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Práticas de recepção cultural:os públicos das galerias de arte

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

PRÁTICAS DE RECEPÇÃO CULTURAL: OS PÚBLICOS DAS

GALERIAS DE ARTE

Rita Lobo Guimarães

MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

PRÁTICAS DE RECEPÇÃO CULTURAL: OS PÚBLICOS DAS

GALERIAS DE ARTE

Rita Lobo Guimarães

MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

Dissertação orientada pelo Professor Doutor Pedro Andrade 2009

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Agradecimentos

Agradeço a todos aqueles que me possibilitaram desenvolver o presente trabalho:

Ao Professor Doutor Pedro Andrade, pela sua orientação, conversas e discussões.

Aos entrevistados, agradeço a simpatia e a disponibilidade que demonstraram e que possibilitaram a realização deste estudo. Agradeço, especialmente, à Marina, pela disponibilidade e amizade demonstradas.

Aos colegas de mestrado pelas conversas nos bastidores ao longo deste período, em particular à Cristina que se demonstrou uma amiga neste processo.

Por último, agradeço o afecto de quem esteve sempre próximo: o Luís, a família e os amigos.

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Título da Dissertação em Português:

Práticas de recepção cultural: os públicos das galerias de arte

Resumo

O presente trabalho enuncia problemáticas e premissas que constituem uma reflexão sobre as potencialidades das instituições culturais e seu consequente relacionamento com os públicos e comunidades envolventes.

Nesta perspectiva, o tema central do estudo é a abordagem da relação entre as galerias de arte e os públicos culturais no contexto actual da cidade do Porto.

Partindo de um debate teórico sobre a noção de públicos e as suas práticas de recepção cultural, apresentam-se dados empíricos de primeira mão para a caracterização dos públicos da cultura, no caso das galerias de arte.

Entre outros pilares de construção do objecto de estudos e de apresentação de recomendações pragmáticas, destaca-se a necessidade de desenvolvimento de novos paradigmas de actuação na aproximação e relacionamento quotidianos com os públicos culturais.

Palavras-chave: recepção cultural, galerias de arte, públicos da cultura, educação,

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Título da Dissertação em Inglês:

Practices of cultural reception: the publics of the art galleries

Abstract

The present document states premises and questions that constitute a reflection about the potentialities of cultural institutions and their relationship with publics and communities.

The main subject is the relationship between art galleries and cultural publics in Oporto.

A theoretical debate about the different notions of the publics and their practices of cultural reception is followed by the presentation of the data collected concerning characteristics of this kind of public.

In the genesis of the present research we found the need for new paradigms of agency concerning the relationship between galleries and public as well as their proximity.

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Sumário

Índice de Figuras III

Introdução 5

Capítulo I: A recepção Cultural 9

1. Questões de partida sobre a recepção cultural 10 1.1. Heterogeneidade dos públicos da cultura 10 1.2. A relação entre a oferta e a procura cultural 12

1.3. A cidade e a cultura 13

2. Os contextos da recepção cultural 16

2.1. O contexto individual e social 19

2.3. O contexto da obra de arte 26

2.4. O contexto do meio 27

3. Estratégias de alargamento dos públicos 28

Capítulo II: Galerias e Públicos da Arte 34

1. Estratégias de pesquisa 35

2. Galerias de arte 38

2.1. Breve dimensão histórica 38

2.2. Os “mundos da arte” 41

3. Galerias de Arte na Rua de Miguel Bombarda, Porto 46

3.1. A Rua de Miguel Bombarda 46

3.2. As galerias de arte 50

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4. Os públicos das galerias de arte na Rua de Miguel Bombarda 66 4.1. A visão dos galeristas sobre os seus públicos 66

4.2. Os públicos 74

Capítulo III: Perfis dos Públicos e Mediações Culturais 81

1. Análise interpretativa dos públicos e a construção de perfis-tipo 82

2. O papel da mediação na aproximação à arte 88

Considerações finais 93

Bibliografia 95

(8)

Índice de Figuras

Figura 1: Método de análise 35

Figura 2: Públicos da cultura 88

Quadro 1: Públicos das galerias de arte 74

Quadro 2: Género 75

Quadro 3: Idade 75

Quadro 4: Nível de instrução / escolaridade 76

Quadro 5: Profissão / ocupação 77

Quadro 6: Frequência das visitas 77

Quadro 7: Razão da visita 78

Quadro 8: Espaço das galerias de arte 78

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“Públicos são comunidades de estranhos, efémeras e contingentes, que se formam pela convocatória de um discurso e pela apropriação reflexiva de sentido. Comunidades que, no entanto, apesar de pouco cristalizadas, assentam na possibilidade de acrescentar mundos aos mundos da vida” Lopes, 2007

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Introdução

As instituições culturais e artísticas constituem elementos fundamentais para a construção de identidades e representações das comunidades. É a partir destas que a comunicação com a obra de arte e o encontro entre a recepção e a produção cultural acontecem. Neste sentido, aquelas instituições serão lugares que deverão ser capazes de produzir instrumentos que proporcionem acesso à construção e debate do saber.

A passagem da sociedade de informação para uma sociedade de conhecimento e aprendizagem implica uma reflexão mais exigente sobre a criação de estratégias educacionais que constituam uma ferramenta essencial ao desenvolvimento individual e colectivo.

A perspectiva de conhecimento em que assenta este trabalho é a seguinte: existem diferentes níveis de recepção cultural e consequentemente a realidade dos públicos é heterogénea. Desta forma, as estratégias de intervenção cultural para o alargamento dos públicos terão que saber lidar com os diferentes contextos que demarcam a recepção cultural. Os instrumentos de alargamento do acesso às manifestações culturais, e mais concretamente à percepção das obras de arte, deverão ter em conta a excepção e não tratar os públicos como se um todo homogéneo se tratasse. As desigualdades que se encontram e interferem no acesso às várias formas de produção cultural podem associar-se ao facto de que algumas actividades artísticas e educativas não têm presente esta heterogeneidade no acto de recepcionar a arte.

Por esta razão, torna-se emergente uma mediação dialéctica entre os diferentes domínios do encontro cultural, que seja capaz de os transformar ao mesmo tempo que se modifica a si própria.

Ao partir destes pressupostos, a investigação proposta pretende constituir uma reflexão sobre os campos da recepção e produção cultural e sobre o papel da mediação na constituição de um maior relacionamento entre os diversos domínios em discussão.

Neste sentido, a investigação pretende facultar reflexões, pensamentos, dúvidas e discussão de ideias que, no seu todo, proporcionem um melhor entendimento sobre as práticas de recepção cultural e sobre os públicos da cultura. Um melhor entendimento

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sobre esta realidade constituirá um importante ponto de partida para o desenvolvimento de novos modelos mais efectivos e inclusivos de relacionamento diário com os públicos.

Mais concretamente, o presente trabalho tem por finalidade enunciar os principais resultados produzidos numa pesquisa desenvolvida sobre os públicos da cultura de um contexto específico, o contexto das galerias de arte da Rua de Miguel Bombarda.

Trata-se de uma reflexão sobre a forma como são constituídas as redes sociais diversas, as identidades culturais, simbolismos e práticas rituais e a relação complexa entre o público e a oferta cultural de um local determinado. Para tal, este estudo pretendeu analisar a composição dos públicos da cultura, conhecer as suas práticas e representações. Em particular, no que se refere às actividades incluídas na programação cultural das galerias de arte da rua considerada como o terreno empírico onde foram seleccionadas as unidades de análise pertinentes.

