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António Fernando Cascais

FCSH/Universidade Nova de Lisboa CECL /UNL

Resumo: Constituindo uma das mais terríveis inovações da moderna tecnociência aplicada a fins bélicos, o recurso ao gaseamento maciço na Primeira Guerra Mundial não só se reve- lou de imediato uma poderosa e eficaz arma de destruição de vidas humanas que influen- ciaria toda a futura pesquisa e utilização de armamento químico e biológico em posteriores conflitos, e em última análise como instrumento de extermínio no mundo concentracio- nário do Holocausto, como teve duradouro impacto na cultura e no pensamento europeu do século XX e inspirou uma lenda negra profusamente ilustrada na memorialística, na literatura e nas artes no plano internacional. Esta comunicação analisa a experiência par- ticularmente traumática que representou o gaseamento no seio do trauma existencial e histórico global da Primeira Guerra Mundial, e a sua receção em Portugal. Em particular, cotejar criticamente a tematização das narrativas oficiais com os raros documentos literá- rios e biográficos que abordam o gaseamento, como a coleção de memórias de combatentes e os registos oficiais, mas sujeitos a confidencialidade, dos hospitais militares.

Palavras-Chave: Gaseamento, armas químicas e biológicas, história da medicina militar, medicina portuguesa, I Guerra Mundial.

Abstract: Constituting one of the most terrifying innovations of modern techno-science applied to warfare, the use of massive gasing in World War I immediately revealed a pow- erful and effective weapon of destruction of human lives, that would influence the whole future research and use of chemical and biological weaponry in later conflicts. It was also, later, an instrument of extermination in the concentrated camps of the Holocaust, as has had a lasting impact on the European culture and thought of the twentieth century, in- spiring a black legend profusely illustrated in memoir literature and arts at international level. This communication analyzes the particularly traumatic experience that represented the gassing within the existential and historical global trauma of World War I, and its re- ception in Portugal. In particular, to critically looks at the way this topic was referred in the official narratives, namely in the rare literary and biographical documents mentioning gasing, such as the collection of combatants ‘ memories and in the official records, always subject to confidentiality, of Military hospitals.

Keywords: Gassing, chemical or biological weapons, Portuguese militar history, history of medicine, First World War.

“Mas sabei que mais nos dói o vosso esquecimento do que o muito que pe- namos por cá”20

Constituindo uma das mais terríveis inovações da moderna tecnociência aplicada a fins bélicos, o recurso ao gaseamento maciço na Primeira Guerra Mundial não só se revelou de imediato uma poderosa e eficaz arma de destruição de vidas humanas que influenciaria toda a futura pesquisa e utilização de armamento químico e biológico em posteriores con- flitos, e em última análise como instrumento de extermínio no mundo concentracionário do Holocausto, como teve duradouro impacto na cultura e no pensamento europeu do sé- culo XX e inspirou uma lenda negra profusamente ilustrada na memorialística, na litera- tura e nas artes no plano internacional. Experiência particularmente traumática no seio do trauma existencial e histórico global da Primeira Guerra Mundial, a sua receção em Portu- gal foi, no entanto escassa, no campo da narrativa, das artes e da biografia, e abafada por um arquivo consideravelmente maior de expressões (literárias, plásticas, políticas e histo- riográficas) coevas centradas na propaganda do esforço militar, ou apologéticas do patrio- tismo e das virtudes castrenses dos elementos do Corpo Expedicionário Português, não só em fontes institucionais, como inclusive por parte de intervenientes que testemunharam os factos no próprio teatro de guerra. Potenciada pelo facto de o País se encontrar no lado vitorioso, a insistência da narrativa predominante no adquirido absoluto da preservação de Portugal como potência colonial no concerto das nações serviu como filtro de rece- ção dos fenómenos traumáticos (inadaptação às sub-humanas condições do quotidiano nas trincheiras, elevada morbilidade de lesões físicas e psíquicas, stress post-traumático, experiência dos prisioneiros de guerra em campos de concentração alemães, mortalidade maciça das tropas nacionais impreparadas), entre os quais o gaseamento. A sua importân- cia deverá, porém, ter sido determinante no impacto que tiveram os horrores da guerra na população portuguesa, veiculado pelos relatos dos veteranos que os testemunharam em primeira mão e patente nas devastações causadas aos próprios sobreviventes dos ataques, cujo comportamento consagrou o generalizado uso popular de “esgaseado”. Em que terão consistido uns e outras, podemos deduzi-lo das narrativas memorialísticas e dos textos médicos tão raros como eloquentíssimos, que as comemorações do centenário do conflito mundial despertam agora da sua dormência de um século.

