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Análise interpretativa dos públicos e a construção de perfis-tipo

Capítulo III: Perfis dos Públicos e Mediações Culturais

1. Análise interpretativa dos públicos e a construção de perfis-tipo

Como foi referido nos capítulos anteriores, este trabalho acredita numa abordagem sobre uma recepção cultural múltipla e complexa. Assim, serão os factores sociais, culturais, individuais, psicológicos, históricos e físicos que acabarão por influenciar uma variedade de formas de percepcionar a arte. Os públicos são vistos como heterogéneos e dinâmicos neste processo e não como uma realidade fixa e fechada.

Este estudo tentou conhecer os públicos da cultura de uma realidade específica – as galerias de arte da Rua de Miguel Bombarda. Depois de referidos os resultados principais desta análise, chegou o momento de os interpretar.

Ao longo da análise qualitativa dos públicos das galerias de arte, foi possível determinar, à luz da informação veiculada pelas entrevistas e da observação efectuada no terreno, algumas especificidades.

Esta análise vai reportar-se unicamente às respostas das entrevistas realizadas às galerias de arte e aos visitantes das mesmas. As respostas dos não visitantes, como já foi referido, não são significativas, devido ao facto de constituírem uma amostra muito reduzida.

A juvenilidade dos públicos, os elevados níveis de capital escolar, bem como a pertença a categorias sócio-profissionais em áreas ligadas a diversos ramos artísticos, são características encontradas nestes resultados. Esta amostra parece apontar um público específico. Da mesma forma, os resultados obtidos através das entrevistas dirigidas às galerias de arte, também apontam para a existência de um público exclusivo, apesar de ter sido apontado que este público é mais abrangente na ocasião das inaugurações em simultâneo.

De acordo com o estudo, denota-se que uma grande percentagem de indivíduos tem idades compreendidas entre os 20 e os 30 anos. A juvenilidade refere-se, assim, apenas a jovens adultos, não se tendo verificado na amostra idades equivalentes a jovens como crianças e adolescentes.

Relativamente a este aspecto, têm sido muitos os estudos que indicam que os grupos jovens correspondentes às crianças e adolescentes não frequentam com muita

assiduidade as instituições culturais, somente em contextos escolares ou de visitas programadas.

David Mason e Conal McCarthy (2006), no seu estudo sobre os visitantes de uma galeria, alegam que as galerias de arte sofrem de alguma antipatia por parte dos jovens (crianças e adolescentes). Visitar uma galeria é visto como algo que será bom para alargar o conhecimento, mas não é um prazer, mas antes uma obrigação. (Mason e McCarthy, 2006). Como os autores referem, há uma espécie de barreira psicológica que dissuade os jovens de entrar em espaços como as galerias. Este factor acontece devido à dissonância entre a cultura das instituições culturais e artísticas e a cultura da identidade dos jovens. Os mais jovens, segundo os autores, não frequentam as galerias de arte devido às questões de identidade, gostos, estilos de vida e motivações, que geralmente são opostas aquilo que a instituição de arte oferece. O aspecto arquitectónico, o conteúdo exposicional, a atmosfera, o programa e o tipo de publicidade, geralmente contribuem para este sentimento de exclusão. Assim, os autores afirmam que o habitus de visitar uma instituição cultural, como fenómeno social, não é baseado na cultura da classe, mas na cultura da idade. Os autores referem ainda que ver arte, para os mais jovens, é visto como algo remoto, especial e institucional, algo que fica aparte da cultura do seu quotidiano.

Verifica-se, portanto, uma ausência de públicos mais juvenis, mas a grande maioria corresponde a uma franja da população considerada como os jovens / adultos. A observação de um público jovem (numa escala dos 20-30 anos) no universo em análise vai ao encontro dos resultados obtidos em diversos estudos sobre práticas culturais. Estes estudos demonstram como os grupos etários mais jovens reúnem um conjunto de condições que faz com que estes invistam mais nos programas culturais. Nestes grupos denota-se, talvez, a existência de uma maior disponibilidade temporal, como resultado de ausência de obrigações familiares e laborais. A consequente aposta na fruição cultural também advém na necessidade de consumo e lazer e na procura das redes sociais conviviais.

Relativamente ao género, verifica-se nos dados estudados, que as percentagens são muito equivalentes, apesar de haver uma maior predominância do sexo masculino. No entanto, perante a amostra deste estudo, que se demonstra muito equivalente, não se pretende retirar nenhuma conclusão neste sentido.