Partiu-se para este trabalho com um conjunto de questões que levaram ao desenvolvimento de considerações teóricas e empíricas:

Que públicos frequentam as galerias de arte? Quais os factores que levam os públicos a visitarem estes espaços? Como se caracterizam as galerias de arte? Como estes territórios estéticos perspectivam os conceitos de educação e aprendizagem? Que passos poderão ser tomados de forma a democratizar ainda mais as audiências destes espaços culturais e artísticos?

Por um lado, tornou-se pertinente delimitar as características dos públicos da cultura, bem como as especificidades das práticas de visita às Galerias de Arte (o eixo da procura cultural e dos públicos). Por outro lado, considerou-se dimensionar as potencialidades institucionais e culturais dos contextos em que se processam tais práticas (o eixo da oferta cultural e dos agentes culturais), para fixar ou formar novos públicos numa óptica de democratização da recepção dos produtos culturais.

A estrutura deste trabalho organiza-se essencialmente em três partes complementares.

O primeiro capítulo incide sobre uma reflexão teórica onde se caracterizam algumas premissas essenciais ao desenvolvimento desta pesquisa.

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No ponto 1 do capítulo I, é debatido o tema da heterogeneidade dos públicos da cultura - em termos da sua composição social, dos seus níveis de interesse, das suas competências e dos seus gostos – numa contemporaneidade onde as transformações das práticas e representações são visíveis. Ainda neste ponto, parte-se para a reflexão da dinâmica entre a oferta/ produção e a procura/ consumo cultural. Esta questão afirma a importância de conhecer ambos os domínios da cultura, visto estes se encontrarem numa relação de interdependência. Por último, este ponto vai delinear as relações entre a cidade e a cultura. Defende-se neste estudo uma intervenção cultural, por parte das políticas culturais, que vise um projecto de alargamento e educação dos públicos e que não se limite à produção de grandes eventos mediáticos ou à criação de uma imagem pública conducente a uma maior competitividade externa.

O ponto 2 (capítulo I) vai contextualizar as diferentes dimensões da recepção cultural: o contexto individual e social, o contexto das obras de arte e o contexto físico dos espaços onde ocorre o encontro com a obra de arte. Este ponto realça uma abordagem conceptual e multidisciplinar que contribua para um conhecimento mais profundo acerca da experiência estética e da recepção cultural. Começa por debater os factores que são inerentes ao indivíduo que interage com a obra de arte; factores esses que correspondem a uma série de variáveis que moldam a experiência estética: as motivações, as experiências de vida, as expectativas, o género, a idade, as emoções condições sociais e culturais, as condições históricas, etc. De seguida, caracterizam-se os factores que são inerentes à obra de arte: as características estilísticas e semânticas. Por último, reflecte-se sobre os factores relativos ao espaço físico onde o encontro estético acontece.

O ponto 3 (capítulo I) discute as estratégias de alargamento dos públicos. Aqui serão consideradas as estratégias de educação artística e cultural, tendo em conta a heterogeneidade dos públicos.

Na segunda parte deste trabalho, o capítulo II, a atenção é dirigida para a parte empírica deste estudo.

O ponto 1 (capítulo II) é dedicado às estratégias de pesquisa efectuadas nesta análise. Desenvolve-se de forma mais detalhada a constituição das várias entrevistas realizadas, bem como o posicionamento metodológico relativo ao trabalho empírico. No terreno adoptou-se uma postura de cariz “sócio-etnográfico”, de forma a apreender a profundidade da vivência cultural em estudo.

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O ponto 2 (capítulo II) procede-se a uma caracterização das galerias de arte. Neste ponto, contextualizam-se as galerias de arte no seu contexto histórico-nacional, bem como se caracterizam as redes e tipologias acerca destes espaços.

No ponto 3 (capítulo II), para além de uma caracterização geral da Rua de Miguel Bombarda, faz-se também uma apresentação individualizada das várias galerias consideradas neste estudo.

O ponto 4 (capítulo II) é dedicado à apresentação dos resultados relativos aos públicos das galerias de arte analisadas. Uma primeira parte refere-se aos resultados das entrevistas realizadas no contexto das galerias e a segunda parte apresenta os dados relativos às entrevistas efectuadas aos públicos. Como foi referido, um dos objectivos desta pesquisa foi a caracterização dos vários segmentos do público de determinadas manifestações culturais. Convém salientar que não se pretendeu através das respostas às entrevistas realizadas, confirmar certezas e estabelecer verdades conclusivas acerca dos públicos, mas antes debater uma realidade social que será pouco conhecida.

Por último, no capítulo III a tónica é colocada na análise e interpretação dos resultados obtidos.

Em primeiro lugar, no ponto 1 (capítulo III), será realizada uma análise interpretativa dos públicos observados e a construção de perfis-tipos dos visitantes das galerias de arte situadas na Rua Miguel Bombarda, na cidade do Porto.

O ponto 2 (capítulo III), centra-se na questão da mediação na aproximação dos públicos às obras de arte e às instituições que as acolhem. A noção de que as instituições culturais são locais de emancipação da sociedade constitui o fundamento que justifica a actualização da sua função educativa.

Finalmente, importa referir, que o conjunto de contributos e análises aqui efectuadas, resulta do interesse de reflectir sobre as práticas culturais, de forma a construir novos desafios e de aproximar e envolver todos aqueles que investem e acreditam no potencial transformador da cultura.

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Capítulo I: A recepção Cultural

O capítulo I corresponderá ao enquadramento teórico deste trabalho. Neste capítulo serão analisadas algumas questões de partida sobre a noção de recepção cultural, questões estas, essenciais ao prosseguimento deste trabalho. No ponto 1 é debatido o tema da heterogeneidade dos públicos da cultura, a importância da relação entre a oferta e a procura cultural e, por fim, a relação entre a cidade e a cultura. O ponto 2 contextualiza as diferentes dimensões da recepção cultural: o contexto individual e social, o contexto das obras de arte e o contexto físico dos espaços onde ocorre o encontro com a obra de arte. O ponto 3 discute as estratégias de alargamento dos públicos. Neste capítulo serão discutidas as estratégias de educação artística e cultural, tendo em conta a heterogeneidade dos públicos.

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1. Questões de partida sobre a recepção cultural

1.1. Heterogeneidade dos públicos da cultura

Reflectir sobre a recepção cultural implica, desde logo, debater sobre o conceito de públicos da cultura. Como foi referido anteriormente, é objectivo deste estudo a caracterização dos vários segmentos do público de uma determinada manifestação cultural: as galerias de arte.

Falar de públicos da cultura pressupõe uma reflexão sobre a heterogeneidade do público em geral – em termos da sua composição social, dos seus níveis de interesse, das suas competências e dos seus gostos – e pressupõe pensar tudo isto num quadro de mudança das práticas e das representações a que assistimos nos dias de hoje.

Parte-se para esta análise com a noção de que, actualmente, os públicos obedecem a uma lógica de heterogeneidade. Deste modo, não se subentende que a concepção de público seja uma realidade universal e estática, exactamente porque este varia consoante os diferentes contextos: histórico, individual, institucional, social e cultural.

Mesmo quando se está perante públicos restritos, a mesma lógica continua a impor-se. Estes públicos específicos são também um grupo complexo carregados de diferenciações internas. (Pinto, 2003).

Desta forma, é importante referir as transformações recentes nos mundos da cultura. São exactamente estas transformações que levaram a uma conceptualização de públicos da cultura de um modo mais dinâmico, plural e flexível.

Como João Teixeira Lopes (2000) refere assiste-se a uma ruptura face a um modelo estático e hierarquizado de classificação das culturas, modelo este assente numa oposição entre indivíduos cultos ou cultivados e incultos. A grande massa de camadas populares era, assim, vista segundo um padrão de negatividade em oposição ao das camadas cultas, que eram vistas de um modo hierarquicamente superior.

