• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3: O acampamento Elizabeth Teixeira: o protagonismo da EJA nas

3.1 O sonho pela terra: um histórico de resistência

Em abril de 2007, cerca de 195 famílias organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ocuparam um pedaço da área conhecida como Horto Florestal Tatu, na cidade de Limeira, instalando lá o acampamento Elizabeth Teixeira. A área ocupada pertencia à extinta Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), que teve suas terras entregues à União, após a Presidência da República declarar a “Lei 11.483/07 de Janeiro de 2007, que destinava as áreas da massa falida à projetos de habitação social. Entre os imóveis listados pela União, encontrava-se o Horto Florestal Tatu em Limeira (CARCAIOLI, 2014).

Porém, em 2005, antes da extinção da RFFSA, a prefeitura de Limeira havia firmado um contrato de compra com a inventariança da RFFSA, declarando o interesse de compra da área total do Horto. Porém, nenhuma quantia em dinheiro ainda havia sido paga pela prefeitura à RFFSA — apenas papéis foram assinados, e o negócio nunca foi concluído. Enquanto o negócio não era concretizado, a documentação firmada garantia a posse do imóvel à prefeitura de Limeira (CARCAIOLI, 2014).

O interesse pela área total do Horto, por parte da prefeitura de Limeira, se dava em função do novo plano diretor da cidade, que estava em processo de elaboração, sendo concluído em 2009, com a área sendo destinada, principalmente, para a expansão industrial do município. Essa expansão é estratégica do ponto de vista político e econômico da cidade, uma vez que a linha de trem passa aos fundos e a rodovia Anhanguera à frente — o que facilitaria o escoamento de produtos advindos das indústrias que viessem a se instalar na área do Horto. Dentro do projeto do plano diretor também consta a ampliação do aterro sanitário de Limeira. Vale ressaltar que o termo “aterro sanitário” não deveria ser empregado para o “lixão” que existe hoje na área, onde podem ser encontradas diversas espécies de animais atraídas pelo forte odor, pelo escorrimento de chorume nas áreas vizinhas e pelo uso de técnicas ilegais para diminuição do volume de lixo no local. Todas as noites, podemos observar, do acampamento Elizabeth Teixeira a queima do lixo no “aterro” (CARCAIOLI, 2014).

Imagem 1: Imagem aérea do acampamento Elizabeth Teixeira em 2008 – arquivo cedido pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Limeira (grifos meus na imagem).

Legenda 1: Grifos

Com uma área de 602 hectares, correspondendo a cerca de 20% da área total do Horto Florestal Tatu, o acampamento Elizabeth Teixeira passou a ser um ponto de conflito entre a Prefeitura de Limeira e o MST. Em novembro de 2007, a prefeitura conseguiu uma liminar na Justiça Estadual, concedendo ao município a posse da área do acampamento. Utilizando a força armada da Polícia Militar do Estado de São Paulo, a prefeitura então comandou o despejo das famílias ocupantes na área do Horto Florestal Tatu, restando a elas apenas traumas e memórias23 de

23

As memórias desse violento despejo sofrido pela comunidade podem ser encontradas em minha dissertação de mestrado intitulada “Conhecimentos ordinários, currículo e cultura: artes de fazer no acampamento Elizabeth Teixeira” (CARCAIOLI, 2014).

59 Grifo roxo: linha ferroviária

Grifo vermelho: limites do acampamento com a monocultura de cana de açúcar Grifo azul: rodovia Anhanguera

um dia de horror (CARCAIOLI, 2014).

Imagem 2: O despejo do acampamento Elizabeth Teixeira, abril 2007 (arquivo cedido pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Limeira)

Em dezembro do mesmo ano, com um número reduzido de famílias, o MST organizou uma nova ocupação à área, passando a receber o apoio de entidades religiosas, militantes de ocupações vizinhas e apoiadores da sociedade civil. A União ajuíza ação contra a prefeitura de Limeira por instalação irregular de equipamentos públicos no imóvel, e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão cede ao INCRA a área do Horto Florestal Tatu, para realização de assentamento da reforma agrária. Com essa decisão judicial, em 2008, o INCRA dividiu a área em lotes de 1 hectare por família, mas por cerca de 5 anos não apareceu mais no acampamento. Porém, a prefeitura de Limeira recorreu da decisão, e “ações judiciais seguem sem solução aparente” (TAUFIC, 2013, p.104). Em campanha eleitoral, a gestão atual da Prefeitura de Limeira prometeu assentar as famílias e garantir mais direitos.