Outro elemento que ressalta neste estudo é o perfil dos entrevistados relativamente ao seu alto nível de capital escolar e a existência de profissões no ramo artístico. Às profissões referidas pode associar-se um nível de vida elevado, factor este de algum modo importante na fruição da cultura, apesar de não ser um condicionador.

Estes resultados demonstram uma singularidade dos públicos da cultura das galerias de arte. Estamos perante um público restrito de grupos socialmente favorecidos devido ao alto capital escolar e profissões elevadas na hierarquia social. Estes factores poderão significar uma maior familiaridade com o consumo cultural. Nas entrevistas aos galeristas, também estes salientaram que os seus públicos, apesar de em muitos momentos se verificar uma grande heterogeneidade, os que frequentam com mais assiduidade estes espaços são entendedores de arte contemporânea.

Contudo, não existem dados que permitam aferir o grau de conhecimento cultural e artístico (o capital cultural). Embora, os dados demonstram que estes indivíduos poderão incorporar competências culturais através do alto nível escolar e profissional.

Observou-se, igualmente, uma fatia de um público específico, estes caracterizados pelos compradores. As entrevistas ao público não contemplam nenhum comprador. No entanto, as entrevistas realizadas às galerias permitiram delinear um perfil deste tipo de público. Como foi referido estes geralmente são indivíduos com grande poder de compra não significando, porém, que tenham uma formação cultural elevada. A razão pela qual compram obras de arte terá que ver, principalmente, com os nomes dos artistas e o investimento futuro. É interessante salientar que os galeristas apontam para o facto, de hoje em dia, muitos jovens se atreverem a comprar obras de arte.

Outra das questões que ressalta nesta análise é a razão pela qual estes visitantes frequentam os espaços das galerias. Mais uma vez, denota-se uma resposta que nos remete para um público mais particular: “Gosto por Arte”.

Esta razão, “gosto por obras de arte”, reforça a ideia de um maior à-vontade nos códigos e circuitos do campo artístico por parte de uma fracção significativa desses públicos. A questão do gosto pela obra de arte aponta para uma noção de proximidade e familiaridade com os artistas expostos. As entrevistas às galerias, em alguns momentos, também parecerem ter afirmado este facto, que os seus públicos mais habituais possuem um conhecimento de arte elevado. Geralmente, conhecem o circuito ao qual o espaço de uma galeria pertence.

É possível considerar que estamos perante um cultural world, na acepção de Diana Crane. De acordo com Diana Crane (in Lopes, 2000: 332) um cultural world significa um mundo particular artístico orientado em rede, dotado de um relativo fechamento, caracterizado, precisamente, por uma grande familiaridade entre artistas e consumidores, com a assimilação comum de convenções culturais.

Denota-se que por parte dos visitantes que todos responderam que costumam frequentar outros espaços ou instituições culturais da cidade do Porto. Este dado, pode significar, mais uma vez, que estamos perante públicos habituados a lidar e relacionar com espaços culturais e artísticos. Porém, o facto de frequentarem espaços de determinadas manifestações culturais, não significa que estes sejam peritos e possuam uma relação de proximidade com os produtos culturais.

Ainda continuando a analisar as razões das visitas a estes espaços artísticos, a resposta lazer tem igualmente uma importância significativa. A questão do lazer remonta a ideia de entretenimento e pode corresponder a motivações conviviais, assentes nas redes de sociabilidade.

As galerias entrevistadas remontam para este aspecto do lazer. Quando caracterizam um público muito diverso nos dias de inauguração e tecem algumas críticas no sentido de que estes visitantes não se interessam pelas exposições, mas para verem, e serem

vistos. As entrevistas demonstram uma diferenciação entre o tipo de públicos dos dias

normais e o tipo de públicos nos dias de festa. Muitos entrevistados alegam a vantagem que existe neste evento, por forma a criar mais visitantes, outros criticam o carácter vazio que parece existir neste evento.