“Assume-se que o clássico trinómio cultura cultivada / cultura de massas / cultura popular, construído segundo critérios ideológicos, se revela teoricamente desajustado face às realidades culturais actuais, à imbricação dos géneros / formas culturais, às reconfigurações dos jogos de distinção, exclusão e integração culturais e sociais e ao

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impacto do aparecimento e do desenvolvimento do mercado dos bens culturais.” (Azevedo, 1997: 171)

Como João Teixeira Lopes (2000) afirma, são múltiplos os factores que contribuíram para a génese desta dicotomia (cultura cultivada e cultura popular): desenvolvimento industrial e produção em série (fordismo); aumento generalizado do nível de vida; aumento significativo do tempo livre; surgimento das indústrias culturais e mercadorização da cultura; alargamento e diversificação dos públicos.

Tem sido nas últimas décadas que ocorrem profundas transformações económicas, sociais e políticas, e será neste contexto que a dimensão cultural ganha importância. Assiste-se hoje a uma maior ligação entre a economia e a cultura, verificando-se uma maior interacção entre o domínio simbólico e o domínio económico. O desenvolvimento da cultura de massas e a mercantilização dominam cada vez mais sectores da vida quotidiana, o estético banalizou-se e a oposição entre a “arte” e a “vida” tem vindo a desaparecer no acto de consumo.

Com isto, surge um conjunto de movimentos que põem em causa as clássicas conceptualizações sobre os diferentes níveis de cultura. Em vez de um modelo hierarquizado identifica-se a coexistência plural das manifestações e dos consumos culturais.

Ocorreram, portanto, transformações de uma taxonomia menos rigorosa das formações sociais. A expansão das artes visuais abriu possibilidades de disseminação do conhecimento artístico para além da classe dos “mais cultivados”. A erosão de fronteiras entre o estético e o económico, entre arte e cultura popular, é um resultado dos processos de comodificação que surgiram nas instituições culturais através dos paradigmas de consumo e entretenimento. E novas audiências emergem desta mistura menos dicotómica.

Como António Firmino da Costa refere, “assiste-se hoje a uma mudança profunda nos modos de relação das pessoas com as instituições – passagem do estatuto social de leigos ao estatuto social de públicos. – isto é, de uma relação mista de distância e subalternização, de alheamento e ignorância, de reverência e desconfiança perante as instituições, a uma relação com elas de carácter mais complexo, mais próximo, mais informado, mais exigente, mais diversificado.” (Firmino da Costa, 2004: 131)

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É importante, no entanto, não esquecer o fenómeno de sistemática dominação e desigualdade que ocorre na comunicação do público com as diferentes manifestações culturais. Na heterogeneidade dos públicos persistem, portanto, desigualdades na forma de aceder à cultura e às obras artísticas

Estudos que tentem buscar os motivos destas desigualdades, para que estas tendam a desaparecer, ganham uma acrescida importância.

Este trabalho assenta numa conceptualização de públicos de cultura heterogéneos, tal como foi referida anteriormente: assim, mesmo quando se verifica uma tentativa de traçar perfis-tipo, esta ocorre sempre numa perspectiva flexível e dinâmica.

1.2. A relação entre a oferta e a procura cultural

Outra questão que será importante reflectir é relação entre a oferta e a procura cultural. O estudo de públicos da cultura não se esgota na observação dos contextos da procura cultural (das diferentes práticas diversificadas de recepção cultural) tem que se articular também com os modos de produção cultural.

Da mesma forma, a problemática do consumo ou recepção cultural é inseparável de uma outra problemática, que é a da produção e distribuição das obras. As lógicas inerentes à oferta cultural estão intimamente ligadas às lógicas de consumo ou recepção cultural, e ambas se interferem mutuamente.

Reflectir sobre os públicos da cultura leva, pois, ao questionamento das relações entre a oferta e a procura cultural, ou entre a produção e o consumo / recepção cultural. Uma análise ao conceito de públicos da cultura pressupõe, por isso, uma reflexão sobre a relação entre o conjunto de receptores e o campo da cultura objectivada e legitimada.

É importante reflectir também sobre os meios e modos de produção cultural, sobre a materialidade da obra e sobre os conteúdos que compõem uma determinada programação cultural.

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O acto receptivo envolve pelo menos três fases sequenciais das quais não podemos negligenciar: a criação artística e a produção do bem/ serviço; a difusão / distribuição do produto; a recepção do produto / a prática cultural.

Para uma análise do domínio da produção e difusão cultural, e da sua relação com o domínio da recepção, é oportuno o contributo de Howard Becker (1982), com a sua conceptualização sobre “os mundos da arte”1. O conceito de “Mundos da arte” aponta para o conjunto dos indivíduos, cujas actividades são necessárias à produção de características em que a arte se define. Segundo o autor, a compreensão da existência dos “mundos da arte” produz um entendimento da complexidade das redes cooperativas em que a arte acontece. Howard Becker defende a existência de uma inter-relação entre a produção cultural e o seu consumo. O autor alega que uma das formas de criar novas modalidades e géneros culturais passa pela constituição de novos públicos e vice-versa.

Assim, ao longo deste trabalho, buscou-se não só conhecer o universo da procura, mas também enfatizar a importância da oferta em todo o processo comunicativo. Pretendeu-se, assim, conhecer tanto os públicos da cultura, como as próprias instituições que oferecem a recepção das obras de arte, as suas lógicas de produção e de programação.

1.3. A cidade e a cultura

No decurso do trabalho percebeu-se claramente que reflectir sobre a relação entre a cultura e a cidade, e consequentemente sobre as políticas culturais, é de vital importância. De facto, assiste-se no contexto em análise a uma relação intrínseca entre as dimensões da recepção e produção cultural e as políticas culturais locais.

As transformações económicas, sociais e políticas que ocorreram nas últimas décadas determinam um contexto em que a dimensão cultural ganha importância nas políticas urbanas, enquanto factor de diferenciação da cidade-região. As políticas locais apostam cada vez mais na cultura, com vista a um reforço da atractividade necessária à captação de fluxos de pessoas, bens e capital de investimento.

1

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A importância da criatividade, da inovação e da economia do conhecimento para a promoção da competitividade territorial tem vindo a receber crescente atenção por parte dos investigadores e políticos nos últimos anos.2

Desta forma, observa-se que algumas cidades portuguesas têm vindo a apostar na criatividade e na cultura com o objectivo de não ficarem para trás no jogo da competição inter-urbana.

Verifica-se também uma preocupação por parte das políticas culturais na formação dos públicos culturais urbanos. Como Natália Azevedo (2003) afirma, “o incentivo à formação de públicos da cultura constitui um vector cada vez menos secundário nos universos políticos das autarquias portuguesas”. A autora analisa que os programas políticos, cada vez mais, apresentam a cultura como um dos factores principais para o desenvolvimento da cidade-região. Neste sentido, Natália Azevedo traça dois princípios constituintes da política cultural autárquica:

1) A criação e manutenção de infra-estruturas básicas especializadas, que permitem desenvolver actividades de criação cultural e artística e processos de revitalização, valorização e animação do património cultural local;

2) A criação e satisfação dos interesses e das expectativas culturais dos públicos, particularmente daqueles que, do ponto de vista socioeconómico, mais afastados se encontram das manifestações culturais e artísticas que exigem instrumentos cognitivos de recepção particulares.

