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No que diz respeito à pesquisa de recepção, Stuart Hall e seus colegas da Universidade de Birmingham são referência tanto na Europa como nos Estados Unidos e também no Brasil. Eles foram fortemente influenciados pela perspectiva de Gramsci (2001[1947]), aplicada por Richard Hoggart (1957) Raymond Williams (1958) nos trabalhos sobre cultura popular.

Os estudos sobre audiência da mídia foram desenvolvidos em grande parte com o modelo encoding/decoding (codificação/decodificação), criado por Hall na década de 1980. O autor argumenta que a pesquisa em comunicação de massa tem pensado o processo comunicativo como um circuito. O modelo emissor/mensagem/receptor, como já mostramos, tem sido criticado por sua linearidade, pela concentração no nível da troca de mensagens, pela falta de uma concepção dos diferentes momentos e a complexa estrutura de relações. São as limitações da pesquisa tradicional de comunicação (HALL, 2009).

Ainda segundo Hall (2009), é útil pensar esse processo em termos de uma estrutura mais complexa que envolve produção, circulação, distribuição/consumo, reprodução, o que seria pensar o processo como uma “complexa estrutura em dominância”. Para ele:

O processo, desta maneira, requer do lado da produção, seus instrumentos materiais – seus meios – bem como seus próprios conjuntos de relação sociais (de produção) - a organização e combinações de práticas dentro dos aparatos de comunicação. Mas é sob a forma discursiva que a circulação do produto se realiza, bem como sua distribuição para diferentes audiências. Uma vez concluído, o discurso deve ser então traduzido – transformado de novo - em práticas sociais, para que o circuito ao mesmo tempo se complete e produza efeitos. Se nenhum sentido é apreendido não pode haver consumo. Se nenhum sentido é articulado em prática, ele não tem efeito (HALL, 2009, p. 366).

Em sua concepção, uma mensagem pode ser codificada com o que chama um “significado preferencial” e ser decodificada pela audiência com um significado diferente, ou “oposicional”. Ele identifica três posições hipotéticas a partir das quais a decodificação de um discurso televisivo pode ser construído, que são: (a) posição hegemônica dominante, quando a interpretação é completa e direta, dentro do ‘código dominante’; (b) posição do código

negociado, quando se reconhece a legitimidade das definições hegemônicas em abstrato, ao

passo que, em um nível mais restrito, localizado, faz suas próprias regras; e (c) código de

oposição, quando se interpreta de maneira contrária ao significado preferencial.

A preocupação com a recepção, sobretudo a partir da implementação do modelo codificação/decodificação proposto por Hall, levou a uma revisão do espaço do consumo,

como registra Ecosteguy (2006). A pesquisadora argumenta que “ao pressupor diferentes usos e apropriações que ocorrem nesse lugar, acentuou-se a existência de um receptor com uma certa independência para interpretar as mensagens. Assim, quanto mais independente o receptor, mais fraco e frágil é o poder da ideologia” (ECOSTEGUY, 2006, p. 7). Nesse sentido, Almeida (2003) observa que, para Hall (2005), as categorias simbólicas usadas na mídia são signos e símbolos que fazem sentido porque são compartilhados pela audiência. A ênfase que coloca nas diferenças de classe social é central na análise dos estudos culturais britânicos.

A obra Everyday Television NationWide (1978) de Charlotte Brundson e David Morley exerceu também grande influência nas análises dos programas de televisão, com destaque para os gêneros populares (esportes, variedades, novelas e séries policiais). Brundson & Morley testaram empiricamente, na década de 1980, o modelo de Hall (1973) em dois episódios de um programa de TV (Nationwide da BBC). Utilizou como base do estudo as variáveis sócio-demográficas (sexo, idade, raça e classe); envolvimento em sindicatos, partidos, subculturas e contexto. Uma das conclusões dele é que a posição social não tinha correlação com a decodificação que faziam (tese contestada por outros autores). Concluiu ainda que os grupos de classes inferiores decodificavam os programas de forma diferente, conforme o vínculo que tinham com instituições e discursos.

Nessa mesma perspectiva, Brundson & Morley (1986) fizeram um estudo a respeito da recepção da televisão no contexto familiar, observando diferenças na recepção de homens e de mulheres. Seu trabalho é uma transição do modelo codificação/decodificação para a análise da audiência. O autor dá ênfase maior nas atividades dos membros da audiência.

Os estudos de recepção também foram incorporados às pesquisas latino-americanas de Martín-Barbero, Canclini e Orozco (México) que trouxeram contribuições importantes conforme constata Martín-Barbero (1980) “Toda problemática do mal falado receptor está sendo repensada radicalmente”. O autor ainda observa que é preciso abandonar o “midiacentrismo”, ou a identificação da comunicação relacionada estritamente aos meios de comunicação, ideia bastante aceita no meio acadêmico. Ele ressalta a importância de levar em conta também as relações sociais no processo comunicativo, posicionamento que aqui ressaltamos e apresentamos logo no início deste capítulo (MARTÍN-BARBERO, 2009 [1997]).

Ainda conforme o autor, os mídia estariam perdendo a sua especificidade e se integrando a sistemas de maior envergadura, como o econômico, social e político. Dessa forma, Martín-Barbero propõe falar em mediações, definindo três lugares de mediação: a

cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência cultural. Abordagem que particularmente nos interessa neste trabalho que trata do cotidiano de uma comunidade mineira, como já explicamos.

Ecosteguy e Jacks (2005) explicam que a relação entre comunicação e recepção é uma sobreposição de temas, uma vez que recepção está incluída nos estudos de comunicação. Segundo as autoras, recepção é o nome que se dá aos estudos da relação dos meios com sua audiência. Elas explicam que, no Brasil, a pesquisa em recepção inclui uma grande variedade de estudos. Nas décadas de 1950 e 1960, as pesquisas de audiência, sobretudo da televisão e do rádio, eram voltadas para o mercado e utilizavam métodos quantitativos.

Em 1970, com a implantação dos primeiros cursos de pós-graduação em comunicação no Brasil, ocorreu um aumento na investigação científica. As investigações pioneiras carregavam a influência da teoria crítica, da semiologia e da teoria dos efeitos. Mais tarde, passaram a incorporar aspectos das teorias de Pierre Bourdieu (2007 [1989]) e o conceito de hegemonia de Antônio Gramsci (1989{1987}). A maior parte dessas pesquisas eram sobre recepção de televisão.

A partir dos anos 1980, as pesquisas em recepção brasileiras começaram a se aproximar dos estudos culturais. Mais teóricos, como observam as pesquisadoras, tinham interesse na questão da ideologia dos meios de comunicação, na ligação entre a reprodução da ideologia dominante e a comunicação de massa e na existência de leituras diferentes em função da participação em classes sociais distintas.

Ainda na década de 1980, passou-se a utilizar métodos etnográficos para a pesquisa de recepção de televisão, com ênfase nas mulheres e telenovelas. Grupos focais, etnografias e entrevistas em profundidade configuraram-se como os métodos de análise mais usados em pesquisas de recepção. No Capítulo 5, explicaremos cada uma dessas metodologias.

Ao fim desse histórico, as autoras observam que apenas em 1990 foram introduzidos, de forma ainda tímida, os conceitos latino-americanos da área da recepção e dos estudos culturais nas pesquisas brasileiras.