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3.3 Análise dos dados: entrevistas, relatórios e observações sobre Yomol A’tel

3.3.2 Análises do meso nível – processo de inovação social Yomol A’tel

Na análise do nível meso, ou seja, referente ao processo de inovaçãosocial, observam-se seis tipos de influências: conceitos de inovação social; cadeia de valor; escala; processo de tomada de decisão; conceitos e origens do projeto;

microfinanceira. Para a apresentação dos dados, esta seção segue as observações de campo e não a ordem das subcategorias do Quadro 7.

A Yomol A’tel é concebida, neste estudo, como uma inovação social visto que é analisada e interpretada conforme as dimensões propostas na literatura sobre o tema. A iniciativa pode ser considerada uma inovação de práticas organizacionais, uma inovação de mercado e uma inovação de produto, pois o projeto alterou a forma de organização dos produtores tseltales, que hoje estão reunidos em cooperativa. Ele mudou o método organizacional nas práticas de negócio e o processo de produção, agregando uma microindústria com padrões de qualidade; incrementou novas possibilidades de mercado, abrindo canais de comercialização aos quais antes os produtores não tinham acesso, inclusive exportando parte do café; agregou novos produtos, como mel e cosméticos.

Analisam-se, na sequência, dimensões da IS e como o projeto cumpre com cada uma delas.

O que é modificado? A qualidade de vida das comunidades tseltales é modificada por meio do empoderamento advindo do incremento de renda e do auxílio a novas práticas agroecológicas para produção de café orgânico. No ano de 2014, a solução foi mais específica, já que uma praga, denominada Roya, atingiu os cafezais e as famílias não puderam plantar ou tiveram grande perda na colheita. A situação econômica, que já era difícil, foi agravada e muitas famílias estavam em situação de extrema vulnerabilidade. O projeto, por meio da Capeltic, adquiriu milho e distribuiu para as famílias tseltales, a fim de sanar a fome.

• Por que foi implantada? Tanto pelo histórico abandono da região, carente de instituições fortes que mantivessem condições mínimas de cidadania como pelo contexto da região e pela presença de ‘coiotes’ que determinavam o preço do café e as condições de venda.

• Onde é implantada? No município de Chilón, estado de Chiapas, região de selva no sul do México. Dados revelam que 75% da população vivem em condições de extrema pobreza.

• Quem está envolvido na solução? Diversos atores fazem parte do projeto: produtores tseltales; CEDIAC - Centro de Direitos Indígenas; equipe de gestão; fundações; organizações; universidades.

• Como o processo ocorre? Os produtores estão organizados na cooperativa Ts’umbal Xitalha. O café é industrializado e comercializado pela Bats’il Maya, sendo uma parte vendida nas cafeterias Capeltic. Duas outras empresas agregam produtos, como o mel e cosmético. A sexta empresa é uma microfinanceira para as famílias tseltales.

No que tange a cadeia de valor, a Yomol A’tel está organizada nas seis empresas já apresentadas, que procuram dominar toda a cadeia do café e mel. O principal produto é o café. Atuam diretamente nesse processo três empresas: a cooperativa dos produtores; a microindústria, responsável pela comercialização do produto; a Capeltic, rede de cafeterias que vendem o café em taça. Com este processo, eles conseguem dominar toda a cadeia, conforme evidencia a seguinte fala:

“Já sabíamos que o máximo valor agregado do café está em colocá-lo em taça. E isso é toda a questão da construção da cadeia de valor, por exemplo, está na parte da produção primária dos commodities, está na secundária, que é a transformação, e está no acesso direto ao consumidor. A parte de transformação já controlávamos com a questão da Bats'il, ligeiramente consolidada. Esse ponto, em primeiro lugar, é o primeiro ponto onde a riqueza é defendida. Porque você já tem um preço construído que não varia com o tempo. Também é o ponto onde você tem comunidades, o processo tradicional, os costumes, o processo indígena” (DIRETOR DE ESTRATÉGIA INSTITUCIONAL, informação verbal).

Na questão mencionada da defesa de riquezas, a Yomol A’tel conseguiu gerar, com este processo de domínio da cadeia de valor, uma valorização equivalente a quase 50 vezes o preço pago anteriormente por um quilo de café, devido à transformação do café in natura.

“Hoje o preço do café na região é cerca de 32 pesos, mais ou menos. A cooperativa paga diferente. Porque a cooperativa, o que fazemos é uma engenharia reversa, ou seja, por quanto podemos vender a xícara de café? Por quanto se pode vender café torrado? Qual é o preço do produtor? Ou seja, mais ou menos a cooperativa hoje em dia tem um preço base de 32 mais a gratificação de qualidade, você pode chegar a estes quase 60 pesos, se são cafés de primeira. Bat'sil Maya pega um quilo de café Tsumbal Xitalha ou qualquer outra empresa tostadeira e chega no valor que é cerca de 160 pesos. Não? Aqui o salto é de 5 ou 6 vezes mais. Mas Capeltic, pega este mesmo quilo, transforma em xícaras e o valor que gera é de aproximadamente 1.500 pesos. Então esta é a vantagem que tem a cadeia de valor agregado” (DIRETOR DE ESTRATÉGIA INSTITUCIONAL, informação verbal).

