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Se nos perguntarmos qual a justificação para a decisão alemã de atacar, na madrugada de 9 de Abril de 1918, o sector defendido pelos soldados portugueses, percebemos que o Alto Comando germânico, fiel ao seu princípio de estudar o carácter e os hábitos do general inimigo, terá estudado muito bem, não só quem era Tamagnini de Abreu e Silva, como os outros dois generais que comandavam as divisões portuguesas e, por arrasto, o moral e o espírito combativo dos soldados.

Desse estudo deve ter concluído que o CEP estava, como sempre esteve, desmoralizado, incapaz de se bater por uma causa que não percebia e não advogava. Aliás, foi através de panfletos lançados por aeroplanos germânicos, que os militares portugueses, nas trinchei- ras, tomaram conhecimento prévio do golpe de Sidónio Pais, em Lisboa e contra a guerra.

Aquilo que nós dissemos páginas atrás, sobre o desânimo e falta de combatividade da maioria dos militares do CEP, saberia, muito bem, o Comando alemão. Então, não havia que hesitar: o ataque seria sobre os Portugueses e eles render-se-iam com facilidade e com a menor quantidade de perdas humanas nas tropas de assalto germânicas. Esta constata- ção não foi feita no mês de Março anterior ao começo da batalha; já vinha de meses antes,

quando se percebeu que os soldados portugueses se rendiam facilmente ao serem atacados nas trincheiras por forças alemãs de certa envergadura.

- Mas, sendo assim, qual a razão motivadora da decisão de Portugal entrar na guerra? É aqui que temos de perceber a diferença entre a decisão política e a incapacidade de os

mecanismos estatais seguirem essa decisão. A decisão política estava certa e era correcta;

no entanto, não era susceptível de ser posta em marcha pelo conjunto de razões já identi- ficado.

- Haveria, então, que se desistir do objectivo político?

Julgamos que não. O que se impunha era forçar todos a cumprir a decisão política, porque esta visava um bem maior. Naturalmente, passar o Bojador exigiu sacrifícios, mas nem por isso o Infante D. Henrique deixou de continuar a mandar que os seus navegadores o fizes- sem! E fizeram-no. E desvendaram mares e terras desconhecidos. E isso foi progresso, foi modernidade. Qual o motivo por que não deveria o Povo, os soldados, cumprir o objectivo de quem os mandava para a guerra para se conquistar o respeito da Europa? A resposta só pode ser uma: o orgulho nacional estava perdido, porque pesavam mais os comodismos e os medos, as ideologias e as diferenças.

Quando, do lado alemão, começou o bombardeamento do sector português, o moral dos soldados caiu à vertical até ficar de rastos. É verdade que as trincheiras e o terreno não ofereciam condições para uma resistência condigna; é verdade que os efectivos estavam desfalcados; é verdade que as ligações com os escalões superiores estavam destruídas; é verdade, que o bombardeamento foi assustador; é verdade, que estava nevoeiro e os gases mortíferos foram determinantes (FRAGA, 2010, 397-438). Tudo é verdade, mas também é verdade que os soldados e grande parte dos oficiais quis sobreviver ao holocausto no mo- mento do ataque. Fugiram desordenadamente para a retaguarda sem oferecerem resistên- cia digna desse nome; deixaram-se fazer prisioneiros por julgarem ser melhor o cativeiro do que a guerra. E porque tudo foi verdade, as divisões alemãs, sabedoras da pouca resis- tência que iam ter na frente portuguesa, atacaram nos flancos da 2.ª divisão, obrigando portugueses e britânicos a abrirem fendas por onde a infantaria germânica avançou, cer- cando uma grande parte das tropas nacionais que estava em primeiras linhas, nas trinchei- ras desfeitas entre a terra de ninguém e os quartéis-generais das brigadas. Esta manobra táctica já havia resultado anteriormente em ataques feitos nas junções dos exércitos fran- ceses e britânicos e, com maioria de razão, resultaria, tal como resultou, nos dois flancos que ligavam a desgastada e desmoralizada divisão portuguesa às divisões britânicas. Neste dia tenebroso para o CEP, morreram quase quatro centenas de militares – o que, para a força do ataque, foi ridículo – e ficaram prisioneiros mais de seis mil homens. Os que escaparam, por já estarem na retaguarda – 1.ª divisão do CEP – ou por terem fugido, acaba- ram formando unidades de infantaria, que os britânicos desprezaram e mandaram que fos- sem utilizadas como trabalhadores de enxada, picareta e pá. Não mais iriam ser chamados a defender ou a atacar qualquer tipo de inimigo. Sujeitavam-se a sofrer os resultados dos bombardeamentos mais longos das peças da artilharia germânica ou dos aeroplanos que os

