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ANÁLISE FORMAL OU DISCURSIVA: ANÁLISE DO

GRUPO FOCAL

Para a fase de construção da mensagem, ou a análise formal ou discursiva no Super

Notícia, cujos resultados serão apresentados no Capítulo 6, optamos pela análise do

acontecimento. O objetivo dessa escolha foi investigar o processo comunicativo como um todo, de modo global, a partir de uma perspectiva relacional da comunicação.

Dessa forma, a leitura proposta foi a ‘leitura do acontecimento’. Mouillaud (2012, p. 70) afirma, como destacamos no capítulo teórico, que “o acontecimento é a sombra projetada de um conceito construído pelo sistema de informação, o conceito de ‘fato’”. A esse respeito, Porto (2010, p. 47) observa que um mesmo fato pode provocar acontecimentos diversos “ou manejando a circularidade das interpretações, podemos criar fatos novos a partir de percepções e manifestações discursivas inovadoras”.

França (2012, p. 8) ressalta que “se por um lado, a vertente que trata o acontecimento como ‘narrativa do fato’ destaca – positivamente – a presença da linguagem na relação sujeito-mundo, por outro lado ela pode radicalizar uma visão construtivista, tomando a realidade como um resultado do discurso”. Em seu texto ela esclarece que é preciso (re)pensar as relações entre discurso e ação.

Quéré (2012), em seu texto “A dupla vida do acontecimento: por um realismo pragmatista”, distingue duas faces do acontecimento: o acontecimento-existencial e o acontecimento-objeto. Os acontecimentos existenciais são, segundo o autor, os contingenciais, produzidos no nosso entorno e baseados na nossa experiência, nos nossos hábitos, nossas emoções e nossas percepções. Conforme complementa, “O existencial é o que existe, o que experimentamos como existente concretamente com suas qualidades imediatas” (QUÉRÉ 2012, p. 23). Já, os acontecimentos como objetos são, segundo o pesquisador, os de consciência, de pensamento, de discurso, de julgamento, de investigação.

Como já sinalizado, para a etapa de análise de conteúdo do objeto, optamos por focalizar o acontecimento, assim, analisamos quatro exemplares do jornal Super Notícia, quais sejam: (1) o de 12 de agosto de 2013, segunda-feira; (2) o de 21 de agosto de 2013, quarta-feira; (3) o de 13 de agosto de 2013, terça-feira; e, (3) o de 17 de agosto de 2013, segunda-feira.

A escolha das notícias foi feita a partir de conversas com grupos informais ou pessoas que compravam o jornal e/ou circulavam pela Estação nesses quatro dias. A pergunta feita foi: Qual a notícia que mais lhe chamou a sua atenção hoje? Observamos que as notícias sobre crimes na comunidade e Grande Belo Horizonte (logo, o acontecimento crime) foram o de maior impacto. Dessa forma optamos por investigar as notícias policiais relacionadas às brigas de casais (os dois primeiros exemplares), ao abuso sexual (o terceiro exemplar) e ao uso de drogas (o quarto exemplar), que foram temas muito citados. Esses temas fazem parte da vida e representa um dos assuntos mais discutidos entre os leitores que frequentam a Estação Eldorado.

Para analisar as quatro notícias, seguimos os três eixos da grade proposta por Vera França (2009), na adaptação de Quéré (2005) apresentadas no capítulo teórico. Esses eixos foram assim divididos:

Eixo 1 – Identificação e descrição dos acontecimentos: os crimes noticiados, singularidade; os quadros de sentido acionados nessa constituição; o

posicionamento do produtor da notícia em relação ao acontecimento e às pessoas ligadas a ele;

Eixo 2 – O processo de narração: organização narrativa das ocorrências que constroem a trajetória (passado, presente e futuro); e situação do acontecimento em uma linha temporal, articulando-o com o passado e o futuro na construção da própria.

Eixo 3 – Configuração de um pano de fundo pragmático: percepção, a partir de quatro grupos focais, de como os leitores reagiam às notícias do dia e de como eles se posicionavam em relação a elas; e percepção sobre o dia a dia de cada um, suas histórias de vida valores, crenças, percepções de mundo e preconceitos.

Como apontado, um dos procedimentos metodológicos etnográficos utilizados foi o da formação de grupos focais. Para tanto, adotamos a definição de Gatti (2005) que explica que o trabalho com grupos focais nos permite compreender as práticas cotidianas, comportamentos, as ações e reações a fatos e eventos. Segundo ela, trata-se de um instrumento importante para conhecer as percepções, crenças, valores, hábitos, linguagem, preconceitos. Portanto, esse instrumento se insere adequadamente na perspectiva da fundamentação apresentada no capítulo teórico.

