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Estratégias de alargamento dos públicos

“O amor à arte, não é um amor à primeira vista, mas necessita de um processo de familiaridade.” (Bourdieu; Darbel, 1991:54)9

Como foi referido, a familiarização com determinados códigos vai resultar num entendimento mais completo da obra de arte. O contacto precoce com diferentes manifestações artísticas, num contexto formal ou informal10, será bastante positivo na forma como recepcionamos as obras culturais e artísticas. Os mecanismos de percepção indicam que a aprendizagem precoce e a familiarização com certos estímulos favorecem o reconhecimento de imagens e de objectos.

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White Cube, no original. Segundo Brian O’Doherty (1986), a galeria de arte no formato de white cube promove o mito de que estamos essencialmente em espírito no espaço.

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The Love of art, in short, is not love at first sight but is born of long familiarity, no original

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Rennie; Fecher; Dierking and Falk (2003) analisam a aprendizagem for a dos contextos escolares, como os museus. Os autores afirmam: Out-of-school learning is self-motivated, voluntary, and guided by

learners’ needs and interests, so certain aspects of learning are critical to investigate, e.g., the role of motivation, choice and control, interest, and expectations in the learning process (2003: 113)

Como João Teixeira Lopes (2000) salienta, a competência artística entendida como a capacidade de expressar preferências, revela-se mais elevada nos indivíduos que foram iniciados mais cedo no mundo da arte e naqueles que através da família ou da escola tiveram essa aprendizagem.

Neste sentido, é de referir a importância da reflexão sobre as actividades educativas de forma a aproximar o indivíduo às formas artísticas.

Este estudo parte com a convicção de que a arte proporciona experiências pessoais muito elevadas. O contacto com uma obra de arte, apura a sensibilidade, a criatividade, amplia as capacidades cognitivas, afectivas, expressivas, desenvolve o poder de discriminação e amplia o sentido crítico. A arte é um meio de comunicação, de expressão e de reconstrução do próprio real que é essencial no desenvolvimento e na realização do ser humano, enquanto ser social, sensível e criativo.

É importante referir que as actividades artísticas deverão ter em atenção uma realidade heterogénea dos públicos da cultura. Se existem diferentes níveis de recepção cultural convém que estas actividades desmistifiquem uma certa ilusão de homogeneidade que muitas vezes está presente. Desta forma, as estratégias de intervenção cultural para o alargamento dos públicos têm que saber lidar com os vários níveis de recepção cultural.

Acontece que a persistência de desigualdades na recepção cultural se pode associar ao facto de muitas actividades educativas não terem presente esta heterogeneidade de recepcionar a arte. Serão muitas as actividades educativas a tentar tornar homogéneos comportamentos ditos culturais em vez de criarem um gosto original e genuíno. Muitas actividades educativas pretendem, pois, impor uma maneira correcta de receber e interpretar as obras, sujeitando a experiência estética a “choques culturais” (Lopes, 2005) que apenas contribuem para aumentar ainda mais as desigualdades na recepção da cultura.

Será necessário, desta forma, que estas actividades tenham em conta a diversidade e um conhecimento profundo dos seus públicos. Assim, estratégias de intervenção cultural direccionadas para o alargamento dos públicos não podem ignorar os vários níveis de recepção cultural.

Como João Teixeira Lopes (2000) afirma, somente os processos de aprendizagem/ familiarização, relativamente demorados e capazes de subverter as polaridades sociais, permitem alcançar resultados positivos, devendo respeitar as susceptibilidades e singularidades sociais e pessoais, isto é, a liberdade interpretativa dos públicos.

O alargamento dos públicos não deveria assumir estratégias unicamente em função de uma aprendizagem de um conjunto de regras e normas. Uma recepção cultural de valor é aquela que permite oscilar entre o mundo individual e o mundo da obra de arte. Desta forma, as actividades educativas nos contextos formais e informais, terão que ter em conta a excepção e não tratar de um público como se um todo homogéneo se tratasse. Deverão ter em conta a experiência entendida como o conjunto total de aprendizagens, emoções, sensações e vivências.

A educação é hoje uma das funções centrais dos espaços e instituições museológicas. Museus e educação são hoje realidades interdependentes. Os museus, as galerias de arte e todas as instituições culturais têm o potencial de ampliar e expandir as mentalidades dos seus visitantes.

Pierre Bourdieu foi um dos autores, em conjunto com Darbel, do estudo realizado em 1960 em França (1991) que demonstra como diferentes grupos sociais accionam diferentes práticas de consumo nos museus. Os autores analisam como os indivíduos pertencentes a classes sociais mais elevadas se encontram mais frequentemente nos museus de arte. Bourdieu e Darbel alegam que os nossos gostos, acções e escolhas possuem o poder de nos unir ou separar socialmente, (re)forçando a existência de classes sociais e o círculo da reprodução social. Os autores defendem que apesar de os Museus serem gratuitos não implica que a entrada seja opcional. Bourdieu e Darbel demonstram que a preferência de visitar um Museu poderá ser explicada pela posição social que o agente se encontra, se é ou não dotada de capital cultural.

