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O CEP de Abril de 1917 a Abril de

Portugal mandou para França, constituindo o CEP, 55165 indivíduos, dos quais 3366 eram oficiais, incluindo 2 elementos da Cruz Vermelha, 1 oficial da Armada e, para além destes, mais 54 enfermeiras.

Neste conjunto as diferenças eram extremas, pois estiveram desde deputados e sena- dores, entre os oficiais, e soldados completamente analfabetos; estiveram desde ricos a pobres; escritores, professores e simples agricultores; gente das grandes cidades e gente de aldeias perdidas nas serranias deste país. A diversidade social era imensa. De comum, havia um aspecto: a grande maioria estava contrariada na guerra. Era mínima a porção de militares concordantes com a entrada de Portugal no conflito. Isso levanta uma questão, que carece de resposta:

- Qual o motivo dessa discordância ou dessa contrariedade?

Julgamos, de acordo com o muito que temos investigado, escrito e defendido (FRAGA, 2012), que a razão capital se centra na falta de informação sobre os reais motivos para es- tarmos na guerra e, em especial, em França.

Essa carência de informação resultou de vários elementos fundamentais: a excessiva taxa de analfabetismo, a dificuldade de circulação da informação no país, o comodismo de al- guns, em especial da oficialidade pouco esclarecida, o apego ao lugarejo de nascimento e a relutância em alterar ritmos de vida, a deficiente instrução militar (esta não se deve limitar a ensinar o manejo e utilização das armas, mas a explicar a obrigação de servir a pátria onde e quando necessário), o medo do desconhecido e, acima de tudo, a quase total falta de instrução política.

Como se percebe, algumas das justificações assentam numa mesma explicação: a boçali- dade da população portuguesa, por um lado, e, por outro, ignorância cívica dessa mesma população. É isto mesmo que se encontra na correspondência postal apreendida pela cen- sura e oriunda de soldados, de sargentos e, até, de oficiais. Cem anos depois, continua a explorar-se estes dois aspectos, sem os explicar ou, ao menos, os contextualizar. Tentemos esclarecer.

A razão profunda da decisão de passar de uma neutralidade ambígua, pedida pelo Rei- no Unido, para uma beligerância activa, imposta pelo Governo português, não podia ser explicitada (FRAGA, 2012), mas, podia fazer-se propaganda. Todavia, mesmo que tivesse sido feita – e temos de levar em conta que se estava ainda bastante longe dos métodos de convencimento colectivo usados cerca de duas dezenas de anos mais tarde, com gran- de resultado, na Alemanha nazi – seria quase inútil dada a dificuldade de comunicação provocada pelo analfabetismo, pois a forma mais vulgar de difundir ideias, nessa época,

era a expressão oral e escrita. No entanto, houve uma tentativa de efectivar a propaganda possível, encarregando-se desse trabalho um jovem médico e político – Jaime Cortesão – consciente das razões da necessidade de Portugal entrar na guerra (CORTESÃO, 1916). Foi um livrinho de fácil leitura, concebido para gente do povo, escrito sob a forma de diálogo. Contudo, mesmo tendo sido publicados largos milhares de exemplares, o certo é que pouco efeito prático teve nas aldeias.

É verdade que houve outro tipo de propaganda apoiando a beligerância virada para as elites politizadas, especialmente feita na Revista Águia, editada pela Sociedade Renascença Portuguesa. Todavia, essa propaganda não fazia mais do que repisar os argumentos conhe- cidos de todos os que já estavam convencidos.

Houve, e em grande quantidade, propaganda contra a beligerância. Essa também tinha como alvo as elites cultas e as massas trabalhadoras. Expliquemos melhor esta divisão e as respectivas origens.