Ainda hoje, 2015, a situação não foi resolvida e a ocupação não está regularizada como um

assentamento, pois a questão legal da terra não foi definida; também não pode ser considerada um pré-assentamento, por não estar em processo de assentamento das famílias, ou seja, deveria estar

sendo assistida pelo INCRA e recebendo os mínimos benefícios dos programas da reforma agrária, que são um direito desse povo. Logo, resta à ocupação, após sete anos de resistência, ainda o título de acampamento (CARCAIOLI, 2014). Atualmente as famílias passaram a receber atendimento

básico de saúde, no próprio acampamento, mas a regularização e o investimento em estruturas básicas é o maior sonho da comunidade,

Meu maior sonho é conseguir esta terra, construir uma casinha e ficar perto da minha mãe. (Paulo)

Meu sonho é relacionado a educação também, por que eu também quero me formar. Eu quero fazer minha faculdade de direito, poder me formar e se Deus quiser poder prestar para ser uma juíza de muito sucesso. Quero conquistar minhas coisas, ter um apartamento meu, ter meu carro, realizar os meus sonhos também, como os educandos da EJA que estão realizando os sonhos deles também, estão batalhando por isso e eu também, de alguma forma estou batalhando pelos meus sonhos! Ganhar essa terra, realizar o sonho da minha mamãe, né? O meu também por que eu adoro morar aqui. Mesmo com toda a falta de estrutura eu adoro morar aqui. É muito tranquilo! (Iveline)

Meu sonho e de todo mundo seria que normalizasse aqui, ter nosso espaço, ter a certeza que isso é nosso e assim poder fazer nossas casas, poder plantar, poder dar mais estrutura para os filhos, por que do jeito que está, para nós que somos mães, acabamos vendo nossos filhos indo embora para a cidade, como foi meu caso e é o caso de muitas famílias aqui. Os jovens acabam indo embora por que não tem estrutura, não tem nada aqui, tudo é longe. Meu maior sonho era que o Incra viesse e regularizasse tudo, acertasse tudo. (Cora)

Meus maiores sonhos? Bom, eu tenho um sonho, que acho que é comum para todo mundo aqui da comunidade, que é conseguir a terra e formalizar este lugar aqui como um assentamento. Aí assim, sendo um assentamento, tendo uma estrutura melhor, podemos ter uma escola do campo tanto para os adultos quanto para as crianças. Então, acho que a educação é um sonho, uma boa educação no caso. (Leonela)

A atual gestão da Prefeitura Municipal de Limeira, retirou o processo de interesse pela área, como prometido em campanha política, porém o processo para assentar e regularizar a situação das famílias continua parado. Em 2014, o INCRA recadastrou a comunidade, que hoje conta com cerca de 104 famílias, mas nenhuma delas até hoje recebe qualquer benefício da Reforma Agrária e continuam vivendo em condição precárias e de extrema pobreza. Mesmo vivendo sem estruturas, como cita Iveline, conquistar a terra é um sonho comum, que move todas as famílias e as mobiliza a viver e resistir em comunidade. Para Paulo, conquistar a terra é poder continuar na comunidade, viver perto de sua mãe e não precisar se mudar para a cidade como acontece com muitos jovens da comunidade, como contou Cora.

A educadora Leonela mostra bastante consciência quando atrela a conquista da terra ao sonho de uma boa educação, que para ela viria a partir de uma escola do campo, tanto para os jovens

quanto para os adultos. Leonela cresceu dentro de ocupações e teve uma formação de militância junto ao MST, estudou nas escolas urbanas de Limeira, assim como todas as crianças e jovens do acampamento e por isso tem clareza do que é “uma boa educação”, da diferença substancial que faz “ter uma escola do campo” e do que é querer ter “uma estrutura melhor” para sua comunidade.

Mesmo sem receber recursos advindos de políticas públicas para a agricultura familiar como o PRONAF24, por exemplo, as famílias acampadas produzem grandes quantidades de

alimentos, sem uso de agrotóxicos.

Há oito anos, as famílias vivem em barracos de madeira compensada e lona, sem energia elétrica, ficando a cargo de geradores e placas solares, não sendo acessível a todos. A distribuição de água é feita por caminhão pipa cedido pela Prefeitura Municipal de Limeira, cerca de duas a três vezes na semana. Devido às más condições das estradas no interior do acampamento, nem todos os lotes são alcançados pelo caminhão pipa, ficando algumas famílias dependentes da generosidade dos vizinhos em dividir sua cota semanal. Algumas famílias conseguiram fazer seus próprios “poços caipiras”, como chamam, dividindo também essa água com as famílias que moram no seu entorno .

Imagem 3: “Poço caipira” no lote de uma família e caminhão pipa entrando no acampamento. (arquivos pessoais)

24O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF é um programa do Governo Federal

criado em 1995, com o intuito de atender de forma diferenciada os mini e pequenos produtores rurais que desenvolvem suas atividades mediante emprego direto de sua força de trabalho e de sua família. Fonte: <http://www.ceplac.gov.br/radar/Artigos/artigo26.htm>, acesso em 29/