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1911-1916: Preparação e Mobilização do Serviço Veterinário do Exército Português para as campanhas da Grande Guerra

Através da reorganização do Exército de 25 de maio de 1911 (Secretaria da Guerra, 1911)21

o Serviço Veterinário do Exército (SVE) foi desanexado do Serviço de Saúde (SS), tendo sido criadas a 6ª Repartição (Serviço Veterinário) da 2ª Direção Geral (DG) da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, chefiada por um Coronel Veterinário (a que foi atribuída a função de inspetor do SVE), e a 6ª Repartição da 2ª DG do EME, chefiada por um Tenente Coronel Veterinário e tendo por subchefe um Major Veterinário.

Até então, a administração do SVE estabelecia-se através da 2ª secção da 6ª Repartição (SS) da 2ª DG da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra. A reorganização de 1911 re- sultou na completa autonomia do SVE enquanto Serviço do Exército. Por ser justo e meri- tório, cumpre-nos referenciar os nomes de Almeida Beja, Mota de Almeida, Simões Alves, Chaves de Lemos, Conceição e Almeida, Evangelista de Sousa e Alves Simões, que foram os principais oficiais obreiros da nova orgânica emancipadora do SVE.

Nesta reorganização do Exército de 1911, foi também estatuída a criação do Hospital Ve- terinário Militar (HVM) e do Depósito Geral de Material Veterinário (DGMV) (Secretaria da Guerra, 1911)22 mas somente 5 anos mais tarde se viria a materializar aquela que tinha

constituído, até então, uma aspiração de toda a classe médico-veterinária do nosso país (Secretaria da Guerra, 1916a)23. Com a criação do HVM procura-se ultrapassar as insufi-

ciências nos sistemas de recrutamento e mobilização de pessoal veterinário (médicos e enfermeiros) e de pessoal siderotécnico. Juntamente com o HVM foram estabelecidos o Depósito Geral de Material Veterinário (DGMV), uma escola de enfermagem hípica e uma escola de siderotecnia com uma oficina anexa para fabrico de ferragem.

As missões atribuídas ao HVM dividiam-se por 2 áreas: (i) formação académica/técnica do pessoal e investigação científica e (ii) apoio sanitário ao efetivo das unidades do Exército e das Guardas Republicana e Fiscal. Assim, o HVM destinava-se à especialização e aperfei- çoamento técnico do pessoal superior do serviço veterinário, à instrução da escola pre- paratória de oficiais milicianos, à instrução do pessoal de enfermagem e ao tratamento e hospitalização de solípedes. O HVM possuía na sua orgânica um laboratório de bacteriolo- gia e análises clínicas e bromatológicas, que possibilitavam a realização de análises clínicas e bacteriológicas, o estudo de enzootias e epizootias (como o violento surto de mormo que eclodiu nos solípedes do CEP em 1917), bem como a realização de estudos de anatomia pa- tológica, parasitologia e microbiologia.

O DGMV destinava-se a adquirir, fabricar, guardar, reparar e fornecer às unidades e for- mações veterinárias de campanha todo o material veterinário de que necessitassem para o serviço. Por sua vez, os cursos de enfermeiro hípico e de ferrador nas escolas do HVM só seriam efetivamente criados em 1917 (Secretaria da Guerra, 1917)24.

A escola de siderotecnia destinava-se a aperfeiçoar os conhecimentos dos médicos ve- terinários nesta especialidade e a ministrar instrução técnica às praças que se habilitassem

21 Publicado na Ordem do Exército n.º 11, de 26/5/1911. 22 Artigos 151º e 157º.

23 Publicado na Ordem do Exército n.º 16, de 15 de julho de 1916. 24 Publicado na Ordem do Exército nº 6 de 28/4/1917.

para ferradores militares. O pessoal instrutor e instruendo da escola de siderotecnia cons- tituíam um esquadrão de tropas do serviço veterinário.

A escola de enfermagem era destinada a ministrar a instrução técnica aos enfermeiros hípicos. O pessoal instrutor e instruendo da escola de enfermagem hípica constituíam ou- tro esquadrão de tropas do serviço veterinário. Os enfermeiros hípicos e ferradores em serviço nas diferentes unidades tinham a matrícula aberta nos respetivos esquadrões das escolas de enfermagem e siderotecnia, e consideravam-se adidos fazendo serviço naquelas unidades.

Os esquadrões de tropas do serviço veterinário eram constituídos por comandante ca- pitão veterinário, 2 subalternos veterinários, primeiros sargentos (enfermeiros hípicos ou ferradores, consoante o esquadrão), segundos sargentos (enfermeiros hípicos ou ferrado- res), primeiros cabos (enfermeiros hípicos ou ferradores), soldados (enfermeiros hípicos ou ferradores) e soldados recrutas (todos em número a fixar, consoante o orçamento atri- buído). O tempo de duração da escola de recrutas era fixado em 4 meses, findo o qual as praças passavam à classe de aprendizes. A título de curiosidade, refira-se que uma praça recruta do serviço veterinário tinha um vencimento (pré) de 2 escudos, um aprendiz de 12 escudos, um soldado de 16 escudos; um primeiro sargento tinha direito a um pré de 47 escudos (mais gratificação de 20 escudos).

