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Pereira e Adghirni (2011) argumentam que “existe um mito generalizado de que o público das mídias tradicionais – sobretudo dos jornais – se retrai” (PEREIRA; ADGHIRNI, 2011, p. 50). Na realidade, verifica-se, segundo os autores, uma queda nas receitas das mídias convencionais, sobretudo nos Estados Unidos, em função da redução no número de leitores, da falta de credibilidade dos veículos e da mudança da publicidade para os veículos web.

Com base em dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Pereira e Adghirni (2011) mostram que o cenário brasileiro continua otimista. Entre 2005 e 2009, a circulação diária de jornais no país aumentou (+17,5%), o número de títulos no mercado (+ 33,9%) e a receita publicitária (+20,5%). Tal crescimento, como constatam os pesquisadores, foi impulsionado, principalmente, pelos jornais populares Super Notícia e Extra, que figuram entre os cinco jornais mais vendidos no país. Paralelamente, o número de visitantes únicos a jornais on-line triplicou: 4.238 visitas únicas, em janeiro de 2005, para 12.782, em janeiro de 2009, e o número de assinaturas para acessar jornais via celulares dobrou no período, passando de 86.210 para 173.859.

Santos (2002, p. 7) observa que “jornalistas e jornais são rivais entre si porque concorrem em um mesmo mercado e querem espaço próprio para a venda de seu produto em que tiragens e audiências se entrelaçam”. Já Shudson (2004) faz uma diferenciação entre jornais ditos “de qualidade” e jornais populares. Os de qualidade, segundo ele, desenvolvem

jornalismo investigativo e interpretativo e os populares tabloidizam suas informações, que são mais leves, de entretenimento, de forma a atenuar linhas sociais e políticas.

Danilo Angrimani (1995) escreveu “Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa”, livro baseado em sua tese de doutorado, em que define o que sensacionalismo é a extração e exaltação da carga emotiva dos fatos e das notícias publicadas. A publicação sensacionalista é alimentado pela utilização dos fait divers (fatos cotidianos) que incluem sexo, violência e morte de forma extraordinária. As pessoas podem ficar indignadas, mas muitos se identificam com essas publicações, veem-se representados nelas, sentem-se participantes, já que usam linguagem coloquial, entre outros aspectos.

Para Angrimani, os jornais sensacionalistas funcionam como um neurótico obsessivo que apresenta ações transgressoras e supre as necessidades humanas por esse tipo de notícia, um meio libertador das pulsões dos indivíduos.

Nos populares de hoje, a violência continua como pano de fundo, mas a tendência atual tem sido o uso de linguagem simples e didática, a prestação de serviços e, surpreendentemente, a busca pela credibilidade. Observemos, a seguir, as manchetes usadas por Márcia Amaral (2006) para exemplificar sua constatação:

“Vampiro violentou 45 moças” – manchete do jornal Notícias Populares, de São Paulo, em 5 de abril de 1971

“Queda do dólar afeta o bolso de catadores” – manchete do jornal Diário

Gaúcho, de Porto Alegre, em 12 de agosto de 2005 (AMARAL, 2006, p. 9).

Segundo a pesquisadora, nos 34 anos separam essas duas manchetes, “O mercado dos jornais populares cresceu, mudou e quem só conhece o chavão sensacionalista para tratar do tema, precisa se atualizar” (AMARAL, 2006, p. 9 ). Os jornais dirigidos às classes B, C e D representam, segundo ela, um novo mercado e uma nova proposta jornalística.

No que diz respeito à nova proposta jornalística dos populares, Cristiane Brum Bernardes(2004), ao analisar o Diário Gaúcho em sua dissertação de mestrado, observou

A linguagem acessível, os textos curtos, a descrição detalhada de cenários e a narração dos fatos são características que não foram inventadas pelo Diário

Gaúcho, mas fazem parte da fórmula que identifica o gênero popular. A

ênfase no entretenimento permanece, mas a incorreção ou a invenção simples de fatos não é mais aceita como prática comum ao jornalismo popular, em especial porque esse tipo de atividade distanciava o gênero do jornalismo e foi o principal alvo das críticas e da perda de credibilidade dos antigos jornais sensacionalistas. (BERNARDES, 2004, p. 221)

Dessa forma, a autora registra a mudança dos tempos no jornalismo popular. Em seu trabalho ela questiona se é possível fazer um jornal popular de qualidade, ou, se inevitavelmente, qualquer veículo que se enquadre nesse gênero é inferior. Essa pergunta sobre qualidade nos leva a considerar a visão de Barbero (2004), aqui apresentada, de que o estigma nos impede de perceber matrizes culturais diversas das nossas. O que é qualidade para um jornal popular?