Bourdieu e Darbel (1991) afirmam que os museus de arte têm sido um dos sectores que ajudam a propagar e manter certos mitos incontrolados. Um desses mitos será a ideia de que a grandeza da arte está agarrada a uma qualidade inata do espírito humano (o gosto é inato ao indivíduo) e não através da aprendizagem. Para os autores será este mito que continua a manter as distinções hierárquicas entre as diferentes categorias sociais.

Outra das críticas apontadas a Bourdieu aponta para esta visão monolítica e estática acerca das instituições culturais. Na verdade, tem-se verificado que os Museus têm sofrido mudanças estruturais. O crescimento de programas, estratégias de exposições e preocupações educacionais, são algumas das tentativas de rectificar as limitações sócio-demográficas na percepção da audiência (Hooper-Greenhill, 1999). Apesar de serem mudanças que Bourdieu não poderia premeditar, a sua visão é acusada de ser pouco flexível às transformações verificadas nos dias de hoje.

Eilean Hooper-Greenhill (1999, 2000) considera que de simples armazéns de objectos, os museus tornam-se lugares de aprendizagem activa. Como o autor afirma, os modelos modernistas de comunicação, baseados na transmissão de factos autoritários para uma massa de receptores passivos, têm sido substituídos por novas abordagens que incluem “audiências activas”, teorias de aprendizagem construtivas e políticas culturais complexas.11 O centro das atenções dos museus deixa de ser a colecção para ser a comunicação, na qual se integra a aprendizagem e o lazer. Como refere o autor, nos últimos tempos, os museus concebem uma visão dos visitantes mais abrangente, estes já não são vistos como uma massa homogénea e passiva, mas como indivíduos críticos, com ritmos de aprendizagem diferenciados e condições sociais e culturais específicas.

Como Teresa Duarte Martinho (2007) refere, foi a partir dos anos 80 que os museus tornaram-se mais receptivos à dimensão educativa e este facto deve-se a 3 causas principais:

a) O crescente interesse pelo conhecimento e alargamento das audiências, resultante da diminuição de meios financeiros e justificar qualitativamente a relevância social dos museus;

b) O envolvimento dos técnicos de marketing nos museus de forma a expandir a visibilidade do museu;

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Eilean Hooper-Greenhill (1999, 2000) distingue dois modelos de comunicação nos museus: a comunicação como um processo de transmissão e a comunicação como parte da cultura. A comunicação assente na transmissão é baseada na visão behaviourista de ensinar, enquanto que a teoria da comunicação cultural baseia-se numa comunicação suportada por uma aprendizagem construtiva.

c) A introdução nas escolas de novos curricula, valorizando a aprendizagem a partir da experiência dos lugares.

A aprendizagem nos museus e nas instituições culturais é hoje vista como uma participação activa do indivíduo através da interacção com os objectos e lugares. A aprendizagem passou a ser encarada como algo que ocorre ao longo de uma vida, não se restringindo apenas aos seus primeiros tempos e enfatiza-se o papel dos sujeitos na construção do conhecimento.

No entanto, há opiniões adversas: Carla Padró (2006) diz-nos que a educação que tem sido levada a cabo pelas instituições culturais de hoje, como os museus, favorecem estratégias didácticas que, por um lado, pressupõem um sujeito educado auto disciplinado e, por outro, que não reconhecem a heterogeneidade e crescente sofisticação dos públicos.

Também Vera Zolberg (1984, 1994) discute esta problemática. Como a autora refere, por um lado, os museus coleccionam e preservam obras de arte para um público distinto, por outro, nos dias de hoje, têm que lidar com uma franja de população com pouca compreensão para as belas artes. A autora crítica o facto de que a questão da educação artística não é ainda uma função legitima no seio das instituições culturais, como os museus. A educação ainda é vista como algo pertencente à formalidade da escola. A autora sugere, portanto, uma mudança na missão pública dos museus de arte.

Também Andrew McClellan (2003) afirma que foi através da sua própria experiência, ao trabalhar com crianças desfavorecidas num contexto de um Museu em Londres, que observou como a “entrada gratuita e uma programação mais liberal continua a estabelecer uma aura de exclusividade inscrita nas paredes dos museus” (McClellan, 2003: 2).12

Apesar da inclusão da função educativa nas instituições culturais, algumas das relações que existiriam nos museus e noutras instituições culturais do passado ainda

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Free admission and liberal programming still competes with an aura of exclusivity inscribed in museum’s

walls, no original. Andrew McClellan (2003) caracteriza o percurso histórico dos Museus, desde o

iluminismo até aos dias de hoje, de forma a compreender as relações que existem nos Museus de hoje em dia.

persistem nos nossos dias: a diferenciação social, a distância entre o público e a obra e o controlo sobre o exposto. Apesar da sua democratização, talvez continuem a ser espaços de distinção social.

Por esta razão, este trabalho demonstra a vontade de melhor conhecer os públicos que frequentam estes espaços e de compreender as relações que estes estabelecem com o exposto.