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4 O PENSAMENTO ALGÉBRICO NA PERSPECTIVA DA TEORIA DA

4.1 A analiticidade

A analiticidade é a principal característica do pensamento algébrico. Deste modo, é o que distingue a aritmética da álgebra, de acordo com a Teoria da Objetivação.

A analíticidade se fundamenta em dois vetores, o primeiro é que a mesma apresenta ações com o desconhecido como se fosse conhecido e assim o faz por meio da dedução, sendo assim, a analiticidade não pode ser alcançada por intermédio de relações aritméticas entre os números. A dedução é uma estratégia de pensar a partir de premissas, desta forma, não faz uso da “tentativa e erro”, pois se fundamenta em uma sequência ou ordem de certezas.

A TO se baseia em René Descartes, que explicita um tratamento analítico ao não diferenciar quantidades explícitas e implícitas em cálculos que envolvem a geometria analítica (RADFORD, 2013). Descartes relaciona álgebra à geometria e aproxima a matemática da filosofia ao tratar sobre o processo minucioso de resolução de problemas baseado em premissas.

Para Descartes, o método filosófico para resolver problemas por intermédio da dedução e racionalismo consiste em:

[...] nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, em evitar, com todo o cuidado, a precipitação e a prevenção, só incluindo nos meus juízos o quenão se apresentasse de modo tão claro e distinto a meu espírito, que eunão tivesse ocasião alguma para dele duvidar.O segundo, em dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas partes quanto possível e necessário para resolvê-las.O terceiro, em conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelosobjetos mais fáceis de conhecer, para subir, aos poucos, gradativamente, ao conhecimento dos mais compostos, e supondo também, naturalmente, umaordem de precedência de uns em relação aos outros.E o quarto, em fazer, para cada caso, enumerações tão completas erevisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de não ter omitido nada. (DESCARTES, 2002, p.31-32)

Assim, quando o aluno utiliza procedimentos intuitivos, sem um argumento lógico que justifique suas ações por meio de premissas, apenas mediado pela espontaneidade e instinto, não utiliza um processo de raciocínio dedutivo, visto que não é baseado em um pensamento analítico e sim aritmético. Acerca disso, Radford (2013) explica que a diferença entre aritmética e álgebra é de natureza

epistemológica, posto que a presença de uma indeterminação não é o único fator que envolve o pensar algébrico. Por esse motivo, o matemático François Viète nomeia a álgebra como a arte analítica (RADFORD, 2013, p. 259).

Nossa investigação considera o pensamento como um processo multimodal, esse, envolve diversos elementos e constitui-se na cultura, por isso, não nos propomos a analisar os limites exatos entre o pensamento algébrico e aritmético e sim as estratégias de pensamento demonstradas pelas crianças na introdução da álgebra, dando relevância a analiticidade. Ressaltamos também que a presença de uma ou mais incógnitas em uma sentença matemática não é o fator que determina o pensamento algébrico, mas compreendemos que a estrutura das sentenças matemáticas no processo de introdução à álgebra é importante, uma vez que a presença de termos desconhecidos ajuda o sujeito a se familiarizar com situações que contenham indeterminâncias.

Radford (2008) enfatiza a importância da analiticidade ao esclarecer que uma resolução matemática pode ser alcançada corretamente por meio de palpites, porém, essa estratégia é caracterizada como aritmética, pois não parte de uma proposição específica.

Deixe-me considerar a equação 2x + 2 = 10 + x. Na perspectiva do pensamento algébrico que estou delineando aqui, uma solução por tentativa e erro não seria considerada como algébrica, mesmo que a tarefa inclua números indeterminados e os alunos estejam trabalhando com notações. Em uma solução baseada em tentativa e erro, os alunos estão recorrendo apenas a conceitos aritméticos. Por outro lado, se os alunos deduzirem 2x + 2 = 10 + x que 2x = 8 + x (subtraindo 2 de ambos os lados da equação), etc., podemos dizer que os alunos estão pensando algebricamente. Eles estão trabalhando através das consequências de assumir que 2x + 2 é igual a 10 + x (RADFORD, 2018a, p. 9, tradução nossa)

No exemplo apresentado por Radford, pensar algebricamente levaria o aluno a agir a partir do símbolo de igualdade como indicação de equivalência, uma vez que realizaria uma subtração de mesma quantidade em ambos os termos da equação, conforme demonstrado no Quadro 12.

