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CLASSE SOCIAL, CONSUMO E CAPITAL CULTURAL

A classe social, como mostramos no capítulo de análise sócio-histórica, costuma ser determinada na perspectiva econômica (renda e consumo), como é feito no Critério de Classificação Brasil (CCB) da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa – ABEP. Na nossa pesquisa, optamos por seguir a abordagem weberiana de estratificação social, em que a diferenciação é feita com base em agrupamentos de pessoas com características similares como sexo, cor e renda. Nessa abordagem é levada em conta não só a perspectiva econômica, mas a dinâmica social e política. Assim sendo, existem diferentes formas de distribuição dos bens tais como: renda (classe), a honra, o prestígio e reconhecimento sociais (status) e o poder. Cada um desses cria formas de hierarquia e diferenciação social.

O Critério Brasil é utilizado para definir classe social, como vimos. Esse critério considera em sua análise, o critério renda associado à posse de bens (geladeira, fogão, micro- ondas televisão, computador, etc.). A classificação por renda varia muito entre os especialistas e institutos de pesquisa. Segundo a SAE/PR,43 a classe média tem renda familiar entre R$ 1.541,00 e R$ 2.813,00. Para o presidente do IPEA, Marcelo Neri, a classe média baixa ganha entre R$ 1.115,00 e R$ 4.807,00. O leitor do Super que focamos se adequa mais à faixa de renda proposta por Neri, como observamos na etnografia. Esses leitores, classe média (classe C) correspondem a 55% dos leitores do jornal.

Com o grupo formado, passamos a considerar as dimensões sociais e de poder da abordagem de Weber (1999). Perguntamos sobre os hábitos valores, crenças, os símbolos de

status e poder, de pertencimento à comunidade. Do ponto de vista econômico, Weber (apud

Wright, 2006) considera as “chances de oportunidades vida” que fazem com que uma pessoa nasça em condições de vida mais privilegiada do que outras. Para ele, a esfera econômica não tem condições de criar a condição de pertencimento, capaz de gerar uma comunidade. É na esfera social que se cria esse vínculo de pertencimento.

O consumo nos remete a outras dimensões sociais, reconhecidas por Weber. Para Baudrillard (1970), como vimos no Capítulo 2, o consumo de um produto ultrapassa, modernamente, seu valor de uso ou de troca. Os bens representam uma rede de significações de muitos valores simbólicos. Obtemos status, prestígio e poder por meio dos bens que adquirimos, que consumimos. Bauman (2008) relata a transformação da sociedade de

43 Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República– SAE/PR. Disponível em:

produtores para a sociedade de consumidores. Ele fala das transformações nas relações sujeitos sociais/objeto, das relações sociais transitórias e desterritorializadas dos sujeitos contemporâneos. Descreve os vínculos de pertencimento que se organizam a partir do consumo.

Na sociedade de hoje, mais do que nunca, a pessoa vale pelo que possui, pelas marcas que adquire. É preciso ter um smartphone, um tablet, um carro japonês, uma bolsa Louis Vuitton, ou uma máquina de café Nespresso são símbolos de prestígio, reconhecimento social, status.

A situação não é diferente na classe média baixa. À medida que a renda da emergente classe média aumenta, o consumo cresce. As políticas de transferência de renda (Bolsa Família), de facilidades de crédito e incentivo ao consumo (redução do IPI para linha branca e carros) dadas pelo governo nos últimos anos, conferiram às pessoas um grande impulso para as compras. Como consequência direta desse processo, houve o endividamento desse grupo social.

O consumo de eletroeletrônicos, roupas e calçados, entretenimento, alimentos. A maioria têm celular e computador pessoal. Na vivência etnográfica, pudemos observar a casa de uma das participantes – Maria (ver Seção 5.4.2 do Capítulo 5).). Vejamos os excertos que seguem:

Júlio, 23 anos, distribuidor de bebidas – “Gosto de consumir cerveja e comprar

camisa, bermuda de marca.”

Suely, 45 anos, trabalha em atacado – “Eu gosto de comprar CD de música Gospel

e Sertanejo universitário.”

Luis, 39 anos, assistente administrativo – “Gosto de ir no utilet.”