Também será Augusto Santos Silva et. al. (1998) a analisar diferentes estratégias tomadas por parte dos políticos no que respeita à intervenção cultural. O autor reflecte sobre uma política de intervenção cultural que se distinga da “cultura espectáculo”,

2 Richard Florida (2002) celebrizou as expressões de “cidade criativa” e “classe criativa”. O potencial atribuído à “cidade criativa” tem por base o pressuposto de que o envolvimento de capital humano (“classe criativa”) com qualidades específicas (talento e inovação) estará na base do desenvolvimento de actividades criativas e desenvolvimento urbano. O autor argumenta que novos factores de localização, associados à atractividade da chamada “classe criativa”, estão a substituir os factores clássicos da competitividade.

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mas também “das visões fechadas e arcaicas da actividade cultural endógena”. O autor defende dois pontos que considera fundamentais:

1) Criar e salvaguardar infra-estruturas básicas especializadas e promover estímulos duráveis à criação e à criatividade culturais em vários espaços sociais;

2) Propiciar a segmentos populacionais vastos o contacto com as formas culturais mais exigentes.

Augusto Santos Silva et. al. (1998) defende uma intervenção cultural que seja verdadeira e não se limite somente aos grandes acontecimentos mediáticos ou à criação de uma imagem para uma maior competitividade.

Como João Teixeira Lopes afirma: “É que cultura na e para a cidade nem sempre significa cultura de cidade. Esta última só é possível quando se enriquecem os modos de vida quotidianos e os canais de comunicação. Mais do que um efeito de marketing, trata-se de um esforço de cidadania.” (2000:84)

Tony Bennett e Mike Savage (2004, 2005) acreditam numa política cultural mais inclusiva. Os autores afirmam que uma aproximação a formas inclusivas de cidadania cultural deverá ser desenvolvida, na promoção de meios de participação nas actividades culturais (como a ida ao teatro, às galerias de arte, promoção da leitura), actividades estas que durante muito tempo estiveram associadas unicamente aos públicos da “alta cultura”, como espaços de exclusão social.3

Há, portanto, uma aposta crescente dos poderes políticos na cultura e na formação de públicos da cultura. Esta questão influencia fortemente todas as relações de produção e consumo cultural. É necessário ter em conta que esta aposta, a inclusão do domínio cultural nas agendas políticas, deveria ser realizada de um modo sério, no sentido de desenvolver actividades de formação e educação para os públicos que se mostram com muitas fragilidades neste domínio.

3

Tony Bennett e Mike Savage (2004, 2005) analisam o conceito de capital cultural como crucial na formação da desigualdade social. Os autores interligam este conceito a uma abordagem das políticas culturais.

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O facto é que se verifica que a inclusão da cultura e da criatividade no desenvolvimento urbano cai, muitas vezes, num discurso demasiado economicista. A visão da “cidade criativa” como solução para uma maior competitividade territorial ignora o facto de que a aposta exclusiva na criatividade e na inovação poder gerar, ela própria, novos problemas, como a crescente polarização social, nomeadamente a “gentrificação”4 dos centros urbanos.

2. Os contextos da recepção cultural

“A percepção da arte não é apenas um lugar de investimento de valores previamente existentes, mas sim um momento de acontecimentos, de coisas que nos acontecem aí, face à obra (sensações, afecções, sentimentos e pensamentos) e a tornam por isso relevante. (Cruz, 1992: 53)

As obras de arte exigem códigos complexos de percepção e estes poderão ser assimilados através de um processo de aprendizagem, institucional ou não. A capacidade limitada de apreensão de informação dos indivíduos está inalienavelmente ligada ao conhecimento que os mesmos detêm acerca do código genérico da mensagem.

A obra é intrinsecamente aberta e incompleta. Como Natália Azevedo (1997) refere “a recepção passa pelo apelo que a obra nos dirige como algo que não é fechado em si mesmo, e a nossa resposta a esse apelo como uma participação na obra, transformando-a num processo, num jogo que tem de ser jogado para que se institua o sentido da comunicação.”

A dinâmica das desigualdades que os indivíduos estabelecem em contacto com manifestações culturais está relacionada com uma série de factores que determinam exactamente esse encontro. É assente a existência de esquemas de acção plurais nos

4 Termo que surge do inglês “gentrification”, com origem na palavra “gentry”, pequena nobreza. “Gentrification” significa a emergência de novos estilos de vida na cidade, através da reocupação das áreas centrais das cidades por indivíduos pertencentes a estratos sociais mais elevados, em termos sócio-económicos e culturais, relativamente aos indivíduos que tradicionalmente nelas habitam.

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distintos modos de recepção cultural. É objectivo fundamental neste estudo considerar a forma como os públicos heterogéneos incorporam e reproduzem as diferenças na descodificação e reinterpretação das obras culturais.

Está-se perante um universo que engloba diversos contextos na forma como se comunica com as manifestações culturais.

Para esta perspectiva muito contribuíram as investigações de John Falk e Lynn Dierking (2000) que se debruçam sobre a questão da aprendizagem dos indivíduos no contexto dos museus. Os autores consideram que a aprendizagem que ocorre num contexto museológico constituí uma experiência global, na qual todo um conjunto de factores contribuem para o sucesso da experiência. John Falk e Lynn Dierking (2000) defendem que a aprendizagem num museu é um processo que resulta da interacção entre três contextos inter-relacionados. A aprendizagem poderá ser conceptualizada como a integração e interacção destes três contextos:

a) O contexto pessoal: incorpora o conjunto de experiências e conhecimento do sujeito. Inclui os interesses, motivações, preocupações, expectativas e escolhas do indivíduo;

b) O contexto social: corresponde ao ambiente social em que a visita ao museu ocorre. Num contexto social; a maioria dos visitantes vem em grupo e mesmo aqueles que visitam o museu individualmente contactam com outros visitantes e funcionários;

c) O contexto físico: prende-se com o espaço físico do museu, que envolve a arquitectura, a sensação provocada pelo edifício, as exposições, objectos e zonas de apoio ao visitante.

Este estudo aponta assim para o facto de que os indivíduos chegam ao museu com uma série de interesses e motivações prévias, baseadas na sua experiência de vida, nos seus conhecimentos, factores que irão necessariamente condicionar a sua experiência dentro do museu e, naturalmente, as suas aprendizagens.

Também Eleonora Belfiore e Oliver Bennett (2007) desenvolvem uma análise muito interessante neste sentido. Os autores argumentam que a recepção cultural é baseada na compreensão fragmentada e incompleta das dinâmicas cognitivas, psicológicas e

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sócio-culturais que governam a experiência estética. Acreditam, portanto, que a experiência estética tem uma natureza subjectiva e multidimensional.

Os autores exploram os factores sociais, culturais e psicológicos que contribuem para uma experiência estética e que possibilitam e determinam o impacto com a arte. Eleonora Belfiore e Oliver Bennett distinguem três grupos que consideram essenciais na determinação do impacto com as obras de arte:

a) Os factores que são inerentes ao indivíduo que interage com a obra de arte. Estes factores correspondem a uma série de variáveis que moldam a experiência estética, desde as motivações, experiências de vida, condições sociais e culturais, género, idade, emoções, etc;

b) Os factores que são inerentes à obra de arte. Estes factores correspondem às características estilísticas e semânticas de uma obra de arte;

c) Os factores relativos ao meio, que são extrínsecos tanto à obra de arte como ao indivíduo. Estes factores correspondem tanto a um tempo histórico como a um espaço físico onde o encontro estético com a obra de arte se realiza.

A abordagem aqui defendida tenta combinar diferentes perspectivas sobre a recepção cultural. Interessa debater esta problemática, pois esta é essencial para a produção de maior conhecimento no sentido de aproximar os públicos às manifestações culturais.