Ainda acerca do grupo focal, trata-se de “um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir e comentar um tema, que é objeto da pesquisa, a partir de uma experiência pessoal” (POWELL; SINGLE, 1996, p. 49, apud GATTI, 2005, p. 7). Nesse sentido, em nosso caso específico, selecionamos pessoas que foram abordadas comprando o jornal, na banca Agência de Notícias. O critério adotado para a seleção dos participantes era de que fossem leitores frequentes e que tivessem renda familiar entre R$ 1,200,00 e R$ 5.000,00 (classe média baixa conforme critério da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência - SAE).

Devemos salientar que muitos se negaram porque estavam atrasados (“garados” no falar mineiro) para o trabalho. No local escolhido há intensa circulação de pessoas indo e

vindo dos seus trabalhos (fábricas, escritórios, comércio, casas de família, etc.) e com pouco tempo disponível para a nossa pesquisa. Alguns marcaram e não compareceram.

Ainda conforme Gatti (2005) é recomendável que os encontros durem entre uma e três horas e tenham de seis a doze participantes. O ideal é trabalhar com menos de dez pessoas, uma vez que grupos muito grandes limitam a participação de todos os membros, as oportunidades de fala e o registro. O emprego de mais de um grupo focal amplia as possibilidades de análise. É comum usar três ou quatro grupos focais. Nesse caso a pesquisadora sugere a homogeneidade intragrupo e a heterogeneidade entre os grupos. Em síntese, deve-se buscar em cada grupo organizado algumas características comuns (quanto ao gênero social, idade, classe social, etc.) e entre grupos distintos entre si características distintas.

Quanto à pesquisa que ora relatamos, conseguimos reunir seis pessoas em três grupos focais distintos. Reunimos apenas quatro pessoas no Grupo Focal 2, em função das dificuldades relatadas. O primeiro grupo foi formado por trabalhadores de nível fundamental ou médio incompletos; o segundo grupo, composto por pessoas com nível médio completo e ainda, com curso superior ou técnico completo /incompleto; o terceiro grupo foi um grupo de gênero; e o quarto grupo, de moradores de Contagem. Em comum, todos os grupos eram de classe média baixa, mas variaram no que concerne os outros critérios sociais adotados.

O convite para participar do grupo deve ser motivador e o tema atrair a atenção dos participantes. Mas, Gatti (2005) salienta que ausências de última hora são comuns e deve ser considerado pelo pesquisador. O local da reunião deve favorecer a interação do grupo e o trabalho deve ser conduzido em círculo, ou em volta de uma mesa, de forma que todos se encontrem face a face. Para registrar as interações do grupo devem participar um ou dois relatores, que não devem intervir na fala do grupo sob nenhuma hipótese.

A Assessoria de Comunicação do CBTU (metrô) nos cedeu o espaço do refeitório do pessoal de serviço geral. Era um espaço amplo, ventilado, na própria Estação Eldorado. A lanchonete ao lado nos emprestou mesas e cadeiras. As pessoas foram colocadas em círculo, face a face. Tivemos ausências, mas procuramos convocar outros participantes entre leitores abordados na Banca Agência de Notícias.

Todas as falas dos grupos que fizemos foram gravadas em áudio. É importante ressaltar que a gravação de áudio costuma ser bastante utilizada. O videoteipe, por outro lado, pode ser utilizado, mas é considerado um meio bastante intrusivo, pois pode representar constrangimento para o participante, além das dificuldades técnicas que o método pode apresentar.

Na abertura do grupo focal, o moderador deve fazer sua auto-apresentação e, se julgar importante, deve apresentar os membros do grupo. Cabe a ele deixar os participantes à vontade, oferecendo as informações sobre a reunião, o tempo de duração e deixando bem claro que todas as opiniões são relevantes e que não há posicionamento certo ou errado, argumento bom ou ruim. Em alguns casos, é importante obter a anuência de todos e deve ser explicado sempre que a identidade dos membros do grupo será mantida em sigilo.

Na condução da dinâmica dos grupos focais, atuei como moderadora e contei com o apoio da jornalista Maria Auxiliadora Aguiar, colega da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como relatora. Procuramos deixar os participantes à vontade, realizando uma abertura que incluiu uma auto-apresentação em que expliquei do que tratava a pesquisa e que não havia certo ou errado e que todos poderiam se expressar. Como procedimento padrão, solicitei que preenchessem um termo de autorização e pontuei que os nomes deles não seriam informados, de modo a preservar a identidade de cada um. Em seguida, pedi que cada um se apresentasse ao grupo.

Vale lembrar o respeito ao princípio da não diretividade por parte do moderador. Ele deve ter o cuidado de não interferir na conversa, não fazer gestos positivos ou negativos, não emitir opiniões particulares ou conclusões. Entretanto, ele deve fazer o encaminhamento dos temas e facilitar as trocas, evitando que um integrante domine a conversação e outro não tenha a oportunidade de se expressar. Seguimos essas orientações na nossa dinâmica.