Megan Axelsen (2006) no seu artigo analisa o facto das galerias contemporâneas estarem a mudar os seus objectivos sociais. Refere que novos programas e estratégias estão a ser desenvolvidas, de forma a tornar estas instituições mais apelativas aos públicos que normalmente não as visitariam. Analisa sobretudo as diferenciações nas motivações dos visitantes nos eventos especiais e nas colecções permanentes. Megan Axelsen refere que os eventos especiais em galerias ou museus de arte poderão assumir diferentes formas, como os eventos nocturnos de abertura a novas exposições, eventos comemorativos, oficinas de formação para famílias e jovens, festivais, concertos, conferências e visitas guiadas. Um evento especial caracteriza-se por actividades limitadas no tempo que são posicionadas fora do ordinário quotidiano. Estes eventos têm como objectivo aproximar os públicos às

exibições e aos espaços que expõe as obras de arte, uma forma de captar e motivar os visitantes. A experiência de um evento especial, nas palavras da autora, é a oportunidade de os indivíduos se envolverem em experiências sociais (a partilha de encontros e ideias). Estes eventos motivam os indivíduos a mais tarde se envolverem em aprendizagem e educação. Axelsen considera, portanto, que estes eventos assumem um valor de entretenimento muito forte, que ao mesmo tempo, oferecem uma experiência educacional que varia em diferentes graus de subtileza.

Como João Teixeira Lopes refere, “…um actor social oriundo das camadas populares sentir-se-á muito mais desinibido quando um espectáculo se aproxima das características de festa, num espaço que pode ser considerado como o prolongamento da casa ou da rua e onde não se exigem posturas rígidas e estilizadas.” (Lopes, 2000: 61 e 62)

Neste sentido, o evento das inaugurações terá um efeito de atracção que se exerce além dos mais familiarizados com a arte e cultura. Muitos dos públicos aderem a este evento, conduzidos por uma lógica de reconhecimento do que pela do conhecimento. Neste sentido, as instituições e projectos culturais deverão responder também às exigências de lazer e fruição da sociedade de consumo contemporânea. Este poderá ser só um começo na iniciação de uma aprendizagem mais fecunda.

Como Sara Barriga e Susana Gomes da Silva (2007) afirmam: “É justamente nesta zona de cruzamento entre o lazer e a aprendizagem que residem alguns dos espaços mais promissores para o desenvolvimento de novos paradigmas de actuação, o que tem colocado às instituições culturais novos desafios e aberto oportunidades para o desenvolvimento de novas estratégias de relacionamento com os públicos, repensando e reequacionando os espaços e as formas para este encontro.” (Barriga e Gomes da Silva, 2007: 9)

Relativamente à frequência dos visitantes a estes espaços, ficou subentendido a partir da análise das entrevistas às galerias, que estes estão em maior número nos eventos das inaugurações. Coincidente com os resultados das entrevistas aos públicos, onde se verifica uma grande percentagem nas visitas mensais. Apesar de algumas respostas em outras opções, como as visitas semanais. Perante estes resultados, é possível delinear um perfil de públicos mais habitual e outros mais irregulares.

É importante ressaltar também, que algumas das galerias entrevistadas salientam uma menor frequência a estes espaços desde o ano de abertura até aos dias de hoje. Este facto demonstra a hipersensibilidade a factores extra-culturais referidos no capítulo II.

Chegou o momento de analisar a forma como os entrevistados vêem e se relacionam com os espaços das galerias. Os resultados das entrevistas aos públicos afirmam que os entrevistados consideram os espaços das galerias de arte muito democráticos. A resposta “aberto a todo o tipo de público” foi a mais significativa. No mesmo sentido, a resposta que refere estes lugares como sendo “confortáveis” também foi referida. As respostas das galerias, para este aspecto, também sugerem este tendência. Muitos entrevistados responderam que os visitantes se sentem confortáveis, porque precisamente estão habituados a estes espaços. Uma vez mais, esta análise remete para um público familiarizado com o espaço das galerias.

No entanto, também se verificaram muitas respostas ao facto de considerarem o espaço das galerias de arte “elitista”. Tal como nas respostas das galerias, algumas alertaram para o facto de os visitantes terem algum receio em entrar nestes lugares. Como foi referido no capítulo I, são muitos os autores a considerarem que os espaços culturais, como os museus e galerias de arte continuam a funcionar como fontes de identificação social e diferenciação.

Não houve oportunidade de estudar as relações que os públicos estabelecem com as obras de arte. No entanto, algumas informações provenientes das entrevistas com as galerias, apontam para a forma variada com que esta relação acontece. E como foi referido no capítulo teórico, o tipo de estilo e semântica que uma obra contém, influência, sem qualquer dúvida, uma melhor ou pior apreensão deste objecto. Alguns galeristas mencionam que se verifica que a dificuldade em aceder à obra depende largamente de obras de gosto mais difícil ou mais fácil. Visto que a realidade estudada expõe sobretudo arte contemporânea, uma arte mais desligada do real, poderá haver aqui alguma dificuldade em a recepcionar. Através da observação-participante, também se verificou que a maioria dos indivíduos, principalmente nas alturas inaugurais, exprimia muitas interrogações relativamente aos objectos visionados.

