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O caso Bailique envolve mais do que uma atividade comercial, é um projeto multifacetado que proporciona diversos benefícios para a comunidade localizada no delta do Rio Amazonas. A região fica a, aproximadamente, 180 quilômetros ou 14 horas de barco de Macapá – capital do estado do Amapá, no norte do Brasil, região da Floresta Amazônica, sendo composta por 36 comunidades tradicionais.

Para melhor compreender o projeto, deve-se retomar o Protocolo de Nagoia, do qual o Brasil é signatário, que visa garantir a repartição justa e equitativa dos benefícios, mantendo a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável de seus componentes. Assumindo este primeiro entendimento, formou-se o GTA – Rede Grupo do Trabalho Amazônico, com o intuito de construir uma metodologia de trabalho que gerasse um instrumento de proteção aos direitos dessas comunidades, gestão de seu território, manejo e uso sustentável dos recursos naturais. Este instrumento, denominado Protocolo Comunitário, contém regras internas criadas pela própria comunidade (GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO, 2014).

O grupo observou que as comunidades tradicionais estavam sujeitas a grandes grupos empresariais, que chegavam para ‘negociar’ os produtos da região munidos, muitas vezes, de ‘más intenções’, visando explorar as comunidades e os recursos de seus territórios. Os PCTs – Povos e Comunidades Tradicionais não tinham conhecimento nem informação suficientes para estabelecer um contrato justo e equitativo, ficando à mercê do valor e das condições impostas pelos grupos externos.

A construção de protocolos comunitários tem como objetivo empoderar povos e comunidades tradicionais para dialogar com qualquer agente externo de modo igualitário, fortalecendo o entendimento da comunidade dos seus

direitos e deveres e estabelecendo a importância da conservação da biodiversidade e de seu uso sustentável. Além disso é uma importante ferramenta de gestão de territórios, assim como do controle e da forma de uso de recursos naturais (GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO, 2014).

A implantação de um Protocolo Comunitário, requer, pelo menos, três fases: a primeira corresponde ao desenvolvimento do Protocolo Comunitário pela comunidade; a segunda, envolve as melhorias de arranjos produtivos, quando a comunidade trabalha para identificar potencialidades econômicas em seu território, iniciando acordos comerciais e seguindo as normas estabelecidas na primeira fase; a terceira ocorre quando a comunidade desenvolve a certificação socioparticipativa de seus produtos, almejando o incremento de renda e a melhoria dos processos de produção (GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO, 2014).

Na fase 1 da metodologia do Protocolo Comunitário, foram seguidos dois passos:

1. passo 1 – consentimento livre, prévio e informado: a comunidade dá seu consentimento para que o protocolo se torne legítimo e funcional. Neste, deve- se fazer uma Oficina Consulta, em três etapas: capacitação das lideranças; consentimento; discussão de temas do protocolo.

2. passo 2 – apresentação do ciclo de oficinas: são realizadas quatro oficinas de temas diferentes e dois ‘encontrões’. Para participar das oficinas, são eleitas lideranças locais, que representem toda a comunidade. Para os ‘encontrões’, toda a comunidade é convocada. Os temas de cada encontro foram:

• oficina 1 – diagnóstico sócio/econômico/ambiental/cultural;

• oficina 2 – legislação internacional, nacional, conceitos, políticas públicas voltadas para PCTs;

• encontrão 1 – devolução da oficina 1; roda de conversa com gestores públicos das políticas direcionadas a PCTs; criação do comitê gestor do protocolo comunitário;

• oficina 3 – capacitação de Abs; políticas públicas para PCTs;

• oficina 4 – devolução do encontrão 1; discussão de prioridades para o protocolo; riscos e oportunidades;

• encontrão 2 – fechamento final dos acordos para o Protocolo Comunitário.

Os dados sobre estas oficinais e os resultados alcançados estão detalhados na seção de análise de dados e entrevistas. Cumprida a fase 1 do protocolo, o GTA deu início à segunda e à terceira fases, ou seja, à construção de um plano de desenvolvimento sustentável local e ao fortalecimento institucional comunitário. Esta segunda etapa teve os seguintes objetivos:

1. fortalecimento institucional da organização comunitária; 2. plano de desenvolvimento sustentável local;

3. organização das cadeias
produtivas locais – identificadas no diagnóstico produtivo;

4. desenvolvimento tecnológico e inovação;

5. identificação de novos produtos, parceiros e mercados;

6. prospecção e acesso às políticas públicas estruturantes (GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO, 2016).

