A escolha do caso da Ecocitrus foi motivada durante meu período de doutorado sanduíche em Bruxelas. Após algumas reuniões com os orientadores e algumas discussões sobre minha participação no grupo de pesquisa TRANSIT, fui convidada para coletar dados de uma iniciativa brasileira, com os formulários de pesquisa do TRANSIT. Eu deveria entregar o material em inglês e em versão compatível com o banco de dados do grupo.
Em conversa com a professora Luciana, minha orientadora brasileira na época, chegamos à conclusão que seria uma experiência fantástica e que muito agregaria à minha experiência como pesquisadora. Nossa preocupação era se seria possível utilizar estes dados em minha tese. Em contato com o responsável pelo projeto, Dr. Bonno Pel, ele autorizou que eu inserisse, no formulário do TRANSIT, algumas questões de pesquisa pertinentes à minha tese e que os dados coletados para o TRANSIT fossem utilizados por mim utilizados.
Com esta nova perspectiva e entusiasmada com o fato de poder coletar dados para um grupo tão relevante em inovação social, meu novo desafio era encontrar a iniciativa brasileira que se adaptasse tanto ao grupo europeu quanto à minha tese. A exigência do grupo de pesquisa era uma iniciativa em inovação social que fosse membro da rede internacional RIPESS – Réseau Intercontinental de Promotion de
L'économie Sociale Solidaire.
Após muitas investigações e conversas com a professora Luciana e com o Dr. Bonno Pel, chegamos ao nome da Ecocitrus, iniciativa localizada no município de Montenegro, no Rio Grande do Sul. Ao trabalhar com os preceitos da economia social e solidária, a Cooperativa Ecocitrus faz parte do FBES – Fórum Brasileiro de Economia Solidária, o qual está vinculado à RIPESS, como representante brasileiro. O FBES é uma rede que está organizada no Brasil em mais de 160 fóruns municipais, microrregionais e estaduais, envolvendo mais de 3.000 projetos de economia social e solidária. Por estar localizada na cidade de Montenegro, a cooperativa faz parte do fórum do Rio Grande do Sul.
A Ecocitrus foi criada para trabalhar com os conceitos de sustentabilidade e economia solidária, a fim de reduzir as desigualdades sociais e as dificuldades enfrentadas pelos pequenos agricultores. Desde sua fundação, os preceitos são
trabalho coletivo, economia solidária e desenvolvimento da região, o que deixa clara a forte relação ideológica com a rede RIPESS.
Meu desafio passou a ser o contato com os dirigentes e a obtenção do aceite da cooperativa. Tentei, sem sucesso, a comunicação por meio de alguns e-mails. Entãoresolvi recorrer a um tio de meu esposo que é agrônomo e possuía antiga ligação com um dos dirigentes da Ecocitrus. Assim consegui a possibilidade de um primeiro contato mais efetivo, agendando um telefonema para expor os objetivos da coleta. Neste período eu ainda estava residindo em Bruxelas e os primeiros contatos ocorreram por telefone e por e-mail.
A cooperativa, por intermédio de um de seus dirigentes, manifestou, inicialmente,desconforto em participar do estudo, alegando que já havia participado de inúmeras pesquisas e que, muitas vezes, o retorno não vinha e o tempo despendido não era recuperado. Depois de muita conversa e vários acertos, consegui o aceite, comprometendo-me com a correta divulgação dos resultados e dados coletados.
Principiei as entrevistas, incialmente por Skype. Consegui fazer quatro entrevistas desde Bruxelas, o que permitiu a análise inicial dos CTPs para o TRANSIT. No meu retorno ao Brasil, agendei a coleta de dados para os dias 17 e 18 de agosto de 2016, na sede da Ecocitrus.
Em ambos os dias, aluguei um carro na cidade de Porto Alegre e dirigi até Montenegro. A estrada é duplicada e a região aparenta bom desenvolvimento econômico. A Ecocitrus possui três sedes na cidade e eu fui recebida em duas delas. Minha primeira parada foi na usina de compostagem de resíduos, para conhecer o processo de produção de biogás. O odor no local é muito forte e seu aspecto não é agradável. Entretanto, essa não foi a sensação que prevaleceu, após ouvir os relatos de colaboradores e dirigentes.
A usina é responsável pelo tratamento dos resíduos oriundos da produção de citrus da região, bem como de outros resíduos vindos de terceiros. O processo é fascinante, uma vez o ‘lixo’ é transformado em gás, utilizado para abastecer os veículos da cooperativa e de seus sócios. Além de serem respeitados os princípios da energia renovável e ecologicamente correta, há benefícios econômicos para os sócios.
Fui recebida pelo responsável técnico da unidade e por alguns de seus colaboradores, que me conduziram a uma visita guiada pela usina. Eles explicaram todo o processo e tiraram as dúvidas surgidas. Logo após esta visita, fui até a segunda
sede da empresa, na agroindústria. Lá fui recebida pelo vice-presidente da cooperativa que também me guiou pela sede, apresentando o processo de produção de sucos orgânicos e de óleos essenciais.
A sensação de receptividade foi excelente, as pessoas estão envolvidas com o projeto e interessadas em demonstrar os diferenciais que fizeram a Ecocitrus se tornar conhecida no Brasil inteiro. A cooperativa participa ativamente de diversos grupos de discussão sobre produtos orgânicos e produção sustentável.
Esta narrativa foi elaborada de modo diferente das demais, estando mais direcionada para a forma como foram realizados a coleta e os contatos com os atores. Isso se justifica pelo acesso que consegui à cooperativa e pelo fato de a Ecocitrus possuir características diferentes dos outros casos, com cunho comercial mais desenvolvido. Optei em manter a narrativa como forma metodológica para seguir o mesmo padrão dos demais casos, embora meu envolvimento pessoal com cada caso tenha sido diferente.
Também pode-se perceber que essas diferenças talvez estejam relacionadas com o próprio momento histórico de cada caso estudado. Assim, os dois primeiros casos vivem a mudança social in loco enquanto na Ecocitrus a mudança é apenas narrada, baseada na memória e nos fatos passados. O sentimento envolvido e os depoimentos dos entrevistados podem ter sido afetados por essas questões.