Nos grupos focais, o assistente administrativo, Luis, disse que faz compras no “utilet” (corruptela do termo inglês outlet que significa ponta de estoque, no Brasil, relacionado à lojas com saldos de marcas de prestígio) e outro que gosta de comer no McDonald´s, marca estadunidense de fastfood e símbolo de prestígio no Brasil (informações orais

Observamos que “O carro representa um ícone de adesão à classe média” (SOUZA; LAMOUNIER, 2010, p. 33). Mas, a casa própria continua ser a maior aspiração, o sonho de consumo. Constatamos, como Souza e Lamounier (2010, p. 33), que a casa própria está entre

os ativos mais importantes, sobretudo para a classe média baixa, que vive de aluguel, conforme atestou uma de nossas participantes:

Amanda, 22 anos, estudante e promotora de vendas da TIM – “O meu sonho de

consumo é a minha casa. O cadastro do Minha Casa Minha Vida tá suspenso agora. Mas gasto com tecnologia, roupa, sapato, alimentos.”

Igualmente, a alimentação ainda aparece como prioridade no segmento de classe média baixa. Isso pode ser depreendido dos relatos que seguem:

Karla, 22 anos estudante universitária – “O que ganho é complicado porque pago

aluguel. Eu gosto muito de cumida. Eu gasto com cumida, a gente gosta de comprar essas bobagens. Hoje, tem muita novidade, não sobra pra roupa e esses trem não.”

Suely, 45 anos, trabalha em atacado e faz faxina aos finais de semana – “Eu prifiro

comprar cumida e pôr dentro de casa do que ir ao shopping.”

Luís, 39 anos, assistente administrativo – “Eu gosto muito de ir ao Mc Donald.” Paulo, 57 anos, técnico em contabilidade aposentado – “Em todas as lanchonete

aqui eu como.”

Dessa forma, a classe média utiliza seus recursos financeiros para adquirir bens de consumo de marca e valorizados pela sociedade. Esses bens permitem que o indivíduo tenha o almejado reconhecimento público, prestígio admiração das pessoas, o status de que fala Weber (2000).

Nesse sentido, Oliveira-Cruz e Ronsini (2012, p. 73) chamam atenção para o fato de que “ao reproduzir os estilos de vida, a mídia reproduz a certeza das escolhas certas – que precisam sempre ser renovadas por novas mercadorias – da inclusão no lugar que é reservado a cada indivíduo na sociedade de classes, sob o véu da liberdade da escolha de mercadorias”. Consumir, consumir e consumir é preciso para ser incluído, para ser reconhecido.

Machado (2011, p. 146) mostra o papel da mídia como mediadora entre o mundo do consumo e a construção da identidade dos jovens:

As marcas pretendem oferecer espaços para que os jovens possam, a partir de suas experimentações no consumo, criar novos cenários imaginários, códigos de identidade e modos de autoexpressão individual. É na dinâmica que envolve mídia e experiência sociocultural que as novas gerações

negociam seus sentidos de expressão no mundo, seja para reafirmar valores dominantes ou para criar novos horizontes de interação e identidades.

Assim, o consumo de marcas de valor, de grifes, não se esgota na compra do produto desejado. Na verdade, o indivíduo, especialmente o jovem, se apropria dos sentidos construídos em torno dessa marca e constrói sua subjetividade.

Como mostra Goffman (2011), o indivíduo identifica a priori a situação e os participantes, de forma a conduzir a relação (como uma encenação em um teatro) com o objetivo de passar a impressão que deseja, a sua identidade social. Adquirir bens caros e valorizados pela sociedade, como as marcas de luxo, torna-se essencial para passar a impressão de que o sujeito atingiu um outro patamar social, mudou de classe social. Um exemplo dessa situação são as mulheres que compram artigos de luxo (bolsas Louis Vuitton, roupas de grife) mesmo sem ter condições financeiras para adquiri-los, de forma a passar a impressão de riqueza e consequentemente obter prestígio e status.

Na visão de Bourdieu (1984), como destacamos, o desenvolvimento das qualidades estéticas são determinadas mais pela origem social do indivíduo do que pelo capital ou experiência acumulada. Essas qualidades são internalizadas já nos primeiros anos de socialização. Assim, quando o indivíduo acumula recursos financeiros e ascende a outro patamar social, não necessariamente ele dispõe de capital cultural como as classes mais altas. Capital cultural foi usado por Bourdieu (1984) para mostrar como os recursos não financeiros, que vem de um background familiar, permitem a mobilidade social do indivíduo como: educação, aparência, modo de falar, modo de se vestir, entre outros.