• Nenhum resultado encontrado

3 TEORIA DA OBJETIVAÇÃO E OS CONCEITOS DE ATIVIDADE, SABER,

3.1 Atividade: um conceito central para a Teoria da Objetivação

A atividade para a TO é denominada de labor conjunto. A ideia de labor decorre de Leóntiev (1978) e tem relação com o papel da prática, da objetivação, do concreto e da coletividade no processo de atualização do saber em conhecimento. Diferentemente da concepção subjetivista, que enfatiza o pensamento e a razão ao invés do que é material, a TO se fundamenta em Marx, que defende que o homem é determinado pelos processos de vínculos reais e vice-versa (LEÓNTIEV, 1978).

Em suma, a atividade para a TO fundamenta-se na noção de que o ser humano é parte da natureza e satisfaz suas necessidades através da atuação no meio social. Portanto, para a TO, a atividade humana não é considerada meramente instrumental, mecânica e nem uma série de ações coordenadas, mas é dinâmica, um meio de expressar a vida.

No processo de ensino-aprendizagem, a atividade não se resume a um momento de realização de uma simples tarefa escolar. Para a TO, a atividade possui um conceito mais amplo, que contém objetivos e estratégias para se alcançar o fim pretendido e ainda, em seu conceito, enfatiza o papel cultural, dos signos e de seu uso pelos sujeitos. No labor conjunto acontece uma série de ações mobilizadoras (discussões orais entre alunos-alunos, alunos-professores, registros escritos, uso de gestos, dentre outros), de diferentes naturezas (social, cognitiva, dentre outras) que fomentam o encontro dos envolvidos com o saber matemático.

Assim, para a TO, a aprendizagem acontece na atividade, isto é, no labor

conjunto (RADFORD, SABENA, 2015). Por isso, a Teoria da Objetivação legitima a

processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, na presente investigação, nos baseamos em Radford (2006a, 2013, 2017c) para afirmarmos que o encontro, reconhecimento e familiarização dos sujeitos com o saber algébrico, isto é, o ensino- aprendizagem da álgebra, ocorre na atividade ou labor conjunto. Para Radford

A atividade deve ser vista como uma fonte de vida; um esforço conjunto em que passamos a agir, pensar e sentir juntos [...]. Minha tese, para resumir, é que devemos conceber a atividade como um esforço conjunto, e o trabalho conjunto, como um trabalho de estudantes e de professores e alunos trabalhando lado a lado, protegidos em formas não individualistas de cooperação humana e formas comunitárias de produção de saberes (RADFORD, 2017c, p. 156, tradução nossa21).

Ou seja, ensinar-aprender é eminentemente social. Considerar o processo de ensino-aprendizagem como social significa dizer que ele não ocorre de modo espontâneo. Para Vygotsky (2008), a aprendizagem ocorre através da relação entre o sujeito e o objeto de conhecimento, essa relação ocorre por meio de instrumentos, ou seja, o instrumento é um mediador. Contudo, quanto à função mediadora dos instrumentos, Radford (2018a) e Radford e Sabena (2015) defendem que os instrumentos semióticos não são simplesmente mediadores, mas que fazem parte do processo de materialização do conhecimento. Na atividade, os meios semióticos compõem o pensamento algébrico e não apenas o mediam. Vergel e Rojas (2018) recorrem à TO para enfatizar que pensar é um modo de agir e refletir, essa ação- reflexão sobre o mundo ocorre por artefatos, pelo corpo, com o uso de gestos, de movimentos, dentre outros. Dessa forma, a atividade é semiótica, uma vez que considera os significados culturais dos diferentes recursos/meios semióticos no processo de objetivação, ou seja, no processo de ensino-aprendizagem, como demonstra Vergel e Rojas (2018).

