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4.3 Inovação social

4.3.1 Dimensões da inovação social

Alguns pesquisadores procuram identificar dimensões que possibilitem, em futuras investigações, a classificação e o mapeamento de casos e contextos de inovação social. Encontraram-se pelo menos cinco trabalhos que sugerem dimensões de análise para a inovação social: André e Abreu (2006); Cloutier (2003); Santos (2012); Tardif e Harrisson (2005); The Young Foundation (2012). Nesta seção, visa- se analisar as contribuições destes cinco trabalhos e, a partir deles, formular uma proposição que atenda aos critérios desta pesquisa.

No primeiro trabalho analisado, Tardif e Harrisson (2005) observaram 49 estudos desenvolvidos por pesquisadores do CRISES e identificaram que há, pelo menos, cinco definições essenciais para o conceito de inovação social que correspondem à transformação social: (1) novidade e caráter de inovação; (2) objetivo da inovação;
(3) processo de inovação; (4) relações entre atores e estruturas; (5) restrições na inovação. Os referidos autores adaptaram as terminologias e propuseram, com base na análise dos trabalhos publicados pelo citado centro de pesquisa, cinco dimensões de inovação social – transformação; caráter inovador; inovação; atores; processos – conforme mostra o Quadro 12.

Quadro 12: As dimensões de análise de uma inovação social pelo CRISES

Fonte: Adaptado de Tardif e Harrisson (2005).

Esta classificação proposta pelos autores do CRISES foi utilizada por dois estudos brasileiros – Maurer e Silva (2012); Souza e Silva Filho (2014) – que a citam como uma importante ferramenta para compreender o contexto de projetos de inovação social, por ser uma classificação completa, oriunda de um dos centros de pesquisa mais renomados no assunto. Esta classificação não é taxativa, ou seja, é uma proposta para compreender os processos, entretanto não se há de utilizá-la como uma proposta fechada, na qual novas dimensões não possam emergir ou na qual as dimensões propostas possam não estar presentes em determinados projetos.

Para conferir maior clareza à dimensão intitulada ‘transformações’, Tardif e Harrisson (2005) identificam três diferentes perspectivas de análise. A primeira diz respeito ao contexto em torno das transformações, a ênfase sobre os conceitos de crise, ruptura, descontinuidade em escalas macro e micro, em que as mudanças

estruturais implicam a necessidade de atores para repensar ações e formular novas soluções, em tempos de crise econômica e social. A segunda relaciona-se com a estruturação econômica local, regional e nacional, que pode passar por mudanças radicais ou adaptações (ajuste), por meio de novos caminhos (conversão) ou por intermédio da criação de uma nova produção (emergência). Por estar relacionada à mudança da economia, tal dinâmica carece de mudanças nas relações de trabalho, relatórios de produção e relatórios de consumo. Na mesma órbita, reside a terceira perspectiva, em que o contexto de crise atua sobre a esfera social. Os autores referem que nela se está diante da reestruturação ou reconstrução dos laços sociais, com a adoção de novas práticas e mudanças das relações sociais. Isto acaba gerando preocupações, no meio acadêmico, em relação aos temas vinculados às mudanças estruturais, como polarização, exclusão, marginalização social e econômica.

Tardif e Harrisson (2005) apresentam perspectivas de análise em que a inovação social representa um elo da economia e da inovação, na esfera social, no contexto da crise das instituições, sobretudo do Estado, na crise do emprego devido à falta de mão de obra. Para estes autores, a inovação se constitui pelo bem-estar atingido através das respostas desenvolvidas pelos atores nessas crises, sendo as soluções descritas como algo ‘novo’, que implica a implementação de novos arranjos institucionais entre os atores, inclusive com novas regras sociais. Novos programas ou novas políticas públicas podem promover, apoiar ou restringir o aparecimento de novas práticas sociais e econômicas que representam a dimensão de transformação da inovação social.

Tardif e Harrisson (2005), ao tratarem da terceira dimensão, indicam que os pesquisadores do CRISES dividiram a inovação em cinco categorias principais: técnica (ou tecnológica), sociotécnica, social, organizacional; institucional. Em que pese a maior parte das pesquisas concentrarem-se nos três primeiros grupos, o foco dos estudos de Tardif e Harrisson (2005) se direciona para a inovação social. Conforme tais autores, a inovação social é um processo localizado e iniciado por diferentes atores, que procuram mudar as interações entre si e com seu meio de organização institucional, bem como promover diferentes interações, de forma a superar os efeitos das crises, com a tentativa de conciliar os diferentes níveis de interesse particular, o interesse coletivo e o interesse geral ou bem comum.