Nesta segunda etapa, foram realizados mais seis ‘encontrões’. A coleta de dados para esta tese ocorreu durante o oitavo ‘encontrão’. As demandas do protocolo foram organizadas em GTs – grupos de trabalho, para facilitar as discussões e agrupar os interessados: GT conhecimento tradicional; GT produção e extrativismo; GT juventude; GT meio ambiente; GT questão fundiária.

Além dos grupos de trabalho, foi definida a implantação de um CVT – Centro de Vocação Tecnológico, responsável pelas análises e implementações do desenvolvimento econômico da região. Quatro produtos foram identificados como prioritários: açaí, pescado, plantas medicinais, óleos. Após estas definições, o GTA passou a procurar parceiros para desenvolver as práticas. Nessa ocasião, surgiu a parceria com a FURG – Universidade Federal do Rio Grande, que, com um projeto de pesquisa, passou a coordenar o CVT, possibilitando a criação de um curso tecnológico para os produtores do Bailique e de outros projetos secundários, a fim de desenvolver as possibilidades produtivas da região.

Como resultado dessa parceria, foi realizada uma oficina de boas práticas no manejo dos açaizais, com a participação de 134 famílias, e foram feitas hortas comunitárias com plantas medicinais para dar início ao projeto da Farmácia da Terra.

No Encontrão VI, em final de 2015, convidados externos foram chamados até o Bailique, para a primeira rodada de negociação visando a possíveis negócios e parcerias. Estiveram presentes, aproximadamente, 300 comunitários, de 40

comunidades do território. Fizeram-se também presentes a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (COIAB), o Fundo Vale, Fundação AVINA, CENTROFLORA, Consultoria PLANT, Fundação CERTI, GREEN Bioetanol Social, NATURA, Fundação Banco do Brasil, EMBRAPA/AP e Projeto Casa Espírita Terra de Ismael. Em consequência desse encontro, dois principais projetos foram iniciados: naquele relacionado à produção de açaí, foi analisado como escoar o produto sem depender de intermediários; naquele referente ao Grupo de Conhecimento Tradicional, definiu-se que a semente de ‘unha de gato’ deveria ser melhor estudada para fins de conservação e comercialização (GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO, 2016).

Outra iniciativa importante desta fase surgiu, no segundo semestre de 2015: o programa de apoio educacional para estudantes e universitários da Escola Família, visando que os jovens se desenvolvam e tragam novo protagonismo para as comunidades. No entanto, somente em janeiro de 2017, teve inícioo primeiro Curso Técnico em Alimentos, com 20 alunos matriculados.

Uma das maiores conquistas do projeto chegou em dezembro de 2016, com o recebimento do selo de certificação da FSC – Forest Stewardship Council. A conquista de tal certificação é histórica, por ser ela a primeira certificação de açaí no mundo. Em matéria publicada no jornal Estadão percebe-se a importância da conquista para o Brasil e para a FSC:

Antes da certificação, que atesta a boa qualidade do produto, os cerca de cem produtores do Bailique faziam vendas individuais e por um valor muito baixo, numa média de R$ 0,30 o quilo do açaí. Agora pretendem alcançar mercados diferenciados e conseguir preços melhores. O FSC, Forest Stewardship Council, é um sistema de certificação florestal internacionalmente reconhecido que identifica, por meio de sua logomarca, produtos originados do bom manejo florestal (RIBEIRO, 2017).

Figura 9: Processos do Protocolo Comunitário do Bailique

Fonte: Elaborado pela autora (2017).

Alguns fatores a serem observados, neste caso, são a criação do Protocolo Comunitário e a definição das principais atividades econômicas. Desse processo, surgiu a certificação FSC, que possibilitou aumento no valor do açaí e novas possibilidades para sua comercialização. O incremento de renda para os produtores locais gerou um fundo que será investido na criação da Escola Família, fechando o importante ciclo de capacitação da comunidade para dar seguimento ao projeto.