Outro aspecto importante a ser ressaltado neste tópico, é o papel do outro, destacado por Radford (2017c) ao denominar a atividade de labor conjunto. Na perspectiva da TO, o outro tem um papel essencial no processo de objetivação (conhecer). A sala de aula se define como uma rede de relações coletivas e

21Texto original: “La actividad debe ser vista como una fuente de vida; una labor conjunta en que llegamos a actuar, pensar y sentir juntos [...]. Mi tesis, para decirlo brevemente, es que debemos concebir la actividad como labor conjunta, y la labor conjunta como una labor de estudiantes, y de docentes y estudiantes que trabajan hombro con hombro, amparados en formas no individualistas de cooperación humana y formas comunitarias de producción de saberes”.

colaborativas. Assim, o professor e os alunos assumem papeis de agentes, com foco não em um resultado final, mas no processo de produzir colaborativamente algo (RADFORD, 2018b) com uma postura de relações horizontais entre professor-aluno, aluno-professor e aluno-aluno, sem dicotomias ou superioridade. No ambiente de aprendizagem a TO enfatiza que não se deve atentar apenas para a aquisição e internalização de habilidades como um produto final, mas para o papel dos participantes, suas diferentes linguagens, posicionamentos críticos e postura ao lidar com diversas situações e os meios/recursos semióticos demonstrados pelos sujeitos.

Assim, nosso foco de ensino-aprendizagem encontra-se em fatores mais amplos do que os aspectos puramente internos (cerebrais, cognitivos) dos sujeitos, posto que a aprendizagem ocorre no labor conjunto. O labor, conforme esclarecido, não se limita a uma série de procedimentos técnicos para o alcance de um objetivo, mas se constitui como uma rede de relações colaborativas que considera principalmente o processo e não apenas o produto, num contexto em que o saber não é exclusivo do professor e nem do aluno. Nas relações éticas do labor conjunto “não

há linha divisória entre eu e o outro, há espaço para um compromisso verdadeiro entre

os participantes da atividade22” (RADFORD, 2017c, p. 140, grifo do autor, tradução

nossa).

Essa proposição de atividade como um trabalho conjunto e colaborativo na TO, se coaduna com a perspectiva freireana da pedagogia crítica. Nela, o aluno não é concebido como um ser indiferente e apático que apenas recebe conteúdos do professor, como se este fosse o único detentor de saberes. A ênfase na obtenção de capacidades não é o foco da TO, pois a Teoria da Objetivação vai de encontro a uma educação bancária, isto é, aquela em que

O educador é o que educa; os educandos, os que são educados; o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem; o educador é o que pensa; os educandos, os pensados; o educador é o que diz a palavra, os educandos, os que as escutam docilmente; o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a prescrição; o educador é o que atua; os educandos, os que tem a ilusão de que atuam, na atuação do educador; o educador escolhe o conteúdo programático, os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele; o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que põe antagonicamente à liberdade dos

22 Texto original: “No hay línea divisoría entre yo y el otro, hay espacio para un compromiso verdadero entre los participantes de la actividad.”

educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele; o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, mero objetos (FREIRE, 1987, p. 34).

Em suma, por considerar aspectos que não se detém apenas ao eixo da cognição e por tratar o saber como algo democrático, que não é próprio apenas do professor, julgamos pertinente, no próximo tópico, esclarecer acerca dos conceitos de saber e conhecimento segundo a Teoria da Objetivação.

3.2 Saber e conhecimento

Para a TO, o saber é algo que está em potencial, ou seja, ainda não se concretizou e nem foi visualizado materialmente. Referir-se ao saber algébrico como uma potencialidade implica diretamente, de acordo com Radford (2017a), a remeter- se ao saber não como um objeto de contemplação, mas como algo que pode ser acessado por meio da atividade, que põe tal saber em movimento e o atualiza em conhecimento.

A ideia é considerar o saber não como um objeto que é construído ou transmitido, mas como uma possibilidade, isto é, algo potencial que emerge da atividade humana e que é imbricado em um processo de movimento - de tornar-se, para ser mais preciso, materializar ou expressar-se em conhecimento23 (RADFORD, 2017a, p. 100, tradução nossa)

O conhecimento, então, é a atualização do saber. Ou seja, saber e conhecimento são distintos, uma vez que o saber é potencialidade e o conhecimento é a concretização, ou atualização do saber. Radford (2017a) ilustra o processo de atualização do saber em conhecimento por meio de uma remissão aos instrumentos musicais, os quais possuem potencialmente capacidade de emitir sons, contudo, sozinhos, não emitem ruídos. Isso porque necessitam que alguém os coloque em movimento e produzam os sons de uma melodia, concretizando o que estava em potencial.

23 Texto original: “La idea es considerar el saber no como objeto que se construye o se transmite, sino como posibilidad, es decir, algo potencial que emerge de la actividad humana y que se imbrica en un proceso de movimiento — de devenir, para ser más precisos — para materializarse o expresarse en conocimiento”.