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Para tratarmos de um jornal popular, é fundamental compreender as definições do termo popular, de cultura de massa e cultura popular. O que significa popular? O que é uma cultura popular? Quais as suas características?

Hall (2009) registrou, na obra Notas sobre a Desconstrução do Popular, a grande dificuldade encontrada na definição do termo ‘popular’, que, segundo ele, pode ter diversos significados. Uma primeira definição corresponde ao senso comum, de ‘mercado’: “popular porque as massas o escutam, compram, leem, consomem, parecem apreciá-lo imensamente” (HALL, 2009, p. 237). Uma segunda definição, mais descritiva, afirma que “a cultura popular é todas essas coisas que o ‘povo’ faz ou fez. Esta se aproxima de uma definição antropológica do termo: a cultura, os valores, os costumes e mentalidades (folkways) do povo. Aquilo que define seu ‘modo característico de vida’” (HALL, 2009, p. 241).

Para Hall, a primeira é “corretamente associada à manipulação e aviltamento da cultura do povo” (HALL, 2009, p. 237). Pode estar associada a uma visão de povo como força passiva, de ‘tolos culturais’, pensamento presente tanto nos “integrados” como “apocalípticos”, como vimos em Eco (1976). Pode, ainda, ignorar as relações do poder cultural (dominação/subordinação) quando faz contraposição com uma cultura ‘alternativa’ ou íntegra, e sugere que a “verdadeira classe trabalhadora (seja lá o que isso for) não é enganada pelos substitutos comerciais” (HALL, 2009, p. 238). A segunda definição é, na visão do autor, muito descritiva e generalista porque junta em uma só categoria tudo o que o povo faz. Ele sugere uma terceira definição:

Essa definição considera, em qualquer época, as formas e atividades cujas raízes se situam nas condições sociais e materiais das classes específicas que estiveram incorporadas nas tradições e práticas populares (...). O essencial em uma definição de cultura popular são as relações que colocam a “cultura popular em uma tensão contínua (de relacionamento, influência e antagonismo) com a cultura dominante. Trata-se de uma concepção de cultura que se polariza em torno dessa dialética cultural. Considera o domínio das formas e atividades culturais como um campo sempre variável. (HALL, 2009, p. 238)

Os Estudos Culturais Latinos (ECL) colocam, portanto, no centro do debate questões relacionadas à cultura popular e mediação, sobretudo nas abordagens de Jesús Martín- Barbero 2004, 2009 [1987]) e Néstor Canclini (1983, 1990, 2003, 2008). Dessa forma, esses pesquisadores serão especialmente considerados no trabalho.

No final da década de 1980 e início dos anos 1990, Martín-Barbero registrou um processo de construção de um novo modelo de análise, cabendo à cultura o papel de mediação social e teórica da comunicação com o popular, com a vida cotidiana, com os meios. Na obra

Dos meios às mediações (2009 [1987]), ele argumenta que: “ao se transformarem as massas

passando a mediar, isto é, encobrir as diferenças e reconciliar os gostos” (MARTÍN- BARBERO, 2009, p. 175).

A esse respeito, Ecosteguy (2006) explica que Martín-Barbero indica a formação de um novo sensorium, em função, principalmente, da larga presença da mídia na constituição da vida social contemporânea. Chama a atenção para necessidade de mudar o eixo de análise e o ponto de partida da investigação, solicitando atenção para o espaço do popular. Posteriormente, em 1998, Martín-Barbero focaliza a experiência de um espaço-mundo definido pela globalidade tecnoeconômica, social e culturalmente mais visível na cultura dos jovens. Segundo ele, tal experiência representa um novo modo de ser que reorganiza as identidades culturais, aumenta as divisões sociais e as diferenças culturais, produzindo comunidades culturais sem vínculos com memórias territoriais.