Impõe-se, no entanto, defender neste trabalho, uma autonomia da arte e dos seus códigos estéticos, mesmo os mais complexos. Não se pretende exigir aos espaços culturais que só programem exposições acessíveis. A educação dos públicos torna-se essencial para que estes possam aceder a todas as formas de arte. Todavia, como já

foi referido, esta educação não pressupõe “choques culturais” que possam ter efeitos imprevisíveis.

Um estudo conduzido por Bennet e Frow (1991) sobre as características demográficas de uma galeria de arte, demonstrou que os visitantes desses espaços constituem um grupo de elite de visitantes regulares e com uma percentagem muito baixa de visitantes jovens (adolescentes e crianças). Os autores verificam que as galerias de arte operam com uma concepção de arte mais diversa, que é geralmente apontada para um público específico. Os autores encontraram um universo de visitantes que possuíam idades superiores, que seriam bastante instruídos, com um nível de vida alto e uma origem social elevada.

É curioso verificar as similitudes deste trabalho com o estudo referido. No universo apresentado verificaram-se públicos constituídos por uma camada jovem, altamente qualificados e potenciais conhecedores das formas artísticas apresentadas. Também se verificou que esta especificidade dilui-se nos momentos das inaugurações, onde aqui terá lugar um público mais abrangente.

Será interessante analisar um esquema que agrega três categorias de públicos, concebido por João Teixeira Lopes (2003):

Figura 2: Públicos da cultura / (adaptado de Lopes, 2003: 45) H – habituais, I – Irregulares, R – Retraídos

a) Públicos habituais: são constituídos por uma pequena parte da população portuguesa. Esta fracção é muito escolarizada, qualificada e juvenilizada. Neste grupo predominam disposições estéticas muito interiorizadas. Possuem uma sintonia perceptiva intensa com os “mundos da cultura” e fazem parte dos mesmos;

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b) Públicos irregulares: neste grupo predominam os jovens. Distinguem-se não só pelo carácter episódico da sua frequência mas, igualmente, pelo cariz moderno (pouco consolidado) do seu alto capital escolar. A sua relação com a cultura traduz-se por uma recepção estética de carácter pouco artístico mais associada às indústrias ao entretenimento e aos parâmetros da “economia mediático-publicitária”;

c) Públicos retraídos: Destacam-se pelo baixo capital escolar e pelos níveis inferiores de qualificação. Movimentam-se quase exclusivamente na esfera das práticas doméstico-receptivas e de sociabilidade local.

Partindo desta análise, pode-se referir que, na amostra, se verificaram dois tipos de públicos apontados pelo autor: os públicos habituais e os públicos irregulares. Os primeiros serão aqueles que parecem estar mais familiarizados com as movimentações da Rua e dos “mundos da arte”, representados pelas galerias; Os segundos pertencem aos perfis dos visitantes que frequentam os espaços das galerias e da Rua com o intuito de lazer e entretenimento.

Relativamente aos públicos retraídos, estes não parecem estar incluídos nesta amostra, precisamente porque não manifestam o interesse em frequentar estes espaços. O alargamento dos públicos defendido neste estudo, pretende, precisamente, levar a arte a camadas da população menos familiarizadas com as manifestações culturais, para além dos outros tipos de público.

De certa forma, poderá existir uma certa homologia entre o perfil dos espaços estudados e o tipo de públicos que os frequentam. Os espaços possuem um cariz específico ora na sua estrutura da sua programação cultural, ora na sua configuração física, como nas funções que desempenham. Os públicos parecem corresponder a estas características. Esta homologia também parece existir entre o evento das inaugurações e o público heterogéneo que aí se encontra, estes movidos pela socialização e pelo carácter festivo.

Não esquecendo as palavras de Madureira Pinto (2003), mesmo quando se está perante públicos restritos, se está face uma lógica complexa carregada de diferenciações internas. Isto significa que o carácter heterogéneo dos públicos da cultura está sempre subjacente à análise aqui realizada. As formas diversificadas com que estes recepcionam a arte estão presentes neste estudo.