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Caso exemplarmente ilustrativo da experiência do gaseamento narrado na primeira pes- soa é o das Memórias da Grande Guerra, de Jaime Cortesão (1919), incluído na coleção de memórias de combatentes publicada pela Renascença Portuguesa entre 1916 e 1924, en- tre os quais se contam Nas trincheiras da Flandres e Calvários da Flandres, de Augusto Casimiro, A Malta das Trincheiras, de André Brun e Ao Parapeito e O Soldado-Saudade

na Guerra-Grande, de João Pina de Morais, Cartas da Guerra (com o Exército Inglês),

de Adelino Mendes, A Ferro e Fogo na Grande Guerra (1917-1918), de Eduardo Pimenta,

Tropa d’Africa, de Carlos Selvagem (pseudónimo de Carlos Tavares de Andrade Afonso

dos Santos), para além de relatos de altas patentes militares, como O Corpo de Exército

Português na Grande Guerra. A Batalha do Lys, 9 de Abril de 1918, de Gomes da Costa, ou

de prisioneiros na Alemanha, como Da Flandres ao Hanover e Mecklenburg (notas dum

prisioneiro), de Alexandre Malheiro. A atividade editorial do movimento da Renascença

Portuguesa era guiada por um programa de promoção da literacia cultural consentâneo com os ideais reformistas, e correspondentes políticas públicas, do regime republicano re- cém implantado, e, para além disso, refletia de algum modo a posição intervencionista e beligerante do movimento de que faziam parte destacados apoiantes do Partido democrá- tico de Afonso Costa, feroz crítico da neutralidade portuguesa na contenda internacional em que parecia evidente que se jogava o futuro do Império Colonial. O posicionamento militantemente belicista e nacionalista, e, nessa medida, panegírico do conflito, não foi de molde a comprometer o realismo das narrativas, nem parecia afigurar-se que a minuciosa e barroca descrição de toda a espécie de horrores e atrocidades pudesse comprometer a de- liberada mitificação do soldado português, sugerindo, ao invés, que contribuisse inclusive para a alimentar. Com efeito, ela

”transportava uma visão profética redentora, ancorada numa dupla justi- ficação de sentido patriótico: a justificação política de aliados naturais do bloco demoliberal anglo-francês contra o expansionismo cesarista alemão; a justificação ética de uma proposta de revigoramento moral das energias nacionais que o soldado encarnava” (Leal, 2000: p. 445).

Caso exemplar disto mesmo são as Memórias da Grande Guerra, de Jaime Cortesão (1919), cujo recorte literário em nada esteticiza a experiência da guerra das trincheiras:

“Os vivos teem de viver em promiscuidade com os mortos, - mais do que isso, com as mutilações dos cadáveres. Ali, ao pé da trincheira, a meio duma dessas paredes dum poço de explosão, emergem os dois ossos duma perna com farrapos de podridão suspensos e uma bota ainda calçada. Às vezes o odor a carne putrefacta é tão intenso que é necessário mandar tapar; outras o cheiro nauseabundo erra no ar, vindo não se sabe donde. Todo este chão exala carnagem, loucura, nevoeiros de morte. Em certos pontos dir-se-ia que a terra inda está ensopada de sangue negro” (Cortesão, 1919, pp. 87-88). Também a experiência pessoal do gaseamento é narrada sem qualquer autocomplacência por Jaime Cortesão, ele próprio médico e conhecedor da sintomatologia e efeitos do gás. Cortesão começa a sentir os primeiros sintomas a altas horas da noite no quarto alugado onde se aloja. Socorrido pela dona da casa, é atendido por um colega português que o faz transportar para um primeiro hospital, que é bombardeado, e de onde é enviado para um segundo, destinado ao tratamento específico de gaseados, mas a ambulância onde segue é alvo de um ataque e a equipa que o acompanha deixa de dar sinal de si, abatida ou em fuga. Socorrido finalmente por ingleses, é transportado para um hospital de campanha britânico e só depois para o seu destino final. A batalha de La Lys surpreende-o em plena convales-

cença, ainda demasiado combalido para poder ser de alguma utilidade aos outros clínicos que no hospital atendem os evacuados:

“Há algumas horas que sinto um mal horrível. Tomou-me uma tosse violen- ta, ao passo que me ganha o peito uma opressão e um ardor horrível, como se me houvessem despejado algum líquido corrosivo cá dentro. Os olhos doem-me agudamente. Vejo-me a um pequeno espelho metálico de algibei- ra. Diabo! Tenho a impressão de que uma névoa me não deixa vêr bem. É que estão irritados e laivados de sangue. Espreguiço-me. Sinto juntamente uma fadiga imensa e uma necessidade inquieta de me agitar. Disponho papéis; abro a mala; tomo e largo coisas à toa, até que enfim começo a despir-me. Mas eis que anseio numa nova aflição. Arquejo, sacudido de haustos e vó- mitos hediondos, e, longamente, corre-me da boca uma espuma branca e viscosa laivada de sangue. Agora uma atonia funda prostra-me o corpo. Urge que me deite. E, quando vou a meter-me na cama, sinto um ardor violento e cruciante nos olhos que entram de chorar a grandes bagadas. De súbito cerram-se e quando tento de novo abri-los, sinto que as pálpebras estão vio- lentamente coladas uma à outra. Então às mãos ambas afasto-as um pouco para logo as deixar cerrar, tão doloroso é esse esforço. Mas, — coisa horrível! — eu não vi. Uma suspeita terrível me lanceia a alma: estarei cego?! Afasto de novo as pálpebras. Horror! Não vejo! Não vejo! Estou cego! O coração bate marteladas doidas. Sento-me na cama e procuro dominar-me. Digo a mim mesmo que é naturalmente inflamação passageira. Mas como não vejo e só o tacto agora me guia, na tontura da aflição e da fadiga extrema, camba- leio e tropeço em tudo. Às apalpadelas consigo deitar-me. Tento descançar. Mas não há maneira: o coração acicatado da emoção horrível, exaustinado pelo veneno, galopa, galopa cá dentro. No quarto, por cima de mim, os meus dois pobres companheiros gemem, decerto alanceados pelas mesmas dores. Agora não gemem, uivam espantosamente. E o meu coração não descança. Sufoco” (pp. 191-193).

Ao crescendo de sofrimento físico vem agora juntar-se o conflito psíquico que sempre aca- ba por acompanhá-lo:

“Perdi a noção do espaço e do tempo. Caí num abismo, donde a custo arranco para voltar à realidade. Por vezes a vida pára-me e depois tenho a impressão de que ressuscitei: é o coração que desfalece. Na memória poucas sensações persistem. Só isto: a cada arranco de tosse enche-se-me a boca de sangue. Dão-me leite, champagne e drogas, e crivam-me o tronco de ventosas. A tosse não me deixa descançar. Adormeço e acordo a cada passo com pesa- delos horríveis. Outras vezes passo horas sozinho. Quero falar e chamar por alguém, mas enrouqueci de tal maneira que perdi a voz. É certo também que nem forças teria para falar. Nem as tenho também para sentir” (p. 198).

O uso de gases tóxicos para fins bélicos deve-se à iniciativa alemã, que principia a utili- zá-los em 22 de Abril de 1915 sobre forças aliadas situadas nas imediações de Ypres, na Bélgica, com o propósito muito concreto de desalojar elementos inimigos abrigados em trincheiras e os transformar em alvo fácil para fogo de artilharia. Como bem o faz notar Nuno Santa Clara Gomes (2013, pp. 210-211), a aposta da Alemanha na nova arma, en- quanto potência beligerante, é demonstrada pelo facto de nada menos que quatro prémios Nobel das suas fileiras científicas terem contribuído com a sua expertise para a criação de um instrumento tecnocientífico cujos riscos e reais danos causados superaram de longe os benefícios esperados. A política beligerante de reação em escalada simétrica, prevalecente em ambas as partes em conflito, levava a que cada contendor respondesse com qualidade e intensidade equivalente ao adversário, de tal maneira que a incontestável superioridade alemã no gaseamento, que se registou sensivelmente de Abril a Setembro de 1915, rapida- mente foi suplantada, por sua vez, pela resposta inglesa, levando a uma espécie de equilí- brio do terror – e dos danos realmente infligidos – que dessa maneira prolongava o conflito com sucessivos impasses sem saída aparente e a inestancável mortandade daí resultante:

“Aconteceu com os gases o mesmo que com as metralhadoras ou com a ar- tilharia pesada de campanha: passaram a ser mais uma ferramenta de mor- te em grande escala, sem que o seu emprego levasse a uma decisão. Apenas aumentou o grau de horror já existente, mas o pior estava para vir” (Gomes, 2013, p. 212).

O primeiro gás a ser escolhido foi o cloro, abundante na indústria química, mas apenas esteve na origem de uma corrida à experimentação de gases cada vez mais letais em doses cada vez menores e capazes de penetrar as máscaras de proteção até aí utilizadas ou en- tão gases irritantes que levavam os soldados a retirá-las, ficando expostos a gases letais. Foram assim utilizados gases sufocantes, como o fosgénio, a cloropicrina, além do cloro original, gases vesicantes, como a yperite ou gás mostarda, gases irritantes, com efeitos esternutatórios ou lacrimogéneos, e gases tóxicos, efetivos no sangue, como o monóxido de carbono, e nos nervos, como o ácido cianídrico. De todos, o gás mostarda notabilizou- se tristemente pelo facto de atuar insidiosamente, passando despercebido por ser incolor e inodoro, quando puro, mas com um terrível efeito corrosivo sobre as vias respiratórios que levavam à uma sufocação estertorante a prazo, além de permanecer no solo sob a for- ma de gotículas contaminantes, o que acrescentava às mais comuns vias de exposição, a dérmica e a inalação, a via oral, o mais das vezes por ingestão de água contaminada. Com efeito, o recurso ao gás mostarda elevou a guerra química a um novo patamar de letalidade com início nos ataques de Julho de 2017, conseguindo piorar, se tal era possível, o pavoroso espetáculo das consequências do fosgénio já anteriormente observadas, que literalmente derretia os órgãos das suas vítimas num caudal de fluido sanguinolento. O grau de eficácia do gás mostarda era também redobrado com o aperfeiçoamento da sua fabricação e ma- nuseamento e do armamento utilizado para disparar os projéteis de gás, nomeadamente o projetor Livens e o morteiro Stokes. Os sintomas iniciais, uma ligeira irritação ocular e na garganta, apareciam de maneira insidiosa, até se irem progressivamente transformando em dor insuportável que obrigava a manter as pálpebras cerradas, o que explica as levas de evacuados de olhos vendados por pensos agarrados uns aos outros em fila indiana – isto

nos casos ligeiros – que surgem na iconografia da guerra. À desfiguração provocada por feridas semelhantes a bolhas de queimadura que se agigantavam em algumas horas acrescia a generalizada devastação dos órgãos internos – laringe, cordas vocais, coração, pulmões, inchados e encharcados em sangue, cérebro com inúmeras bolhas de gás – observada na necrópsia dos cadáveres dos gaseados. Era terrível o efeito psicológico deste espetáculo nos soldados sobrevivos que testemunhavam o sofrimento martirizante dos seus camaradas e estava na origem de uma síndrome de medo tão paralisante como os próprios efeitos físicos dos ataques:

“O gás era – e continuou a ser – tanto uma arma psicológica como física. (…) Uma e outra vez no decurso da Grande Guerra, os ataques com gás causavam pânico e os esforços dos militares para conceber contra-medidas tinham apenas limitado sucesso” (Shepard 2002: p. 63).