Para Canclini (2008), a noção de popular passou a ser entendida como popularidade. Uma noção condicionada ao modo como os anglo-saxões designavam a indústria da cultura e a difusão maciça segundo a lógica de mercado. Ele destaca:

‘Popular’ é o que seduz multidões. Como expliquei em textos anteriores, o que mais interessa às indústrias culturais não é formar a memória histórica e a coesão comunitária, e sim construir e renovar o contato simultâneo entre emissores midiáticos e milhões de receptores. Sob a lógica da globalização, o ‘popular’ não é sinônimo de local. Não se forma nem se consolida naquilo que o povo é ou tem num espaço determinado, e sim naquilo que lhe é mais acessível ou mobiliza sua afetividade. Os intercâmbios mundializados misturam roupas indianas, músicas africanas e latinas, rock e pop multilinguístico”. (CANCLINI, 2008, p. 94)

Seduzir multidões de receptores é, em síntese, o principal objetivo dos produtores da indústria cultural, é o que, de fato, interessa. Assim, para Canclini (2008), a globalização/mundialização, ao mesmo tempo, integra, segrega, ou exclui as culturas populares. Portanto, é preciso descobrir e pensar como as culturas populares podem sair do seu abandono local e participar ativamente do comércio global.

Martín-Barbero (2009 [1987]) explica que o rádio, o cinema e a música já nasceram populares por serem acessíveis aos não-letrados. A imprensa também “participou do outorgamento de cidadania às massas urbanas. E o fez quando se deu a explosão daquilo que conformava sua unidade, que era o círculo letrado e a ruptura com a matriz cultural dominante” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 246, sic). O que se observa, entretanto, é um reducionismo da imprensa popular, conhecida como imprensa marrom e sensacionalista, sempre associada à ignorância das massas. O autor ressalta o menosprezo, o esvaziamento de sentido político da imprensa popular e da cultura das massas:

histórias da imprensa obviamente só estudam a ‘imprensa séria’, e que quando se somam à outra, a sensacionalista ou marrom, o fazem em termos quase exclusivamente econômicos, em termos de crescimento das tiragens e de expansão publicitária. Como falar de políticas, e menos ainda de cultura, a propósito de jornais que, segundo essas histórias – não são mais que negócio e escândalo, aproveitamento da ignorância das baixas paixões das massas? (BARBERO, 2004, p. 385)

O mesmo desprezo acontece em relação aos programas populares de televisão. França (2004) explica que “esses programas costumam ser identificados com o povo real, das ruas, de condições precárias de vida, de baixa instrução e pouca sensibilidade, de traços grosseiros e instintos primários” (FRANÇA, 2004, p. 9). A esse respeito, Cunha (2005) observa que diversos movimentos da sociedade organizada têm se mostrado preocupados, indignados, com a qualidade da televisão brasileira e estão criando formas de protesto e boicote à TV. Ela cita o exemplo do “Dia Nacional Contra a Baixaria na TV”, em que os telespectadores são incitados a desligarem os seus aparelhos, encaminharem reclamações, ou debaterem sobre a situação da TV aberta. A autora constata ainda que: “uma espécie de afã de alertar, rejeitar, reagir e se distanciar do que os programas representam acomete a intelectualidade do país” (CUNHA, 2005, p. 3).

Por outro lado, Freire Filho (2012) mostra que alguns pesquisadores vinculados aos estudos culturais veem as mudanças na televisão brasileira como um avanço, uma democratização do debate público.

Alega-se que os talk shows populares enfraquecem a autoridade dos especialistas, habilitando as ‘pessoas comuns’ a expressarem diretamente suas necessidades e angústias – incluindo questões familiares e domésticas rechaçadas em geral, como ‘insignificantes’ pelo ethôs patriarcal iluminista. (FREIRE FILHO, 2012, p. 54)

O pesquisador verifica, no entanto, que há um exagerado otimismo nessa constatação de democratização da televisão, de abertura de espaço para as pessoas do povo. Na verdade, a cultura de massa continua ser mal vista pela maioria dos críticos, sempre associada à “depravação”, à “corrupção”, ao ”barbarismo”. A ideia de que o povo só quer “pão e circo”, que é desprovido de responsabilidade política ainda persiste.