sobrevoavam. Dadas as características sociais e culturais destes militares e, acima de tudo, a falta de brio da maioria dos oficiais que os enquadravam, os soldados conformaram-se e, de certo modo, agradeceram os trabalhos que lhes foram atribuídos. Tratava-se, afinal do retorno a um conforto quase semelhante ao da ausência do estado de guerra. Ao mes- mo tempo, o Alto Comando Britânico via conseguido o mais profundo desejo da política prosseguida, em Londres, relativamente a Portugal. E, com a devida cautela, a História iria atribuir todas as culpas do destino do CEP aos Portugueses, enquanto militares e enquanto políticos. E, neste particular, o Alto Comando não se enganou, pois, até agora, cem anos passados, e em Portugal, por parte de certos historiadores portugueses, continua a apon- tar-se como errada a beligerância nacional na Grande Guerra – gente que, se tivesse vivido nos primeiros anos da Expansão, no século XV, condenaria, quase pela certa, a passagem do Cabo Bojador.

Sabemos, olhando os factos, que após Agosto de 1918, quando tomou posse do comando do CEP o general Tomás Garcia Rosado, um monárquico convicto, mandado por Sidónio Pais – o novo senhor da política portuguesa – a situação começou a mudar, em França. O novo comandante quis, com os soldados que restavam, apoiado nos oficiais crentes nos fundamentos da beligerância portuguesa, formar unidades combatentes e fazê-las integrar em grandes unidades britânicas para que, ao menos, ao calarem-se as armas no campo de batalha, lá estivessem soldados de Portugal.

Tentemos perceber e explicar este fenómeno militar dentro de todo o contexto já antes abordado (FRAGA, 2010, 535-585).

Tomás Garcia Rosado, era, em 1918, Chefe do Estado-Maior do Exército Português e co- nhecido monárquico, mas, fundamentalmente, militar por excelência, com a inteligên- cia necessária para perceber e distinguir o importante do acessório. Era um oficial com as habilitações de estado-maior, ou seja, uma elasticidade intelectual superior à do anterior comandante do CEP, general Tamagnini de Abreu e Silva; era um militar que sabia viver bem e comodamente nos círculos de intriga da alta roda política e castrense; era um ho- mem com larga experiência de comando e, ao mesmo tempo, sem o deslumbramento da importância dos cargos para que havia sido chamado a cumprir. Como monárquico, sabia perfeitamente quanto o ex-rei D. Manuel II tinha defendido a beligerância portuguesa na Grande Guerra.

O general Garcia Rosado só precisava de encontrar entre a oficialidade, ainda em França, aqueles em quem poderia apoiar-se para levar a cabo o arranque final, ou seja, a recupe-

ração possível dos efeitos nefastos do começo da batalha de La Lys. Havia-os, escapados

à fúria repressiva de Sidónio Pais, e foram esses que se ofereceram para enquadrarem as tropas de quatro batalhões de infantaria. Eram poucos, mas bons e empenhados nas razões profundas da beligerância.

O general Garcia Rosado já havia dado provas de não aceitar qualquer subordinação à vontade militar e, até, política da Grã-Bretanha, uma vez que, antes de assumir o comando do CEP, esteve em negociações no War Office, impondo a sua determinada vontade – às vezes, em oposição à titubeante vontade de Sidónio Pais – sobre o que e como devia ser a colaboração militar do CEP renovado somente com as tropas existentes em França. Era de prever que, uma vez assumido o comando, fossem bem definidas as suas ordens para se alcançar o objectivo pretendido.

Quando os soldados souberam das intenções do novo comandante, tal como era de espe- rar, revoltaram-se; ao princípio, não foram além de uma resistência passiva com pequena dose de agressividade, mas, já em Setembro, quando verificaram que era inabalável a von- tade de os mandar para a frente de combate, não tiveram qualquer relutância em pegar em armas e oferecer resistência às ordens. Face a esta atitude bem clara e definida, a reacção, com conhecimento e autorização do general Rosado, foi também violenta, levando a que fossem metralhados os insubmissos soldados. Todos se conformaram a cumprir as ordens, pois, verificaram que também não seriam poupados às balas dos seus camaradas (FRAGA, 2003, 39-65).

Estava vencido o entorpecimento das tropas operacionais em França. Continuavam a achar-se abandonadas, desoladas com a Pátria e com os políticos, mas acharam quem os enquadrasse e fizesse deles o mínimo que deles se poderia esperar.

Exposto deste modo menos vulgar o que foi e porque foi o dia 9 de Abril de 1918, resta- nos tecer as considerações finais, para chegarmos às conclusões a que nos propusemos no início deste trabalho.