A propaganda destinada às elites cultas fazia-se em dois tipos de jornais: os republicanos de direita, conservadores, e os monárquicos. A campanha contra a entrada de Portugal na guerra foi intensa e brutal. Procurou-se desacreditar o Partido Democrático, aquele que, declaradamente, defendia a ruptura do estatuto imposto pela Grã-Bretanha a Portugal. De alguma maneira, esta campanha contra a beligerância, chegou, também, à população comum, fosse republicana ou monárquica. A incompreensão das razões de ir combater na Europa não se limitavam aos pobres e ignaros camponeses. Já depois do CEP estar em França, surgiu, em Portugal, uma publicação, cuja origem esteve num jornal monárquico, chamada Role de Desonra, onde se dava conta de não estarem na frente de combate, mas, na retaguarda, no recato dos estados-maiores, alguns oficiais políticos e os filhos de políti- cos republicanos. Criticavam-se, também, todos os que não estavam em primeiras linhas. Tratava-se, sem dúvida, de uma ignóbil publicação, visando desmoralizar os combatentes e pôr a opinião pública contra os políticos republicanos beligerantes, pois distorcia a ver- dade, já que, nas primeiras linhas ou nos estados-maiores, se corria risco de vida, ainda que este fosse maior nas primeiras linhas, como é evidente.

A propaganda destinada aos grupos sociais mais desfavorecidos era feita através dos sin- dicatos de trabalhadores, os quais, maioritariamente, filiavam os seus princípios ideoló- gicos nas teorias anarquistas com carácter revolucionário, muito em voga na Península Ibérica, de então. Note-se, que esta propaganda contra a guerra não atingia a maior parte dos militares, porque o grosso do contingente era proveniente do ambiente rural e o anar- quismo estava enraizado nas cidades, especialmente na de Lisboa.

Do exposto, compreende-se a clara falta de vontade anímica para combater, para estar na frente de batalha, para estar em França e, até, para estar nas fileiras militares. Na sua esmagadora maioria, a tropa nacional, à partida de Portugal, já ia moralmente derrotada. Esta conclusão conduz a uma dúvida:

- Como foi possível, então, criar algum espírito de corpo, neste exército de descontentes? A explicação só a podemos encontrar nas condições específicas caracterizadoras dos ho- mens ignorantes e brutos que constituíam a maioria do CEP. Expliquemo-nos.

Começámos por dizer que a taxa de analfabetismo, em Portugal, era, pelos anos de 1911- 1914, da ordem dos 75% e que a influência do clero católico junto das populações rurais

era absoluta; acrescentámos que essa população era dominada pelo obscurantismo de uma sociedade fechada ao desenvolvimento. Então, é fácil perceber que, na ausência do padre, do cacique, do pai e da mãe, integrados num sistema hierárquico e exigente em termos de disciplina, estes homens viam-se obrigados, quase como se fossem dependentes de auxílio ou órfãos, a acreditar nos graduados militares e a cumprir as ordens que recebessem. Era gente simples, paciente, sofredora, mas espontânea na sua revolta quando se achava vítima de injustiça, dentro dos seus limitados princípios de justiça.

Então, temos, por um lado, uma minoria de graduados militares esclarecidos e renitentes à beligerância, fazendo tudo para se escapar da morte e dos perigos das primeiras linhas, que não tinha relutância em abandonar os seus subordinados ao destino que o próprio des- tino lhes havia proposto e, por outro, esta massa enorme de ignaros soldados disposto, se necessário, a morrer desde que lhe dessem ordem para tal. E, assim retratado, compreen- de-se o que foi o CEP entre Abril de 1917 e Abril de 1918. Assim, também se compreendem as desconfianças do Alto Comando Britânico em França, mas também se compreendem as lutas, que os oficiais com consciência da necessidade de entrar na guerra travaram a todos os níveis para manter de pé o CEP como representação de Portugal e de uma política que se pretendia dignificante e digna. Mas também se compreende a traição que foi o golpe e a política de Sidónio Pais ao abandonar esta massa de soldados ao seu destino, quase sem ter a comandá-los oficiais e sargentos crentes na razão de se estar em França, nas trincheiras.

Foi esta gente, desmoralizada por ter vivido um mês de Março esgotante de combates e bombardeamentos, que enfrentou, na madrugada de 9 de Abril de 1918, um terrível ataque germânico efectuado para rebentar a frente aliada e poder chegar à costa marítima e dividir a frente em duas.

Chegamos ao ponto de poder explicar, numa outra perspectiva, o dia 9 de Abril e aquilo que foi o primeiro momento da longa batalha de La Lys.