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R EFERENCIAL T EÓRICO

2.7 Resistências e conquistas na educação e no ensino de leitura e escrita de línguas orais para alunos surdos

2.7.1 Minoria e resistências

Kyle (1999) explica que por mais de 200 anos na Europa e, consequentemente em diversas partes do mundo, a maioria ouvinte ainda denigre a minoria surda, sua cultura e sua língua. O autor menciona uma visão médica/religiosa que possui a intenção de tratar e salvar: “o trabalho é bem sucedido quando não há surdez, quando as crianças surdas não aparecem e quando a criança surda está funcionalmente integrada na maioria” (p. 16). Ainda de acordo com Kyle (1999), muitas pessoas ouvintes possuem o pensamento de que há um serviço que precisa ser prestado ao surdo: o ensino de sua

língua oral. Já o surdo tem uma noção de língua diferente, em sua maioria eles entendem língua como um elemento primordial de sua comunidade, sem o desejo de impô-la ou ensiná-la para outros grupos e culturas.

No Brasil, mesmo que haja alguns reconhecimentos legais sobre as minorias linguísticas (ALTENHOFEN, 2013) e a oficialização da Língua Brasileira de Sinais (Libras) (BRASIL, 2002), há ainda muitos esforços, especificamente em relação à educação dos surdos brasileiros. Segundo Altenhofen (2013),

De 07 a 09 de março de 2006, realizou-se na Câmara dos Deputados, em Brasília, o Seminário de Criação do Livro de Registro das Línguas, promovido pelo IPHAN, Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados e IPOL. O Seminário, motivado por uma petição da comunidade de falantes de talian, reivindicando o reconhecimento de sua língua como “patrimônio cultural imaterial do Brasil”, reuniu falantes de seis línguas brasileiras (nheengatu, guarani- mbya, gira da tabatinga, hunsrüsckisch, talian e libras), que deram seu depoimento de como é ‘ser brasileiro em outra língua que não o português’ (ALTENHOFEN, 2013, p. 110).

De acordo com Altenhofen, a partir desse seminário, foi criado um Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística (GTDL), para estudar e elaborar as propostas feitas no Seminário. As conclusões foram apresentadas em 2009. Então, em 2010, foi instituído o Inventário Nacional da Diversidade Linguística. A partir desse momento, outras línguas passaram a ganhar espaço no cenário brasileiro com um pouco mais de destaque. O GTDL também dividiu as línguas minoritárias em seis grupos: 1) línguas indígenas; 2) variedades dialetais da língua portuguesa; 3) línguas de imigração; 4) línguas de comunidades afro-brasileiras; 5) línguas brasileiras de sinais; 6) línguas crioulas (ALTENHOFEN, 2013, p. 111).

O plural “línguas brasileiras de sinais” deve-se ao fato de se encontrar no Brasil, além da Libras, a Língua de Sinais Kaapor Brasileira, utilizada por uma tribo indígena no sul do Maranhão (ALTENHOFEN, 2013). Entretanto, mesmo diante de tais avanços, há uma necessidade de “acompanhamento de ações e de promoção efetiva do plurilinguismo e das línguas minoritárias” (ALTENHOFEN, 2013, p. 113). Há uma necessidade de um debate atual mais comprometido com a cultura e língua das pessoas surdas no Brasil através da criação de políticas linguísticas e educacionais realmente comprometidas com um desenvolvimento humano e intelectual:

(...) trazer para o debate nacional a necessidade de uma política linguística que, ao assumir a educação bilíngue para surdos como meta, respeite a comunidade surda como minoria linguística e cultural, reconheça seus direitos linguísticos e combata as práticas ouvintistas e as políticas hegemônicas que ainda persistem na educação de surdos e que parecem querer ocultar a diferença a partir de uma suposta luta pela igualdade (LOUREIRO, 2007, p. 164 apud MAHER, 2013, p. 127).

Vimos, no início deste capítulo, que a Pedagogia Crítica, de acordo com Menezes de Sousa (2011), traz uma perspectiva onde todos são iguais e, portanto, não há porque relevar as diferenças, mesmo porque elas “não existem”. Já o letramento crítico pressupõe uma leitura da sociedade além do senso comum, levando-nos a compreender que para aqueles que vivem em outro contexto, há outra verdade que pode ser diferente da nossa. Para o LC, portanto, a igualdade é entendida como justiça social. É nessa perspectiva que é vista a minoria linguística e cultural em que o surdo está inserido. O desejo é por um espaço justo socialmente, com a garantia de acesso educacional de qualidade e de boas condições de vida sem mais retomar às opressões anteriormente vividas, uma perspectiva que se coaduna, portanto, com as propostas do LC.

Mesmo sendo um grupo de minorias, os surdos ainda possuem outras identidades relacionadas à sua cultura surda. Garcia (1999), pesquisadora norte- americana, menciona que

é ainda comum para um surdo que é branco perguntar a um surdo de cor ‘O que você é primeiro? Você primeiro é surdo? Ou você é negro primeiro e depois surdo?’ Esse tipo de pergunta resulta na resposta cada vez mais ouvida dos surdos afro-americanos de que eles são surdos e negros. Eles não podem negar sua cor ou sua surdez porque ambas estão sempre com eles. Eles lembram aos outros que a surdez é invisível até que você comece a se comunicar – usando os sinais com os outros, ou escrevendo ou tentando falar com aqueles que não conhecem a língua de sinais. Entretanto, a cor da pele é saliente. Todos a veem, mesmo aqueles que fingem não perceber, serem cegos à cor. As pessoas veem um homem negro descendo a rua, não um homem surdo e reagem primeiro à cor da pele não à surdez (p. 155).

Garcia (1999) explica que as perguntas feitas acima, podem ofender os surdos de cor. Tais questionamentos acontecem porque há, dentre os próprios surdos, aqueles que acreditam que se uma pessoa é surda e negra, por exemplo, consequentemente ela pertence a dois grupos distintos, podendo ser, portanto, pessoas não confiáveis para a

comunidade surda. No entanto, a autora também exemplifica que esses questionamentos não são feitos para os surdos brancos, por exemplo, perguntando se primeiro são surdos ou se são brancos, o que reforça uma hegemonia dentro da comunidade surda.

Assuntos como racismo, sexismo ou discriminação, segundo Garcia (1999), são evitados por muitos professores de alunos surdos. Segundo ela,

Porque há poucos exemplos de multiculturalismo com uma perspectiva surda, a comunidade dos surdos talvez hesite em abraçar o multiculturalismo porque eles não veem a si mesmo incluídos na definição de multiculturalismo. Muitos da comunidade dos surdos acreditam que as questões de diversidade cultural devem esperar até que os problemas das relações entre os surdos e as pessoas ouvintes sejam resolvidos (GARCIA, 1999, p. 160).

Tais colocações sugerem que, juntamente com as políticas públicas em desenvolvimento que se referem aos direitos dos surdos e da língua de sinais, a escola assume também um papel de grande responsabilidade perante as demandas atuais da educação, comprometendo o desenvolvimento do aluno-cidadão. Para os autores aqui debatidos, os professores de surdos, as escolas e instâncias governamentais não devem negar as diversidades culturais, suas formas de expressão e suas relações com questões raciais e outros tantos assuntos de extrema relevância social, mas que muitas vezes são omitidos na escola.