Neste estudo, acredita-se numa realidade em que as diversas abordagens sobre a interacção com a obra de arte não são mutuamente exclusivas ou opostas. O modelo conceptual deste trabalho combina as diversas abordagens ao acreditar que os factores sociais, culturais, individuais e psicológicos influenciam a forma como os indivíduos percepcionam a arte.

Assim, é proposta uma abordagem multidisciplinar que contribua para um conhecimento mais profundo acerca da experiência estética e da recepção cultural. Esta abordagem holística não é exaustiva, isto significa, que não pretende, nem poderia, analisar todos os factores que influenciam a percepção da arte. Pretende-se sim, reflectir sobre alguns dos factores que influenciam a recepção cultural, de forma a providenciar uma reflexão que poderá ser útil no estudo de públicos da cultura e nas formas de aproximação da sua relação com a arte.

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Este capítulo enfatiza, sobretudo, a multidisciplinaridade e a subjectividade do encontro com a obra de arte, identificando a relação entre os factores psicológicos, individuais, sociais, culturais, físicos, históricos, semânticos e estilísticos que influenciam este encontro.

2.1. O contexto individual e social

A Psicologia, mais propriamente a psicologia da arte, tem vindo a explorar o aprofundamento dos processos de comunicação com as obras de arte.

As abordagens da psicologia da arte tendem a ver os indivíduos como uma força importante na construção das suas identidades, na construção das suas percepções e acções (Stylianou-Lambert, 2009). Desta forma, os autores que defendem esta abordagem focam-se nos factores individuais, como as motivações, os interesses, os objectivos, os valores, as atitudes, as emoções, as crenças e as expectativas.

Os factores da motivação e expectativa que os indivíduos carregam no encontro com a obra de arte têm sido analisados por variados estudos. As expectativas e as motivações são vistas como determinantes na experiência estética com uma influência directa nos estímulos artísticos.

David Mason e Conal McCarthy (2006), no seu estudo sobre a frequência de jovens (crianças e adolescentes) em galerias de arte, caracterizam a motivação individual, as expectativas e nível de satisfação pessoal como factores que influenciam fortemente o comportamento destes perante as instituições de arte, tal como perante as obras de arte.

Também Csikszentmihàlyi (1989) caracteriza a importância da motivação na experiência do flow5 no decurso da visita ao museu. O autor descreve, como a curiosidade dos indivíduos e o seu interesse, torna o envolvimento nas actividades artísticas mais sensível, intelectual e emocional e por sua vez, estes factores criam as condições da experiência do flow.

5

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Da mesma forma, Megan Axelsen (2006) analisa as motivações individuais como factor de influência na visita e encontro com a obra de arte. Axelsen afirma que a teoria sobre a motivação reconhece a mesma como um produto individual, bem como um produto do contexto social e físico.

Parsons (1987 in Belfiore e Bennett, 2007: 245) explica que os indivíduos respondem às artes visuais de forma diferenciada porque as compreendem de modo diferente. Essa diferente compreensão depende das expectativas que esses indivíduos carregam, expectativas essas relativas àquilo que querem encontrar, às qualidades que desejam visualizar e à forma como poderão julgar as obras.

Factores inerentes ao indivíduo, tais como a idade e género, são também apontados como sendo essenciais no encontro com a obra de arte.

A progressão desde a infância até à idade adulta, o desenvolvimento do indivíduo, afectará as suas respostas perante a obra de arte. Muitos são os estudos que se debruçam sobre modelos e estádios de desenvolvimento cognitivo da infância e os diferentes modos de recepcionar a arte.

São vários os estudos que analisam a educação para a percepção estética ao longo da vida. Os estudos empíricos que incidem sobre os vários níveis etários serão importantes de forma a melhorar a aproximação e o desenvolvimento da recepção cultural. Os investigadores destes salientam a importância de incluir as artes na vida escolar, no sentido que estas poderão ter influências positivas na vida adulta. Outros autores debruçam-se em estudos sobre a aprendizagem ao longo da vida nas instituições culturais: a tendência crescente dos Museus e instituições culturais responderem às necessidades e interesses de diferentes tipos de públicos, o alargamento do acesso e a inclusão social, o desenvolvimento de audiências a longo termo e as oportunidades de aprendizagem ao longo da vida (MacRae, 2007; Mason e McCarthy, 2006; Xanthoudaki, 1998; Xanthoudaki, et. al, 2003). O conceito de “aprendizagem ao longo da vida” será um processo activo de envolvimento do indivíduo com a experiência. Aqui, aprendizagem significa um fenómeno de construção de significados ao longo da vida. Uma aprendizagem que não ocorre

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unicamente num contexto formal, mas que será um processo activo, contínuo e permanente.6

Tal como a idade, o género é visto por muitos pensadores como uma condição que modifica a forma de percepcionar a arte. Belfiore e Bennett (2007) apontam alguns estudos que demonstram resultados em que o género feminino poderá ter uma maior apetência em dialogar com as manifestações artísticas. Alguns estudos apontam para a importância das emoções na recepção artística e de como este elemento poderá estar mais ligado ao sexo feminino. No entanto, neste trabalho, estas questões não serão vistas de uma forma tão determinista.

As abordagens que estudam os factores sociais e culturais inerentes ao indivíduo na sua percepção da obra de arte analisam os factores sociais, culturais, políticos e económicos que moldam as identidades e percepções das acções individuais. Estas abordagens são, geralmente, resultantes dos estudos das teorias da sociologia da cultura. Nesta perspectiva, os investigadores e autores examinam como os factores sociais e culturais, como a educação, classe social, ocupação profissional e nível de vida influenciam a recepção cultural.

Pierre Bourdieu, sociólogo francês, muito contribuiu para uma teoria, segundo a qual, os factores sociais condicionam os indivíduos na sua relação com a arte e com as instituições artísticas.

Neste sentido, Nick Prior (2005) classifica três dimensões interdependentes na teoria de arte defendida por Bourdieu:

a) A dimensão do artista e das obras de arte: são produtos concretos elaborados pelos trabalhadores culturais em condições históricas particulares;

b) A dimensão do espaço social onde a arte figura: os museus, as galerias, as cidades e as relações onde a arte ocorre (os campos);

6

A este respeito, é interessante salientar o estudo de Helene Illeris (2006). Este estudo questiona a aprendizagem ao longo da vida nos museus e instituições dos dias de hoje. A autora afirma que o conceito de aprendizagem ao longo da vida é muito ambivalente: On the one hand it intuitively relates to

positive ideas of progress and democracy for all citizens, regardless of social status and cultural disadvantages, while on the other hand it tends to be used in aggressive neo-liberal discourses of how Western societies should face competition in a global market. (Illeris, 2006: 15)

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c) A dimensão da audiência: as somas de capital cultural e económico que activam as preferências, hábitos, competências cognitivas e preferências artísticas dos indivíduos.

A terceira dimensão referida será aquela à qual Bourdieu se dedica mais afincadamente - a dimensão que estrutura a percepção da arte - muito embora, o autor defenda uma inter-relação entre as diferentes dimensões enunciadas.

O encontro com a obra de arte é fruto de uma correspondência entre o gosto do produtor cultural, objectivado na obra, e o gosto do consumidor (Bourdieu, 1968, 1984). Bourdieu (1968, 1984) demonstra os fundamentos económicos e sociais de um sistema hierarquizado de preferências culturais, que são eles mesmos geradores de ideias que definem os padrões de legitimação da cultura.

Para Bourdieu (1968, 1984), a percepção artística subentende um mecanismo activo de compreensão Uma recepção de sucesso, para Bourdieu, ocorre unicamente se existe um ajuste entre os códigos das obras de arte e os códigos do observador. Para o autor, aqueles indivíduos com maior nível educacional não têm qualquer problema em fazê-lo.