As máscaras anti-gás só tardiamente utilizadas na guerra, e que as chefias garantiam ser seguras, não se afiguravam aos soldados enlouquecidos de medo à simples menção do gás mais fiáveis do que os panos embebidos em urina a que inicialmente se recorria como meio de proteção. Do que poderiam ser os treinos de uso da máscara, proporciona-nos o fotó- grafo Arnaldo Garcez raríssimas imagens nacionais, como a intitulada “Soldados portu- guezes exercitando-se no uso da máscara contra gazes asphyxiantes” (Anónimo, 1917, p. 14). O tom do artigo onde se insere essa imagem fotográfica pretende ser tranquilizador e infundir o sentimento que a terrível ameaça do gás alemão nada pode contra as máscaras aliadas, mas o que ele não diz é que os treinos do seu uso, em exposição simulada ao gás para reconhecimento dos respetivos sintomas, apenas contribuíam para elevar os níveis de ansiedade dos soldados e fazer inclusivamente surgir reações de stress traumático por antecipação. Foram descritos comportamentos de pânico coletivo à mera audição de sire- nes de alarme de ataque iminente com desenvolvimento de sintomatologia histriónica dos efeitos do gaseamento sem que este sequer tivesse ocorrido. Tanto terá contribuído, igual- mente, para distorcer a avaliação da gravidade dos efeitos dos gaseamentos reais pelos mé- dicos que tendiam a percebê-los como predominantemente histéricos, quando, em Março de 1918, os alemães tentaram pôr fim à guerra com ataques incessantes e maciços como forma de prevenir a intervenção iminente das forças norte-americanas. É este o contexto da participação do Corpo Expedicionário Português a partir do início de 1917 e durante o ano de 1918, e destacadamente na batalha de La Lys, no qual os ataques com gás atingiram um auge.

Isto mesmo é assinalado no Relatório sobre As intoxicações pelos gases de guerra -

1915-1918 (doravante abreviadamente referido como Relatório) apresentado em 1919 ao

Ministro da Guerra pelo médico militar David de Mornes Sarmento, encarregado do estudo clínico dos gases de guerra no Corpo Expedicionário Português e que constitui um docu- mento absolutamente singular e precioso na literatura médica portuguesa respeitante à Primeira Guerra Mundial:

Contudo no Corpo Expedicionário Português (…) até às vésperas de terminar a guerra, os clínicos não possuíam o mais rudimentar conhecimento sobre os ‘gaseamentos’, cujos problemas, inteiramente novos em medicina cas-

trense, foram pela primeira vez observados, durante a grande conflagração europeia, algumas dezenas de meses antes das nossas tropas terem parti- do desfraldar a bandeira de Portugal sobre as trincheiras da Flandres. É que eram secretas todas as publicações dos aliados sobre o que se ia investigan- do acerca destas intoxicações e jamais a Chefia dos nossos Serviços de Saúde curara em averiguar e difundir os conhecimentos que elas facultavam a todos os exércitos aliados (p. 3).

Pouco lisonjeiro para os nossos aliados britânicos, o estudo dos efeitos do gaseamen- to viu-se, porém, na contingência de depender da experiência prática acumulada, das observações clínicas, e dos meios técnicos ingleses para ter acesso a um conhecimento minimamente satisfatório acerca do gaseamento que afetava por igual as tropas lusas ex- postas aos ataques e todas as demais. Com efeito, o Relatório esclarece que o estudo dos gaseamentos, iniciado a 2 de junho de 1918 por uma equipa composta pelo Coronel Sinel de Cordes e os Tenentes-coronéis Ferreira Martins e Pires Monteiro, e apoiado depois em Portugal pelos médicos Azevedo Neves, Geraldino Brites e Magalhães Ramalho, se fêz sobre os últimos gaseados ingleses, visto quase totalidade das tropas portuguesas já esta- rem afastadas das linhas da frente. O facto de os primeiros ataques alemães sobre aliados terem ocorrido muito antes de as tropas portuguesas terem chegado à pode explicar que a hierarquia das forças portuguesas tenha depositado uma pouco justificável confiança na proteção aliada, tendo em conta que ela em nada compensou o real desinteresse e despreocupação das autoridades militares nacionais, tão impreparadas para os ataques como os soldados que deles foram alvo.

O Relatório informa que o Serviço de Saúde português não organizou desde o início um imprescindível arquivo clínico, que permitisse, nomeadamente, proceder a uma frutífera e