As praças do serviço veterinário militar tinham uniforme análogo ao da cavalaria, subs- tituindo a cor vermelha por carmesim e tendo no barrete as letras “SV” em metal. Os ferra- dores usavam o distintivo de ferrador. Os enfermeiros hípicos usavam “na gola do dólman de pano uma estrela vermelha de cinco pontas25 assente sobre uma carcela de pano preto.

No dólman de cotim, a estrela assentará sobre uma carcela de mescla cinzenta” (Secretaria da Guerra, 1916a).

O 1º Diretor do HVM foi o Tenente-coronel Aniceto Rodrigues, tendo o HVM sido levan- tado nas instalações da antiga “Real Fábrica de Lanifícios de Alenquer” no Campo Grande. Em 1928 o HVM foi transferido para o Rio Seco (Lisboa). Pelas antigas instalações do HVM no Campo Grande passariam mais tarde o Batalhão de Sapadores Mineiros do Regimento de Engenharia 2 (Exército Português, 2013a) e o Batalhão de Serviço de Transportes (Exército Português, 2013b). Atualmente, naquele espaço está o polo do Campo Grande da Univer- sidade Lusófona.

De 1911 a 1928 o quadro permanente foi fixado em 41 oficiais veterinários, mas no período da Grande Guerra houve uma marcante e necessária remodelação do quadro dos oficiais veterinários milicianos e, em Portugal, quase todos os elementos da classe médico-veteri- nária foram chamados a cumprir o seu dever. A constituição de um quadro de oficiais ve- terinários milicianos iniciou-se pela promoção de todas as praças que possuíssem o curso de médico-veterinário (Secretaria da Guerra, 1916b)26. De seguida, foi publicada legislação

no sentido de estabelecer um regime específico de incorporação para os alunos da Escola de Medicina Veterinária (Secretaria Geral do Ministério de Instrução Pública, 1916)27. Os alu-

nos do 5º ano eram promovidos a alferes veterinários milicianos (desde que aprovados nos exames desse ano); os alunos dos outros anos que tivessem mais de 20 e menos de 30 anos

25 Símbolo da Aliança Internacional da Estrela Vermelha. 26 Publicado na Ordem do Exército nº 6, de 20/04/1916. 27 Publicado na Ordem do Exército nº 9, 11/05/1916.

de idade ficaram obrigados a apresentar-se no HVM no prazo de 5 dias após a conclusão dos seus exames, para assentarem praça em Cavalaria 4.

Em Cavalaria 4, os alunos do 3º e do 4º ano, após receberem instrução, seriam promovi- dos a aspirantes veterinários, sendo ulteriormente promovidos a alferes quando terminas- sem o curso sem necessidade de mais instrução. Os alunos do 1º e do 2º ano frequentavam uma escola de sargentos enfermeiros hípicos (à data da publicação deste Decreto não estava ainda regulamentado o curso de enfermeiro hípico na escola de enfermagem do HVM).

Finalmente, a 30 de novembro de 1916, e para vigorar durante o estado de guerra, foi publicado o Decreto nº 2:874, de 30/11/1916 da 6ª Repartição – 2ª DG da Secretaria da Guerra28, que estabeleceu o regime específico de mobilização para todos os cidadãos con-

siderados aptos que exercessem a profissão de médico-veterinário ou que possuíssem o diploma de curso de medicina veterinária. Nele se definem 3 escalões etários, sendo que os cidadãos com mais de 20 e menos de 30 anos de idade que possuíssem o curso de medici- na veterinária foram nomeados alferes veterinários milicianos, e ficaram obrigados a fazer parte das tropas ativas até completarem os 30 anos de idade. Os médicos veterinários com idades compreendidas entre os 30 e os 40 anos de idade foram nomeados alferes veteri- nários de reserva. Os oficiais veterinários milicianos no ativo e na reserva deviam receber a sua instrução no Hospital Veterinário Militar, nos termos do Decreto 2:367 de 4 de maio de 1916, devendo apresentar-se aí diretamente sem necessidade de transitarem por outras unidades (Nota nº 3:222 da Repartição do Gabinete, de 6/12/1916, reproduzida na Circular nº 22, 8ª Repartição, 2ª DG da Secretaria da Guerra)29. Naturalmente, a chamada de oficiais

veterinários milicianos para o serviço de campanha fez-se principiando pelos mais moder- nos, sendo também estabelecidos neste decreto os critérios para o estabelecimento da sua antiguidade. Neste decreto foi ainda estabelecido um 3º escalão etário que compreendia os alferes veterinários da reserva territorial (até perfazerem 60 anos de idade). Curiosamente, os diplomados com o curso de medicina veterinária, mas que nunca tivessem exercido a profissão, seriam também nomeados alferes veterinários milicianos e poderiam ser coloca- dos no Hospital ou no DGMV para aí desempenharem serviço burocrático.

O regime específico de mobilização e de incorporação de médicos veterinários milicia- nos, configurava o reconhecimento por parte do Exército de que a existência de serviços veterinários especializados era indispensável às suas necessidades. Neste período, o SVE conheceu um desenvolvimento ímpar na sua história, tendo consolidado os projetos e as- pirações de gerações de uma classe profissional que sempre procurou dignificar o seu Ser- viço dentro do Exército, bem como as instituições militares na Sociedade.