A quarta dimensão – atores envolvidos no processo de inovação social – refere que a conexão dos atores constitui ‘jogadores híbridos’ com comitês bi e tripartite,

bem como redes que constituem projetos de inovação local. Com a miscigenação de atores chega-se ao aprendizado de novos comportamentos para o desenvolvimento de novas regras e normas. O objeto final em projetos de inovação é que todos os atores políticos estejam envolvidos no processo de cooperação, comportando-se como facilitadores em negociações, consultas e acordos formais e informais que permitirão a governança adequada do projeto de inovação. Nesse prisma, a inovação coloca em perspectiva a participação e o envolvimento de múltiplos intervenientes, sendo uma questão fundamental o fortalecimento das condições para a participação das organizações da sociedade civil (movimentos sociais, sindicatos, comunidade, voluntários e cooperativas) no desenvolvimento e na implementação de projetos inovadores junto a outros atores institucionais e particulares.

Tardif e Harrisson (2005) indicam que o processo de avaliação e o impacto do projeto constituem ferramentas essenciais e intrinsecamente conectadas à inovação. De acordo com estes autores, a avaliação tem como finalidade descobrir alguns dos rigores institucionais que acabam por limitar os processos de inovação e de distribuição. É possível observar o contexto e as condições para o surgimento da inovação social, os processos que estão vinculados à inovação, tais como atores, modos de coordenação, meios e restrições existentes, para obter um retrato de experimentação e avaliação.

O segundo trabalho analisado foi o do projeto TEPSIE, que procurou esclarecer quais seriam os elementos para classificar um projeto socialmente inovador, propondo cinco elementos centrais da inovação social e oito características comuns aos projetos de inovação social, conforme mostra a Figura 4.

Figura 4: As dimensões da inovação social - TEPSIE

Fonte: Adaptado de The Young Foundation (2012).

São sugeridos cinco elementos que devem estar presentes para definir uma prática socialmente inovadora: (1) novidade – as inovações sociais são novas para o campo, setor, região, mercado ou usuário, ou devem ser aplicadas de uma nova forma; (2) da ideia para a implementação – há distinção entre invenção (desenvolvimento de ideias) e inovação (implementação e aplicação de ideias); (3) atender a uma necessidade social – as inovações sociais são explicitamente projetadas para atender a uma necessidade social reconhecida; (4) eficácia – as inovações sociais são mais eficazes do que as soluções existentes, elas criam uma melhoria mensurável em termos de resultados; (5) melhorar a capacidade da sociedade para agir – capacita os beneficiários através da criação de novos papéis e relacionamentos, desenvolvendo ativos e capacidades e/ou melhorando a utilização de ativos e recursos (THE YOUNG FOUNDATION, 2012).

Na segunda camada de análise, identifica-se uma série de características comuns de inovação social. Algumas delas se sobrepõem e estão interligadas ou as inovações sociais não exibem nem muitos, nem qualquer um desses recursos. As características comuns são: (a) cross setorial – ocorre nas interfaces entre os setores e envolve atores de todos os setores; (b) novas relações sociais e capacidades – as inovações sociais são desenvolvidas ‘com’ e ‘por’ usuários e não entregue ‘por’ e

‘para’ eles. Elas podem ser identificadas pelo tipo de relação que criam com e entre seus beneficiários; (c) aberto, colaborativo e experimental – produção pelas massas – um grande número de pessoas trabalha de forma independente, em projetos coletivos, sem as estruturas e os mecanismos normais de mercado; (d) prosumption e coprodução – fronteira não bem definida entre produtores e consumidores; (e) grass-

roots, bottom-up – sistemas distribuídos, em que a inovação e a iniciativa são

dispersas para a periferia e ligadas por redes; (f) mutualismo – noção de que o bem- estar individual e coletivo é obtido somente através de dependência mútua; (g) melhor utilização dos bens e recursos – reconhecimento, exploração e coordenação dos meios sociais latentes; (h) desenvolvimento de capacidades e recursos – abordagem participativa, permitindo que os beneficiários possam satisfazer as necessidades a longo prazo (THE YOUNG FOUNDATION, 2012).