Do ponto de vista prático, Marcela Batista (2004), da Universidade de São Paulo, propõe princípios norteadores para uma publicação voltada para as classes de poder aquisitivo menor. Chama a atenção para a necessidade de “olhar o mundo com os olhos do leitor”, abrir espaço de participação, uma boa estratégia de distribuição, preço baixo e o conteúdo baseado em prestação de serviços e cidadania são as receitas do ponto de vista dessa pesquisadora .

Leda Meneses (2005) pesquisou o Agora São Paulo, que lidera as vendas do gênero na cidade de São Paulo, e verificou que, de fato, não há renovação nos jornais populares. Segundo a autora, esses jornais continuam mantendo a característica sensacionalista e sendo pouco representativos das camadas populares. Por outro lado, a pesquisadora Carine Previdello (2008) investigou o jornal popular Extra, do Rio de Janeiro, tendo observado, como Amaral, que nos jornais populares atuais há uma tendência atual de dar espaço para a atuação cidadã e prestação de serviços. Em sua dissertação de mestrado intitulada

Representação no Jornalismo Popular: a cidadania no discurso do Extra, ela destaca que,

hoje, essas publicações não podem ser classificados como sensacionalistas, nem tampouco como tradicionais, mas como intermediários entre esses dois extremos.

Os novos jornais populares situam-se numa faixa intermediária, buscando a sedução do leitor pelo apelo visual e pela velocidade dos textos mais sintéticos, priorizando a temática do cotidiano e da proximidade com o mundo de interesse do público, mas mantendo certa distância dos exageros e das fórmulas consagradas. (PREVEDELLO, 2008, p. 31)

Com efeito, Prevedello vê um processo de transformações no novo jornal popular, boa parte lançados por empresas de tradição, que já publicam um jornal de referência, ou sério. Gustavo Novo (2010) em sua dissertação de mestrado na Universidade de Brasília sobre o jornal popular Aqui-DF, constata a crescente “tabloidização” dos jornais, termo que não tem relação com o formato tabloide dessas publicações, mas com o sentido conotativo do termo. Nesse sentido, tabloide é, conforme destaca o professor da Universidade de Westminster, Colin Sparks (2000, apud Novo, 2010), aquele que prioriza esportes, escândalos e entretenimento e dedica pouca atenção a política, economia e sociedade; aquele que privilegia

a vida pessoal e privada em detrimento do desenvolvimento econômico, transformações sócias e política.

Novo (2010) ressalta também o crescente investimento das empresas de comunicação dos países emergentes na tabloidização. Ele chama a atenção para:

uma possível guinada da mídia dita séria, sob pressão da baixa vendagem ou de índices de audiência (o termo também se aplica à televisão) para uma que passa a levar em consideração, em seus critérios de noticiabilidade, padrões e valores típicos da imprensa tipicamente popular. (NOVO, 2010, p. 24)

Pelo exposto, o que percebemos no cenário nacional é que as grandes empresas jornalísticas do Brasil, de olho nos mercados emergentes das classes C e D, têm, de modo geral, investido em uma versão popular. Nessa versão, apelos visuais, manchetes atrativas, textos curtos e simplificados, sempre relacionados ao cotidiano, à vida privada, aos valores e às práticas de leitores de pouca instrução. Além disso, essas organizações, por motivos mercadológicos, têm buscado, mesmo em suas versões tradicionais, uma aproximação com os valores-notícia de interesse desse estrato social. Quem diria que isso aconteceria um dia com os prestigiados jornais de referência do país?