Pierre Bourdieu (1968) distingue entre duas formas opostas do prazer estético: a fruição e o deleite. A primeira liga-se a uma percepção sensorial que aplica a um sistema de códigos desconhecido os esquemas de interpretação tidos como familiares. É uma percepção não instruída e de tipo imediato e emocional. A segunda, é relativa aos instruídos, aqueles que apropriam adequadamente as obras culturais.

“Cultura para Bourdieu refere-se aos recursos, aos códigos e enquadramentos que os indivíduos utilizam na construção e articulação dos seus pontos de vista, nas suas atitudes em relação à vida e estatuto social”. (Semedo e Lopes, 2006) O conceito de

habitus de Bourdieu (1968, 1984) refere-se exactamente a estas práticas, conceito

este, central na teoria da percepção do autor. “O habitus é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um sector particular desse mundo, de um campo, e que estrutura não só a percepção desse mundo mas também a acção nesse mundo”. (Semedo e Lopes, 2006) Bourdieu (1968, 1984) alega, no entanto, que o habitus é um sistema aberto que estará em constante transformação. Segundo o autor, o habitus é transformado tanto pela experiência como pela aprendizagem / socialização. Outra concepção importante, é que o habitus, segundo Bourdieu (1968, 1984), estabelece diferenças entre os

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diversos agentes, pois os indivíduos diferem entre si nas suas práticas e processos de identidade. A bagagem que os indivíduos detêm varia, e esta é valorizada ou desvalorizada socialmente. Esta comparação do habitus é desenvolvida na base do

capital (social, económico e cultural) que os indivíduos carregam. Neste sentido, o

posicionamento social depende do lugar que os indivíduos ocupam na distribuição do seu capital.

A teoria de Bourdieu (1968, 1984) sobre capital cultural oferece um modelo de compreensão do consumo da arte. O conceito de capital cultural tem sido identificado como crucial no estudo das desigualdades sociais (Bennett e Savage, 2004). A aquisição de capital cultural é o produto de processos complexos sócio-temporais que são originados no meio familiar e nas instituições escolares. O capital cultural refere-se à competência cultivada, conhecimento de classificações, códigos e convenções de formas culturais e a capacidade de expor esse conhecimento (Semedo e Lopes, 2006). 7

Neste sentido, o contributo de Bourdieu (1968, 1984) é fundamental ao defender uma abordagem fundada nos conceitos de capital e habitus. Pierre Bourdieu defende, portanto, que as propriedades dos agentes, as suas práticas, os seus gostos, dependem da posição que ocupam no espaço social em que se encontram inseridos, interiorizando e incorporando, através do habitus, um conjunto de propriedades estruturais (Lopes, 2000).

Elizabeth Silva (2006) refere que a arte visual é um dos campos onde, de acordo com Bourdieu, se reproduzem estruturas de classes. As artes visuais indicam diferentes posições sociais, no sentido em que a apreciação das mesmas depende de uma capacidade treinada no seio familiar ou no sistema educacional, que geralmente é inacessível às camadas de população mais desfavorecidas. A autora refere que este facto vai fazer com que a obras de arte requisitadas pelas classes sociais menos favorecidas variem em relação às obras de arte requisitadas pela classe média ou classe alta. Desta forma, os gostos parecem estar relacionados com o factor da classe social. Elizabeth Silva define três categorias de divisão de gosto, conforme a conceptualização de Pierre Bourdieu: o gosto legitimado (os que apreciam arte que é

7

João Teixeira Lopes (A Boa Maneira de ser público) à luz da teoria de Bourdieu, refere-se à familiarização com determinados códigos através das várias formas que o capital cultural pode assumir: incorporado, objectivado e institucionalizado (um contacto precoce com manifestações de capital objectivado, convertível a prazo em capital incorporado e capital institucionalizado).

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validada pelas instituições de legitimação), o gosto da “cultura média” (uma combinação entre a arte maior e menor), e por fim o gosto popular (obras populares). Esta teoria, baseada na concepção de Bourdieu, providencia a base das características de distinção social através das diferentes formas de lidar com as artes visuais.

No entanto, são muitos os autores a delinear algumas limitações sobre a teoria de Bourdieu, alegando que o testemunho do autor sobre a percepção artística necessita de um suplemento mais actualizado.

Nick Prior (2005) aponta algumas destas críticas concedidas a Bourdieu:

Uma das críticas apontadas incidirá sobre o facto de Bourdieu focar a classe social como sendo a dimensão privilegiada nas desigualdades encontradas no encontro com as obras de arte. O autor é criticado pelo facto de não ter dado atenção ao complexo mecanismo de desigualdades baseado noutras componentes, como sendo a idade, o género, os factores psicológicos, a etnia. Muitos são os autores que criticam esta concepção como sendo demasiado rígida e referindo que o conceito de classe é mais diverso e fluido.

Paul DiMaggio (DiMaggio e Useem, 1978; DiMaggio, 1996) afirma precisamente esta ideia, de que o gosto é de facto dependente das práticas simbólicas dos grupos sociais, mas que esta concepção não poderá ser vista do modo inflexível que Bourdieu afirma. Paul DiMaggio refere que diferentes classes sociais possuem preferências culturais distintas. A socialização familiar e a influência da educação formal ajudam a compreender os diferentes consumos artísticos, no entanto não explicam tudo. O autor argumenta que o gosto é muitas vezes adquirido fora do círculo familiar. Argumenta também que essa aprendizagem está longe de só depender da socialização primária. A complexidade do sistema de papéis sociais, as múltiplas redes sociais, a maior interacção entre os indivíduos, contribuem para olhar o capital cultural de um modo mais abrangente e menos institucionalizado.

Outra das críticas que Nick Prior (2005) aponta terá que ver com as mudanças sociais de consumo e de cultura visual num tempo caracterizado pelo pós-modernismo. Bourdieu estabelece uma concepção de cultura e economia demasiado abrangentes e coloca as artes visuais nos confins de uma elite cultural limitada. Hoje, segundo Prior, uma nova fracção existe, a classe média, e esta fracção significa algo menos

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dicotomizado. Os processos de regeneração urbana e a estetização constituem a cidade como um local de consumo que facilita os hábitos de consumo cultural a uma classe mais alargada. Hoje, segundo o autor, há uma destabilização entre as fronteiras da alta e baixa cultura. Nas condições em que o estético e o comercial estão misturados, as fronteiras entre a arte e a cultura popular tendem a diluir.

Também Tony Bennett (2005) delineia algumas críticas à teoria de Bourdieu. A principal crítica centra-se sobretudo na visão de Bourdieu sobre as condições históricas e sociais que moldam o desenvolvimento da percepção estética que parece conter um “universalismo histórico”, muito afastado de um relativismo que muitos autores parecem afirmar.

O conceito de habitus, neste sentido, deveria comportar estas mudanças sociais. Nesta linha, João Teixeira Lopes (2000) afirma que o conceito de habitus é demasiado estático e pouco adequado à análise de épocas históricas marcadas por uma acentuada mobilidade. No entanto, o autor afirma que as críticas traçadas a Bourdieu não significam defender uma perspectiva do fim das hierarquias e diferenciações sociais, nem tão pouco de recusar os seus efeitos na determinação social dos gostos. O autor sugere um reaproveitamento do conceito de habitus e adaptá-lo às modificações na estrutura social das sociedades contemporâneas. Da mesma forma, sugere uma incorporação do capital cultural mais complexa, num contexto onde a formação de gostos adquire contornos cada vez mais transitórios e vacilantes.