O terceiro modelo que procura categorizar as dimensões de inovação social é a proposta de André e Abreu (2006), os quais, respondendo a cinco questões centrais, elaboraram um quadro conceitual sobre inovação social. As perguntas são: 1. O que é a IS?; 2. Por que se produz IS?; 3. Como se produz IS?; 4. Quem produz IS?; 5. Onde se produz IS? As repostas a estas cinco indagações, remetem a cinco dimensões de análise da inovação social (Figura 5).

Figura 5: Dimensões da IS - André e Abreu

Fonte: Elaborado pela autora com base em André e Abreu (2006).

A primeira dimensão, denominada natureza, responde a ‘o que é IS’. Ela está associada à essência da inovação social, ou seja, seu foco é a mudança social. As mudanças ocorrem no âmbito das políticas, dos produtos ou dos processos, sendo

mais natural associar a IS a este último, visto que a inclusão social e a capacitação de agentes são processos, assim como a mudança social considerada como transformação das relações de poder. Os mesmos autores mencionam que a IS pode ocorrer em diferentes domínios, nos quais ela emerge e se desenvolve: econômico, tecnológico, político, social, cultural, ético.

A segunda dimensão, denominada estímulos, responde a ‘por que se produz IS’. Diferente da inovação tecnológica, a IS é alavancada não em virtude de lucros ou sobreposição a concorrentes, mas de adversidades sociais às quais visa ultrapassar, de riscos que visa mitigar, de desafios que visa responder, de oportunidades que procura aproveitar.

A terceira dimensão, denominada recursos e dinâmicas, responde a ‘como se produz IS’. Quanto aos recursos necessários para o processo de IS, observa-se a necessidade de conhecimento e saberes (qualificação – informação e comunicação; capital relacional – de proximidade geográfica com comunidade local, regional, nacional; desterritorialização). Em relação às dinâmicas associadas à consolidação e à difusão da inovação, nota-se a institucionalização e a absorção; o manter-se em um quadro não institucionalizado; o esgotamento, que acaba no momento que o problema se resolve; a travagem ou o abandono.

André e Abreu (2006) compreendem que a inovação social está fora da esfera mercantil e, por isso, consideram que a IS raramente se sustenta financeiramente, sendo ‘institucionalizada’ por outras organizações. Esta concepção não é adotada nesta tese, por se compreender que a IS pode ser uma atividade voltada para atividades mercantis, desde que possua, em sua essência, uma missão social.

A quarta dimensão, agentes, responde a ‘quem produz IS’. Os referidos autores classificam esta dimensão em instituições (públicas, privadas ou terceiro setor); organizações; movimentos sociais. O papel desenvolvido pode ser de mediadores ou inovador/adotante. As relações de poder podem ser hegemônicas ou não hegemônicas.

A quinta, denominada meios inovadores ou criativos, responde a ‘onde a IS é desenvolvida’. O meio pode ser um lugar (binômio comunidade-território, que se afirma através da identidade e do sentido de pertencimento), ou um espaço-rede constituído por nós e por fluxos, materiais ou imateriais. Os mesmos autores adotam o conceito de plasticidade para entender como o meio pode fazer variar a criatividade dos processos, compreendendo que o meio deve ser suficientemente flexível e, ao

mesmo tempo, suficientemente organizado para que possam sofrer alterações sem perder a sua identidade. Para André e Abreu (2006), os lugares criativos possuem três características: diversidade sociocultural; tolerância que permita o risco para inovar; democracia, com a participação ativa dos cidadãos.

Com uma abordagem muito semelhante à de André e Abreu (2006), o quarto modelo é o de Cloutier (2003), o qual elaborou seis dimensões de análise para as inovações sociais: 1. objeto (demonstrando a necessidade de um caráter inovador e a busca por uma solução inovadora. Evidencia-se o caráter tangível da ação: de processo, organizacional, institucional, de produto ou tecnológico); 2. campo (todos os setores da sociedade podem estar envolvidos); 3. alvo de mudança (no nível dos indivíduos, do território ou da sociedade); 4. objetivo (bem-estar dos indivíduos e da coletividade, com a resolução de problemas presentes, a prevenção de problemas futuros e a busca por aspirações); 5. processo (atuação de diversos atores e usuários, com níveis diferentes de interação); 6. resultados (mensuração do impacto qualitativo dos resultados da IS).

