ponto de partida para apropriação da língua. O percurso de acesso ao sistema de escrita trilhado pelos alunos surdos se realizará por caminhos visuais, em que os sentidos apreendidos do texto serão mediados pela língua de sinais (p. 5).

Percebe-se, assim, que há algumas diferenças no processo de aprendizagem de leitura e escrita pelo aluno surdo em relação ao ouvinte. Diante dessas diferenças, há a necessidade de se pensar em outros caminhos possíveis para se atingir o objetivo pretendido. De acordo com Goldin-Meadow e Mayberry (2001), “a língua (seja oral ou de sinais) é inerente ao ser humano. A leitura não. A leitura não acontece naturalmente para todos os indivíduos que vivem em uma mesma comunidade – ela deve ser ensinada” (p. 227). Conforme discutido aqui, há a possibilidade de o aluno surdo se tornar um ótimo leitor e escritor se todo o ambiente educacional contribuir para esse processo, de preferência, desde a infância.

Se o processo de aprendizagem de uma L2 do aluno surdo (escrita de uma língua oral) é ainda algo que está em construção, os estudos sobre o ensino de uma LE,

também na modalidade escrita, mesmo ainda sendo poucos, merecem também atenção, já que é o foco desta pesquisa. É o que será discutido a seguir.