O factor do contexto cultural terá também relevância na forma como recepcionamos a arte. Este factor influencia fortemente a nossa identidade e o modo como nos relacionamos com o outro. Da mesma forma, terá uma importância imensa no modo como comunicamos com as obras de arte.

Outro dos factores a ser apontado é o histórico, no sentido que o encontro com a obra de arte se dá num tempo histórico determinado por uma série de características próprias. O tipo de respostas em relação ao produto artístico varia consoante as normas sociais que dominam um tempo específico onde este encontro se dá (Belfiore e Bennett, 2007).

Em suma, tanto o contexto individual como o social parecem ser importantes na forma de conhecer as diversidades da recepção e produção cultural. Como já foi referido anteriormente, defende-se aqui um campo multidisciplinar, consciente das diversas

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dimensões que influenciam o indivíduo no seu contacto com a obra de arte. Verifica-se que a estrutura dos diferentes capitais pode condicionar a percepção e a apropriação dos produtos culturais, bem como as características inerentes ao indivíduo e o contexto histórico e cultural no qual este se insere.

Resta, por fim, realçar a importância do contexto inerente à obra de arte, para além do contexto propriamente físico do acto receptivo. Estes contextos serão debatidos nos pontos seguintes.

2.3. O contexto da obra de arte

“As Obras de Arte são grandes pelo indefinido e imperfeito que encerram, pois dessa imperfeição fecunda se alimenta o nosso espírito.” (Pascoaes, 1998: 24)

Depois de analisar os aspectos individuais e sociais que determinam a recepção cultural, prossegue-se às características da obra de arte que são igualmente centrais no desenvolvimento da experiência artística.

As características metonímicas e semânticas (a forma e o conteúdo) associadas a um produto cultural influenciam fortemente o modo como interagimos com estes. Estas características constituintes de uma obra de arte determinam a qualidade da experiência. “A articulação destes dois eixos organiza um sistema de comunicação, onde a obra de arte desempenha um papel fulcral. Nesta inter-relação estão presentes dois elementos (o conteúdo e a forma) que constituem a obra de arte, servindo de suporte ao núcleo organizador de aprendizagens relevantes para os sujeitos.” (Fróis

et. al, 2000: 240)

As diferentes qualidades das obras de arte, as suas diferenças formais, estruturais e semânticas desenvolvem diferentes impactos na relação com os consumidores culturais.

Como João Teixeira Lopes (2000) refere, o tipo de mensagem cultural, se é muito ou pouco complexa, é também um condicionador no acto da recepção. O autor afirma que, quanto maior a distância das obras de arte em relação aos aspectos da vida quotidiana (como aconteceu a partir da ruptura modernista) maior o esforço de

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abstracção por parte dos públicos. Da mesma forma, quanto maior for a proximidade das obras de arte relativamente aos modos de vida quotidiano, mais aumenta uma receptividade do tipo imediato, espontâneo e emocional.

As obras da arte contemporânea têm mais facilidade em desligar-se da representação do quotidiano e por esta razão é mais difícil aceder e compreender o significado presente.

Relativamente à qualidade da obra de arte, Ralph Smith (1995) acredita que se o visitante de um museu não obtiver uma experiência satisfatória a responsabilidade reside neste factor. Smith fala de excelência na obra de arte e descreve que essa excelência provém de um cruzamento de contributos, como questões estéticas, cognitivas e morais. O autor acredita que o objectivo primordial da educação artística é o de criar uma predisposição espiritual propícia à captação da excelência artística.

2.4. O contexto do meio

“A recepção cultural, em suma, faz-se sempre, a partir de um tempo e de um lugar no mundo social.” (Lopes, 2000: 63)

A atmosfera física onde o encontro estético se realiza tem um efeito significativo na qualidade da experiência. Os contextos físicos influenciam o grau de ritualidade com que se frequenta um espectáculo ou uma exposição. Os agentes comportam-se de formas diferenciadas num mesmo espaço cultural devido às características intrínsecas e à materialidade do próprio espaço. As especificidades espácio-institucionais não são indiferentes aos diversos públicos da cultura.

A recepção cultural é realizada em variados contextos físicos: museus, galerias, escolas, oficinas de formação artística, na rua.

Por exemplo, as características físicas de uma galeria de arte afectarão a forma como os visitantes se movem no espaço e poderão também afectar o interesse por parte destes relativamente às obras de arte.

(33)

Brian O’Doherty (1986) reflecte o contexto da galeria moderna, o que esta faz ao objecto artístico e ao sujeito que o visiona. O autor traça críticas ao espaço moderno da galeria, este baseado na forma de “cubo branco”8, e que pretende ser um espaço eterno, neutro e imóvel, ao contrário do espaço lá fora que está sujeito às mudanças do tempo. O autor afirma, assim, que o espaço de uma galeria pretende estar fora do tempo e para além do tempo, para que a obra de arte pertença à posteridade, à sacralização.

Toda a organização do espaço de um museu ou de uma galeria de arte (da regulação da distância entre os visitantes e as obras, à classificação e disposição das obras, ao arranjo de luzes, etc) comunica de modo tácito as instruções e modos de relacionamento com as suas obras. Neste sentido, as instituições podem predeterminar as modalidades de uso do próprio espaço.

3. Estratégias de alargamento dos públicos

“O amor à arte, não é um amor à primeira vista, mas necessita de um processo de familiaridade.” (Bourdieu; Darbel, 1991:54)9

Como foi referido, a familiarização com determinados códigos vai resultar num entendimento mais completo da obra de arte. O contacto precoce com diferentes manifestações artísticas, num contexto formal ou informal10, será bastante positivo na forma como recepcionamos as obras culturais e artísticas. Os mecanismos de percepção indicam que a aprendizagem precoce e a familiarização com certos estímulos favorecem o reconhecimento de imagens e de objectos.

8

White Cube, no original. Segundo Brian O’Doherty (1986), a galeria de arte no formato de white cube promove o mito de que estamos essencialmente em espírito no espaço.

9

The Love of art, in short, is not love at first sight but is born of long familiarity, no original

10

Rennie; Fecher; Dierking and Falk (2003) analisam a aprendizagem for a dos contextos escolares, como os museus. Os autores afirmam: Out-of-school learning is self-motivated, voluntary, and guided by

learners’ needs and interests, so certain aspects of learning are critical to investigate, e.g., the role of motivation, choice and control, interest, and expectations in the learning process (2003: 113)

(34)

Como João Teixeira Lopes (2000) salienta, a competência artística entendida como a capacidade de expressar preferências, revela-se mais elevada nos indivíduos que foram iniciados mais cedo no mundo da arte e naqueles que através da família ou da escola tiveram essa aprendizagem.

Neste sentido, é de referir a importância da reflexão sobre as actividades educativas de forma a aproximar o indivíduo às formas artísticas.

Este estudo parte com a convicção de que a arte proporciona experiências pessoais muito elevadas. O contacto com uma obra de arte, apura a sensibilidade, a criatividade, amplia as capacidades cognitivas, afectivas, expressivas, desenvolve o poder de discriminação e amplia o sentido crítico. A arte é um meio de comunicação, de expressão e de reconstrução do próprio real que é essencial no desenvolvimento e na realização do ser humano, enquanto ser social, sensível e criativo.

É importante referir que as actividades artísticas deverão ter em atenção uma realidade heterogénea dos públicos da cultura. Se existem diferentes níveis de recepção cultural convém que estas actividades desmistifiquem uma certa ilusão de homogeneidade que muitas vezes está presente. Desta forma, as estratégias de intervenção cultural para o alargamento dos públicos têm que saber lidar com os vários níveis de recepção cultural.