O quinto trabalho segue os modelos de André e Abreu (2006) e de Cloutier (2003). Santos (2012), em sua tese doutoral, identificou, por meio da análise das seis dimensões da IS, elementos importantes sobre o processo de inovação social. Tal tese identificou a característica de uma inovação aberta pelo modelo de Chesbrough (2003) e pelo modelo stage-gate, proposto por Cooper. Outra contribuição para a proposta do framework da autora adveio das fases de desenvolvimento de uma inovação, como sugerido por Mulgan (2010).

Para Murray, Caulier-Grice e Mulgan (2010) o processo de inovação social é composto por seis etapas: 1. inspiração e diagnóstico; 2. propostas e ideias; 3. prototipagem e piloto; 4. manutenção; 5. difusão; 6. mudança sistêmica. Pela concepção destes autores, o processo não é necessariamente sequencial, podendo ocorrer ‘saltos’ para etapas posteriores ou feedbacks entre as etapas.

Considerando estas referências teóricas e a aplicação de três etapas de coleta de dados em um caso empírico do terceiro setor, Santos (2012) propôs um framework para analisar os projetos de inovação social, conforme mostra a Figura 6.

Figura 6: Desenvolvimento de uma inovação social

Fonte: Santos (2012, p.180).

Santos (2012) identificou cinco estágios para o desenvolvimento de uma inovação social, iniciando pela fase proposição, na qual um grupo de atores apresenta a ideia; seguida pela fase diagnóstico, em que é realizada a coleta de informações sobre a realidade local, necessidades e anseios, para definição do projeto piloto, que é a terceira fase. Na quarta fase, há a difusão da metodologia e os ajustes necessários ao projeto, o que conduz à última fase, a da mudança na comunidade, que ocorre após a adaptação do projeto ao ambiente. Uma das contribuições da mesma autora configura-se na identificação de que o processo de inovação social não é imposto para a comunidade, mas construído por ela, pois à medida que o projeto evolui, ele vai se adaptando à realidade local. O framework deve ser analisado considerando que as intersecções entre os círculos são os momentos de avaliação do projeto, que conduzem à próxima etapa. As descontinuidades nos contornos demonstram a necessidade de interação com o ambiente, evidenciando uma inovação aberta.

No caso mexicano, observou-se que a iniciativa Yomol A’tel transformou a realidade da região, modificando as estruturas que dominavam o mercado, ou seja, os ‘coiotes’. De forma pioneira, implementou o projeto de inovação social, observando- se a inovação de práticas organizacionais, de mercado e de produto. Outro fator identificado e muito discutido na análise dos dados foi referente aos atores envolvidos e suas relações.

Quando avaliadas as dimensões propostas pelos cinco modelos apresentados na literatura e a análise dos dados do caso exploratório, observa-se que há ligação entre elas, sobressaindo elementos importantes para análise. Agrupando as dimensões propostas por semelhanças entre os modelos e o caso, apresenta-se a quarta proposição teórica.

Proposição 4 – As iniciativas de inovação social orientam-se a partir de

cinco dimensões: 1. modificação/transformação de uma necessidade social; 2. solução inovadora; 3. implementação do processo de inovação social; 4. envolvimento de atores e partes interessadas; 5. efetividade de resultados.

Na análise de projetos de inovação social, estas cinco dimensões podem auxiliar na compreensão das iniciativas, identificando fatores essenciais, como o que é modificado/transformado, ou seja, qual a necessidade social que é atendida. Outro fator relacionado refere-se à solução, que deve ser inovadora, isto é, o projeto deve não somente atender a uma missão social, mas também apresentar uma inovação na forma de um novo produto, serviço ou processo. A terceira dimensão de análise proposta refere-se ao meio no qual a inovação social é implantada, estando diretamente relacionada à quarta dimensão – quais atores e partes interessadas participam do processo de inovação. A quinta dimensão intenta compreender como o processo ocorre para alcançar resultados efetivos.

4.3.2 Inovação social, empreendedorismo social, empresa social e