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O modelo teórico dos Cultural Studies surgiu na década de 1960 no Birmingham

Centre for Contemporary Cultural Studies, na Inglaterra. Como explica Hall (2005, p. 14),

“foi nos anos 1960 que a ‘virada cultural’ começou a ter um impacto maior na vida intelectual e acadêmica, e um novo campo interdisciplinar de estudo organizado em torno da cultura como o conceito central”.

Nesse sentido, Freire Filho (2007) ressalta que a intervenção engajada dos estudos culturais, no final dos turbulentos anos de 1960, tenta situar o universo das “práticas significantes” e da “vida cotidiana” no contexto de uma teorização neomarxista dos usos da cultura na reprodução e no questionamento social. É justamente esse universo da “vida cotidiana” e das “práticas significantes”, esse aspecto particular dos estudos culturais, destacados por Freire Filho que nos interessa focar na perspectiva de uma comunidade de leitores do Super Notícia.

Os principais teóricos dos estudos culturais britânicos são Richard Hoggart, Raymond Willians, E. P. Thompson e Stuart Hall. Com os Estudos Culturais (EC), vem uma outra perspectiva de análise que nos interessa particularmente neste estudo. Eles “atribuem à cultura um papel que não é totalmente explicado pelas determinações da esfera econômica” (ESCOSTEGUY, 2001, p. 156). Os EC criticavam certo reducionismo e economicismo da perspectiva marxista, ainda reconhecendo as formulações de Marx como fundamentais para os estudos sobre a cultura, a literatura e as ideias vinculadas a esta corrente teórica. Nessa abordagem, são estudadas “as relações existentes entre estrutura social, contexto histórico e ação dos meios de comunicação” (POLITSCHUK, 2003).

Ecosteguy (2010) explica que três textos, do início dos anos 1950, são considerados base dos estudos culturais. São eles: Richard Hoggart, com The Use of Literacy (1957), Raymond Williams, com Culture and Society(1958) e E. P. Thompson com The Making of

The English Working Class (1963). A autora explica que o primeiro tem parte autobiográfica

e parte da história cultural de meados do século XX; o segundo fala da “cultura comum ou ordinária” vista como um modo de vida em condições de igualdade de existência com arte, literatura e música e o terceiro reconstrói parte da história da sociedade inglesa do ponto de vista “dos de baixo”, da classe trabalhadora.

Kellner (2001) mostra que os EC britânicos apresentam uma abordagem que evita dividir o campo da mídia/cultura/comunicação em alto e baixo, em popular e elite. Ele traz

questões de gênero social, raça e classe social, esta última, em especial, interessa-nos, para o primeiro plano dos estudos de comunicação e cultura da mídia. Para Johnson (2000), os EC têm como referência “o esforço para retirar o estudo da cultura do domínio pouco igualitário e democrático das formas de julgamento e avaliação que, plantadas no terreno da alta cultura, lançam um olhar de condescendência para a não-cultura de massas” (JOHNSON, 2000, p. 20).

Os EC admitem existir um “sistema cultural dominante” (WILLIAMS, 1985 [1958]; THOMPSON, 1963), que se manifesta e atua pela mediação dos meios de comunicação. As atitudes, costumes e usos de um grande número de pessoas são afetados por esse sistema que desestimula as manifestações culturais de grupos e classes sociais. Esse ponto diz respeito ao papel hegemônico dos meios de comunicação, definindo, com base em critérios próprios, quais as práticas culturais que devem, ou não, ser divulgadas na mídia.

Ecosteguy (2006) ressalta também que os EC se caracterizam por uma aproximação crítica à cultura contemporânea. Nesse tipo de abordagem, geralmente, a cultura é entendida como espaço de contestação e conflito e, também, de consenso e reprodução social. Reconhecem também a existência da ação social e a importância dada ao contexto, atentando- se às especificidades e às particularidades culturais articuladas a uma conjuntura histórica determinada.

Uma divisão teórico-metodológica acontece no campo dos Estudos Culturais, como constata Johnson (2000). Segundo o autor, de um lado estão os que acreditam que “culturas” devem ser estudadas em um todo e localizadas em seu contexto material, uma abordagem chamada “culturalista”. De outro lado, estão aqueles que enfatizam autonomia de formas e dos meios subjetivos de significação, uma abordagem estruturalista que privilegia a construção discursiva de situações e sujeitos. Filia-se à crítica literária, ao modernismo literário e ao formalismo linguístico.

Na primeira abordagem, estão Raymond Williams e E. P. Thompson, que falam das culturas “como formas globais de vida, ou como formas globais de luta” (JOHNSON, 2009, p. 42). Tanto Williams quanto Thompson têm como foco, ou preferência, as recriações sócio- históricas, ou de movimentos culturais, ou por descrições etnográficas, ou escritas capazes de recriar “experiências” socialmente localizadas. Nesse sentido, são essas “experiências” que, na construção desta investigação, buscamos captar no cotidiano de uma comunidade localizada em Minas Gerais (Estação Eldorado/Contagem), onde a leitura do jornal popular

Williams (1985 [1958]) critica o princípio burguês da supremacia do indivíduo, exalta a solidariedade entre as classes e defende a “materialidade da cultura”. Para Williams, argumenta Hall (2009), isso constitui o que a análise cultural deve oferecer: “Na ‘experiência’ todas as práticas se entrecruzam; dentro da cultura, todas as práticas interagem – ainda que de forma desigual e mutuamente determinante” (HALL, 2009, p. 134). Na concepção do autor, os bens culturais são fruto dos meios que, mediados pela linguagem, estabelecem relações sociais complexas.

Hall (2005) argumenta que não podemos negar as transformações nas relações globais constituída pela revolução cultural e da informação. Para ele “a cultura é agora um dos elementos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis – da mudança histórica no novo milênio” (HALL, 2005, p. 5). Assim, segundo o autor, as lutas pelo poder, hoje, são, crescentemente, simbólicas e discursivas em vez de físicas. Ao que acrescenta:

A cultura está presente nas vozes e imagens incorpóreas que nos interpelam das telas, nos postos de gasolina. Ela é um elemento chave no modo como o meio ambiente doméstico é atrelado, pelo consumo, às tendências e modas mundiais. É trazida para dentro de nossos lares através dos esportes e das revistas esportivas, que frequentemente vendem uma imagem de íntima associação ao “lugar” e ao local através da cultura do futebol contemporâneo. Elas mostram uma curiosa nostalgia em relação a uma “comunidade imaginada”, na verdade, uma nostalgia das culturas vividas de importantes “locais” que foram profundamente transformadas, senão totalmente destruídas pela mudança econômica e pelo declínio industrial. (HALL, 2005, p. 7)

Como é possível observar, na visão de Hall, da qual compartilhamos, a cultura faz parte do nosso cotidiano, do nosso mundo, das nossas escolhas. Ela tem íntima relação com o local em que vivemos, com a nossa comunidade, com os lugares que frequentamos no nosso dia a dia, com o time de futebol para que torcemos, com o que lemos, entre outros.