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O CEP na Batalha de La Lys: O fim de

um objectivo político nacional

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Luís Alves de Fraga

UniversidadeAutónoma de Lisboa/UAL

Resumo: Faz-se uma análise das condições sociais, políticas e culturais de Portugal nos anos anteriores à proclamação da 1.ª República para justificar o estado cultural do Corpo Expedicionário Português (CEP) em França, da sua desmoralização, desinteresse militar e pouca combatividade, de modo a tentar compreender a batalha de La Lys, ou, mais em particular o dia 9 de Abril de 1918. Em seguida, procura-se descobrir as projecções cultu- rais, sociais e políticas da presença do CEP em França e da batalha na vida nacional portu- guesa e os efeitos que teve ao longos dos anos da ditadura.

Palavras-chave: 1.ª República Portuguesa, Grande Guerra, La Lys, Estado Novo, Salazar. Abstract: An analysis of the social, political and cultural conditions of Portugal in the years prior to the proclamation of the 1st Republic is carried out to justify the cultural state of the Portuguese Expeditionary Corps (CEP) in France, its demoralization, military disinterest and lack of combativeness, in order to try to understand the Battle of La Lys, or, more particularly, on April 9, 1918. Next, we seek to discover the cultural, social and political projections of the presence of the CEP in France and the battle in Portuguese national life and the effects that it had during the years of the dictatorship.

Keywords: First Portuguese Republic, Great War, La Lys, Estado Novo, Salazar.

Introdução

Já fizemos, ao longo de mais de três décadas, vários trabalhos onde descrevemos a batalha de La Lys, por isso, julgamos, esgotámos o tema, pois, pouco mais se pode dizer que seja novo. Contudo, parece-nos, a batalha pode, e deve ser, analisada sob prismas novos: efei- tos sociais, consequências políticas – de natureza interna e de natureza externa – sanitárias e, até, culturais.

É uma abordagem desse género que pretendemos fazer aqui, muito embora tenha de ser, naturalmente, sintética. Tratar-se-á menos de um relato factual do que de uma re- flexão transversal àquilo que a batalha representou, efectivamente, no tecido social, na ambiência política e no imaginário nacional português. Será esse o escopo do trabalho que se segue. Mas, para que tal seja possível dentro de poucas páginas, é imperioso traçar uma contextualização epocal para se compreender quem eram e como eram os actores envolvi- dos em tudo o que se relaciona com a batalha. É o que vamos fazer de seguida.

Não vale a pena perder muito tempo a dizer que na década de dez do século XX, em Portugal, cerca de 75% da população era analfabeta, mas este facto tem de ser chamado à colação, porque justifica o panorama social do país. Assim, a esmagadora maioria dos portugueses não estava em condições de perceber as razões que levavam Portugal a ser beligerante e, muito menos a de ter de morrer, lá longe, numa batalha, em França.

Do ponto de vista económico, é necessário dizer que a indústria que mais mão-de-obra empregava era a da construção civil centrada nas maiores cidades de então: Lisboa e Porto e, a uma grande distância, Coimbra e Setúbal. Depois, como emprego de mão-de-obra, vinha a agricultura, pois, Portugal era essencialmente agrícola; daí resultava que uma parte dos proprietários das terras gozavam, nas cidades, dos rendimentos provenientes da labu- ta do amanho do solo. Havia, em especial nas grandes cidades, uma classe média, vivendo, quase toda ela, de empregos no Estado ou no comércio por grosso e por retalho; era gente de poucas posses financeiras, mas com um grau cultural ligeiramente acima das popula- ções rurais. Mas as cidades estavam cheias de serviçais, vindos das áreas rurais, analfabetos e dispostos a vender a sua capacidade de trabalho por baixo preço, que, de qualquer forma, sempre era melhor do que o recebido no trabalho da terra.

As elites culturais e políticas concentravam-se nas três cidades mais importantes – Lisboa, Porto e Coimbra – onde liam e escreviam ou trabalhavam em áreas específicas e bem remuneradas: advocacia, medicina, engenharia, docência no ensino superior, juízes, altos funcionários do Estado e, a uma certa distância dos anteriores, na carreira militar, como oficiais. As origens desta elite estavam, quase sempre, ligadas à posse de propriedades agrícolas.

O clero católico teve, ao longo dos tempos, em Portugal, sempre uma importância rele- vante e excessiva – recordemos o papel censório e, de certa maneira, limitador da evolução do pensamento científico e cultural devido ao Tribunal do Santo Ofício – quer junto das populações rurais – onde passava por ser a voz mais escutada por todos em todo o tipo de assuntos – quer junto das populações urbanas, fossem burguesas ou aristocráticas. De certa forma, a Igreja, por acção do clero, foi um elemento condicionador da mentalidade dos Portugueses, já que limitou, através de um culto obscurantista, a abertura a uma com- preensão da vida e dos fenómenos naturais e sociais. A este propósito, deve recordar-se que os Estados onde a prática religiosa foi protestante estiveram sempre mais prontos para

encarar a modernidade e as evoluções científicas e isso devia bastar para compreender que Portugal foi vítima da religião oficial.

É dentro destas linhas que vamos, então, olhar a batalha de La Lys e os soldados por- tugueses integrantes do Corpo Expedicionário Português (CEP), passando pela sociedade nacional, tanto na versão política como cultural.