O processo da Yomol A’tel é inverso à logica dominante do mercado, ou seja, o produtor de café não é remunerado com base na Bolsa de Nova York. O fundamental para o projeto é a valorização do produtor e a garantia que ele seja remunerado de modo que supere o mercado tradicional.

“O preço do café está cotado na Bolsa de Valores de Nova York, ele é definido lá e sobe e baixa. Chegou a estar a três pesos, digamos, em 2003, chegou a estar a 60 pesos em 2012 e agora está a 36 pesitos... dá picos, sobe e baixa. A que lhe dá esse ganho? A todos os especuladores da bolsa, não? Porque todo o dinheiro é o quanto eu posso vender e comprar, dependendo da diferença de valor que há, não? Então se entra em todas as falhas, digamos, existentes no mercado, não? O que temos obtido ao nos apropriarmos do processo de valor é poder definir o quanto é pago de volta, então a lógica tradicional é: eu vou pagar o menos possível aos meus fornecedores, aos meus empregados, às pessoas que eu compro e vou vender o mais caro que puder para fora, por exemplo, que vou ter mais dinheiro e vou gastar menos, aumenta a minha renda, que é basicamente o único objetivo da empresa tradicional, não? Maximizar o ganho. Nós, em um processo de economia solidária, tentamos fazer o inverso, ou seja, isso é um pouco o meu trabalho... parte do meu trabalho... fazemos uma projeção anual das 4 cafeterias, quanto Bats'il Maya vende, quanto vende aqui, o fluxo que podemos ter, e como fazemos o cálculo desde atrás de modo que você possa pagar tanto quanto possível ao produtor por seu café” (DIRETOR DE OPERAÇÕES, informação verbal).

No que tange a escala, os entrevistados demonstram sua visão diferente do mercado tradicional. A iniciativa preocupa-se em aumentar o número de beneficiários e a lucratividade e também com o nível de comprometimento e com a profundidade com que o projeto vai interferir nas mudanças sociais.

“Eu acho que para nós escala tem duas direções. Há uma escala comumente entendida pelos governos ou muitas fundações que é o número de beneficiários. As empresas entendem a escala como um crescimento. Mas para nós há um componente de escala que é assim, mas há um outro componente de escala que é desde o fundamento, que é o nível de compromisso que você tem em seu coração com um projeto. E vemos que mais ou menos todos os produtores, todas as 250 famílias, creio que menos de 20% realmente tem o coração colocado no projeto. Menos de 20%! Pelo melhor talvez 50%, mas os outros 50 estão pelo preço” (DIRETOR DE ESTRATÉGIA INSTITUCIONAL, informação verbal).

Outra subcategoria de análise é referente ao processo de tomada de decisão. O processo de tomada de decisão ocorre segundo os preceitos da cultura indígena, pelos quais a palavra é considerada ‘itinerante’ e, em todas as assembleias, todos têm o direito de manifestar suas opiniões. Nos processos mais complexos, as decisões são tomadas pela comunidade em assembleia, porém os gestores possuem autonomia para tomar as decisões administrativas e rotineiras.

Os conceitos e origens do projeto já foram abordados na descrição da iniciativa e durante a descrição e análise do caso. A última subcategoria é referente à microfinanceira, que foi criada com fundos dos próprios produtores.

“Há quase 2 anos, 2 anos atrás, houve uma grande diferença entre o preço local e o preço da cooperativa, então, tornou-se conhecido o rendimento dos produtores e foi decidido fazer a primeira contribuição para um fundo, então era um dinheiro de dentro da cooperativa dos produtores. Então esse dinheiro foi usado para fazer empréstimos para aqueles que dele necessitam, porque eles disseram, bem já que estamos ganhando mais com o café, vamos ajudar quem está pagando o agiota da comunidade, o agiota empresta dinheiro para eles quando eles não têm, quando a colheita não deu boa. Então, como nós vamos tapando as outras necessidades, percebemos que com este fundo, que é deles, pois ele é usado para emprestar a eles, necessidades muito latentes que são a saúde, a doença, alimentação, comprar milho, comprar feijão, ferramentas de trabalho, fertilizantes, equipamentos, festas comunitárias” (COORDENADOR DA MICROFINANCEIRA, informação verbal).

A microfinanceira foi organizada para preencher uma das lacunas identificada pelo projeto. Os atores perceberam que já haviam avançado muito na melhoria dos processos de produção do café e na remuneração dos produtores, porém, em certa altura do ano, eles não ficavam sem recursos e precisavam recorrer aos ‘coiotes’ ou agiotas da região. Assim, todo o esforço para o desenvolvimento do projeto acabava voltando à estaca zero, visto que os produtores ficavam, mais uma vez, reféns dos sistemas paralelos da região.

Em consequência, um novo projeto dentro da Yomol A’tel ganhou força: organizar uma microfinanceira que tivesse um fundo para quando os produtores precisassem de recursos financeiros. O projeto está em fase de crescimento, mas já atende muitas famílias, tendo índice de inadimplência baixo e retorno positivo para continuar auxiliando outras famílias locais. Com esta última empresa, toda a cadeia foi fechada, auxiliando os produtores no processo de independência das instituições usurpadoras da região.