• Nenhum resultado encontrado

Os três últimos procedimentos que citamos podem ser enquadrados no campo da pesquisa etnográfica. A etnografia pode ser entendida como “uma descrição densa de determinada cultura, a que tem acesso o antropólogo a partir de um intenso contato com essa cultura, feito em um tipo de trabalho de campo que, por usa vez, tem a observação participante como norteadora” (LAGO, 2007, p. 49). Nesse caso, o trabalho de campo é essencial já que implica “um desenraizamento cultural, um despir-se da própria cultura e um tipo de entrada na cultura do Outro” (LAGO, 2007, p. 50). O olhar sobre o outro é o que constitui a observação participante.

Lago (2007) explica que a relação jornalismo/antropologia teve início em meados do século XX, quando a Escola de Chicago estudou o meio urbano e sua relação com a mídia, a partir de um trabalho antropológico. Posteriormente, essa relação estreitou-se e passou-se a utilizar a metodologia etnográfica nas pesquisas jornalísticas.

Para Lago (2007) tanto o jornalismo quanto a antropologia interferem nas relações sociais. Entretanto, “enquanto a Antropologia identifica como fator determinante de seu trabalho a subjetividade oriunda das relações do confronto/encontro, o Jornalismo apega-se à noção de que há uma objetividade possível no relacionamento com suas fontes” (LAGO, 2010, p. 173).

Justificamos nossa escolha por uma vivência etnográfica em uma comunidade de classe C (“nova classe média”), tendo em vista que, segundo Almeida (2003), a diferença de classe social é um dos pontos centrais de algumas etnografias de recepção brasileiras. Ela cita o exemplo de Ondina Leal (LEAL, 1986 apud ALMEIDA, 2003) que, em sua pesquisa, compara as percepções de mulheres da periferia de Porto Alegre com mulheres de classe dominante. Esse estudo mostrou que mulheres de classes populares têm concepções mais tradicionais quanto ao papel da mulher na sociedade. Nessa abordagem, a novela

reinterpretada e reelaborada de acordo com os contextos locais e o poder da mídia na construção dos valores, atitudes e estilos de vida é relativizado.

O trabalho de Eunice Durham (1977) é também citado por Almeida (2003). Durham trata as diferenças de classe social na reinterpretação dos produtos culturais. Para ela, “produtos culturais lidam com imagens símbolos e conceitos que já estavam na cultura popular ou na erudita e que são ressignificados pelo público” (DURHAM, 1977; apud ALMEIDA, 2002, p. 38).

Na vivência etnográfica que fizemos na Estação Eldorado em Contagem, optamos pela observação participante, entrevistas e diário de campo na nossa pesquisa. O objetivo era conhecer o cotidiano dos usuários de metrô da Estação Eldorado. Essa escolha se afina com o que postula Thompson (2009, p. 364-365) para a o enfoque da HP, em suas palavras:

Este momento etnográfico é um estágio preliminar indispensável ao enfoque HP. Por meio de entrevistas, observação participante e outros tipos de pesquisa etnográfica, podemos reconstruir como as formas simbólicas são interpretadas e compreendidas nos vários contextos da vida social.

A vivência etnográfica nos possibilitou um maior contato com leitores do Super que frequentam a Estação Eldorado. Como já foi dito anteriormente, a escolha desse local se justifica porque em Contagem é produzido e distribuído o jornal e na banca dessa estação está concentrada a maioria dos seus leitores, conforme levantamento observado no Capítulo 3.

Na Banca Agência de Notícias, diariamente, durante um mês, pudemos conversar com as pessoas, conhecer suas histórias de vida, suas crenças, valores, percepções, bem como pudemos acessar ideias pré-concebidas, e compreender a doxa de que compartilham. Entretanto, procuramos analisar o contexto como um todo pelo método HP – “uma ruptura com a hermenêutica da vida cotidiana” como propõe Thompson (2009, p. 364).

A observação participante foi feita na região, no período de 11 de julho a 3 de agosto de 2012. Fizemos viagens de ida e volta no percurso Centro/Eldorado e Eldorado/Centro todos os dias úteis e, inclusive, em dois finais de semana. Os horários escolhidos foram, preferencialmente, os da manhã, quando o jornal chega às bancas e pontos de venda. Também foram feitas viagens no horário de almoço, no final da tarde e à noite.

A utilização da observação participante em jornalismo esbarra no conflito objetividade/subjetividade. Algumas críticas feitas a esse método dizem respeito à necessidade de distanciamento nas relações sujeito/objeto e às relações de poder envolvidas no trabalho de campo. Para Velho (1978) uma das premissas mais tradicionais nas ciências

sociais é a necessidade de um distanciamento mínimo do objeto, de forma a garantir condições de objetividade ao pesquisador. Nessa perspectiva, é preciso que o pesquisador veja com imparcialidade a realidade, evitando envolvimentos que possam deturpar seus julgamentos e conclusões. Esse raciocínio decorre possivelmente da valorização de métodos quantitativos tidos como naturalmente mais neutros e científicos.

Travancas (1992) constata, por exemplo, que pesquisadores jornalistas estão sujeitos a uma percepção marcada pelo próprio campo. Os preceitos de objetividade, imparcialidade, neutralidade impedem qualquer aproximação. Entretanto, há muitos defensores da validade do método para pesquisas no campo da comunicação, nesse sentido, Lago (2007, p. 59) questiona:

Mas, se as discussões sobre a subjetividade (do confronto, do pesquisador, etc.) estão tão ligadas à antropologia e seu método (já que é no seu exercício que essas subjetividades são produzidas), porque tendem a ausentar-se quando o método migra para o jornalismo?

A técnica de registro de dados utilizada durante a etnografia foi o diário de campo. Foram anotadas impressões sobre o cotidiano dos pesquisados no período de 11 a 30 de julho de 2012. Utilizamos como suporte caderno de anotações e gravador. As anotações são importantes para a descrição ‘densa’ da cultura que se pretende estudar (LAGO, 2007).