Quadro 12 – Exemplo de resolução algébrica Ação 1: (-2) 2x + 2 = 10 + x (-2) Ação 2: (-x) 2x= 8 + x (-x) Ação 3: x = 8

Fonte: elaborado pela autora, com base em Radford (2018, p. 9)

Esse procedimento, baseado na relação de equivalência é genuinamente algébrico. Um exemplo de resolução aritmética seria realizar várias tentativas de encontrar um valor conhecido para X, até se chegar a uma igualdade, ou ainda fazendo uso direto das operações inversas. No entanto, ao assumir a igualdade de 2x + 2 = 10 + x como uma premissa, todas as ações subsequentes devem manter a igualdade de ambos os termos, o que implica a visualização da equação em sua totalidade, bidirecionalmente, por intermédio do símbolo de igualdade.

Em função disso, em nossas análises, refletimos acerca da relevância da analiticidade como principal vetor que caracteriza o pensamento algébrico, buscando identificar nas estratégias demonstradas pelas crianças, indícios de pensamento analítico ou proto-analítico em crianças do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental no NEI/CAp-UFRN. A proto-analiticidade consiste em uma aproximação ao pensamento analítico, posto que, conforme explicado anteriormente, a analiticidade tem duas principais vertentes: agir com o indeterminado como se fosse determinado e a ação por meio da dedução. Assim, em algumas ocasiões, os dois vetores não aparecem concomitantemente. Então, quando há o uso de uma ou outra vertente, afirmamos que houve uma proto-analiticidade.

Ressaltamos que a relação entre aritmética e álgebra não pode ser alcançada por caminhos alternativos. Ou seja, ainda que o aluno possua habilidades desenvolvidas na aritmética, para a TO, é o pensamento analítico que diferencia a álgebra da aritmética.

Assim, no processo de investigação, utilizamos sentenças matemáticas com indeterminações, de modo que averiguamos nas estratégias demonstradas pelos alunos, indícios e aproximações ao pensamento analítico-dedutivo. Buscamos identificar e analisar em sentenças matemáticas, ocorrências em que percebemos uma aproximação à analiticidade, onde se busca tratar o desconhecido como prioridade, e se procura manipular o indeterminado como se tal quantidade fosse conhecida, o que para Radford consiste em pensar analiticamente, “ou seja, é preciso

considerar as quantidades indeterminadas como se fossem algo conhecido, como se fossem números específicos29” (RADFORD, 2013, p. 259, tradução nossa).

Intentamos também verificar nas estratégias demonstradas pela crianças, se as mesmas tratavam o termo desconhecido como primeiro plano, isso significa que, buscamos situações em que os estudantes manipulassem os números desconhecidos, pois, ao manipular apenas quantidades conhecidas, sinalizam tratar os números conhecidos em primeiro plano, conferindo, assim, prioridade a eles.

Elucidamos que nossa concepção para o trabalho pedagógico com a álgebra não se limita a uma situação de inserção de um termo desconhecido em uma expressão numérica, geralmente representado por uma letra, símbolo ou desenho. Apenas a presença do desconhecido não garante que a criança pense algebricamente, nesta investigação, concebemos a analiticidade no processo de introdução à álgebra, como o principal diferencial entre a operação com números conhecidos e desconhecidos. Assim, operar algebricamente é reconhecer, refletir e analisar tais indeterminações, como se as mesmas já fossem conhecidas (RADFORD, 2013), estabelecendo um sentido ao indeterminado e agindo baseado em premissas, num processo de raciocínio analítico-dedutivo.