Acontece que a persistência de desigualdades na recepção cultural se pode associar ao facto de muitas actividades educativas não terem presente esta heterogeneidade de recepcionar a arte. Serão muitas as actividades educativas a tentar tornar homogéneos comportamentos ditos culturais em vez de criarem um gosto original e genuíno. Muitas actividades educativas pretendem, pois, impor uma maneira correcta de receber e interpretar as obras, sujeitando a experiência estética a “choques culturais” (Lopes, 2005) que apenas contribuem para aumentar ainda mais as desigualdades na recepção da cultura.

Será necessário, desta forma, que estas actividades tenham em conta a diversidade e um conhecimento profundo dos seus públicos. Assim, estratégias de intervenção cultural direccionadas para o alargamento dos públicos não podem ignorar os vários níveis de recepção cultural.

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Como João Teixeira Lopes (2000) afirma, somente os processos de aprendizagem/ familiarização, relativamente demorados e capazes de subverter as polaridades sociais, permitem alcançar resultados positivos, devendo respeitar as susceptibilidades e singularidades sociais e pessoais, isto é, a liberdade interpretativa dos públicos.

O alargamento dos públicos não deveria assumir estratégias unicamente em função de uma aprendizagem de um conjunto de regras e normas. Uma recepção cultural de valor é aquela que permite oscilar entre o mundo individual e o mundo da obra de arte. Desta forma, as actividades educativas nos contextos formais e informais, terão que ter em conta a excepção e não tratar de um público como se um todo homogéneo se tratasse. Deverão ter em conta a experiência entendida como o conjunto total de aprendizagens, emoções, sensações e vivências.

A educação é hoje uma das funções centrais dos espaços e instituições museológicas. Museus e educação são hoje realidades interdependentes. Os museus, as galerias de arte e todas as instituições culturais têm o potencial de ampliar e expandir as mentalidades dos seus visitantes.

Pierre Bourdieu foi um dos autores, em conjunto com Darbel, do estudo realizado em 1960 em França (1991) que demonstra como diferentes grupos sociais accionam diferentes práticas de consumo nos museus. Os autores analisam como os indivíduos pertencentes a classes sociais mais elevadas se encontram mais frequentemente nos museus de arte. Bourdieu e Darbel alegam que os nossos gostos, acções e escolhas possuem o poder de nos unir ou separar socialmente, (re)forçando a existência de classes sociais e o círculo da reprodução social. Os autores defendem que apesar de os Museus serem gratuitos não implica que a entrada seja opcional. Bourdieu e Darbel demonstram que a preferência de visitar um Museu poderá ser explicada pela posição social que o agente se encontra, se é ou não dotada de capital cultural.

Bourdieu e Darbel (1991) afirmam que os museus de arte têm sido um dos sectores que ajudam a propagar e manter certos mitos incontrolados. Um desses mitos será a ideia de que a grandeza da arte está agarrada a uma qualidade inata do espírito humano (o gosto é inato ao indivíduo) e não através da aprendizagem. Para os autores será este mito que continua a manter as distinções hierárquicas entre as diferentes categorias sociais.

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Outra das críticas apontadas a Bourdieu aponta para esta visão monolítica e estática acerca das instituições culturais. Na verdade, tem-se verificado que os Museus têm sofrido mudanças estruturais. O crescimento de programas, estratégias de exposições e preocupações educacionais, são algumas das tentativas de rectificar as limitações sócio-demográficas na percepção da audiência (Hooper-Greenhill, 1999). Apesar de serem mudanças que Bourdieu não poderia premeditar, a sua visão é acusada de ser pouco flexível às transformações verificadas nos dias de hoje.

Eilean Hooper-Greenhill (1999, 2000) considera que de simples armazéns de objectos, os museus tornam-se lugares de aprendizagem activa. Como o autor afirma, os modelos modernistas de comunicação, baseados na transmissão de factos autoritários para uma massa de receptores passivos, têm sido substituídos por novas abordagens que incluem “audiências activas”, teorias de aprendizagem construtivas e políticas culturais complexas.11 O centro das atenções dos museus deixa de ser a colecção para ser a comunicação, na qual se integra a aprendizagem e o lazer. Como refere o autor, nos últimos tempos, os museus concebem uma visão dos visitantes mais abrangente, estes já não são vistos como uma massa homogénea e passiva, mas como indivíduos críticos, com ritmos de aprendizagem diferenciados e condições sociais e culturais específicas.

Como Teresa Duarte Martinho (2007) refere, foi a partir dos anos 80 que os museus tornaram-se mais receptivos à dimensão educativa e este facto deve-se a 3 causas principais:

a) O crescente interesse pelo conhecimento e alargamento das audiências, resultante da diminuição de meios financeiros e justificar qualitativamente a relevância social dos museus;

b) O envolvimento dos técnicos de marketing nos museus de forma a expandir a visibilidade do museu;

11

Eilean Hooper-Greenhill (1999, 2000) distingue dois modelos de comunicação nos museus: a comunicação como um processo de transmissão e a comunicação como parte da cultura. A comunicação assente na transmissão é baseada na visão behaviourista de ensinar, enquanto que a teoria da comunicação cultural baseia-se numa comunicação suportada por uma aprendizagem construtiva.

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c) A introdução nas escolas de novos curricula, valorizando a aprendizagem a partir da experiência dos lugares.

A aprendizagem nos museus e nas instituições culturais é hoje vista como uma participação activa do indivíduo através da interacção com os objectos e lugares. A aprendizagem passou a ser encarada como algo que ocorre ao longo de uma vida, não se restringindo apenas aos seus primeiros tempos e enfatiza-se o papel dos sujeitos na construção do conhecimento.

No entanto, há opiniões adversas: Carla Padró (2006) diz-nos que a educação que tem sido levada a cabo pelas instituições culturais de hoje, como os museus, favorecem estratégias didácticas que, por um lado, pressupõem um sujeito educado auto disciplinado e, por outro, que não reconhecem a heterogeneidade e crescente sofisticação dos públicos.

Também Vera Zolberg (1984, 1994) discute esta problemática. Como a autora refere, por um lado, os museus coleccionam e preservam obras de arte para um público distinto, por outro, nos dias de hoje, têm que lidar com uma franja de população com pouca compreensão para as belas artes. A autora crítica o facto de que a questão da educação artística não é ainda uma função legitima no seio das instituições culturais, como os museus. A educação ainda é vista como algo pertencente à formalidade da escola. A autora sugere, portanto, uma mudança na missão pública dos museus de arte.

Também Andrew McClellan (2003) afirma que foi através da sua própria experiência, ao trabalhar com crianças desfavorecidas num contexto de um Museu em Londres, que observou como a “entrada gratuita e uma programação mais liberal continua a estabelecer uma aura de exclusividade inscrita nas paredes dos museus” (McClellan, 2003: 2).12

Apesar da inclusão da função educativa nas instituições culturais, algumas das relações que existiriam nos museus e noutras instituições culturais do passado ainda

12

Free admission and liberal programming still competes with an aura of exclusivity inscribed in museum’s

walls, no original. Andrew McClellan (2003) caracteriza o percurso histórico dos Museus, desde o

iluminismo até aos dias de hoje, de forma a compreender as relações que existem nos Museus de hoje em dia.

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persistem nos nossos dias: a diferenciação social, a distância entre o público e a obra e o controlo sobre o exposto. Apesar da sua democratização, talvez continuem a ser espaços de distinção social.

Por esta razão, este trabalho demonstra a vontade de melhor conhecer os públicos que frequentam estes espaços e de compreender as relações que estes estabelecem com o exposto.

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Figura 1: Método de análise

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