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Antecedentes da política de esporte dos governos Lula e Dilma

GOVERNO DO PT: DE LULA A DILMA

2.6 A POLÍTICA DE ESPORTE NOS GOVERNOS LULA E DILMA

2.6.1 Antecedentes da política de esporte dos governos Lula e Dilma

A primeira intervenção do Estado brasileiro no setor esportivo se deu durante a década de 1930, momento em que houve a transição da economia brasileira de agroexportadora para industrial (GONÇALVES, 2013). A partir do Estado Novo (1937-1945) passou a ocorrer um novo padrão de intervenção do Estado na sociedade, cujo reflexo no esporte foi ter uma intervenção totalitária, centralizada, burocrática e corporativista (VERONEZ, 2005). Uma expressão destes elementos foi o Decreto-lei nº 3.199/194170, que buscava disciplinar o esporte brasileiro, tendo estabelecido as bases de organização do esporte no Brasil.

Para Castellani Filho (2007, p. 3), aquele Decreto-lei supracitado, “[...] acabou detonando uma linha intervencionista de natureza conservadora, graças ao seu caráter tutelar”. Buscava-se, disciplinar o esporte, associando-se interesses economicistas – melhorar a aptidão física dos trabalhadores e da população em geral – e politicistas – desenvolvimento do civismo e patriotismo dos brasileiros (CASTELLANI FILHO, 2007). Athayde (2014) coloca que de 1930 a 1945 ocorreu um processo de popularização e massificação do esporte que

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del3199.htm. Acesso em: 18/04/2018

contou com o apoio do Estado, contudo sem que ocorresse a democratização do esporte ou seu reconhecimento como um direito social.

Nas décadas posteriores houve grandes transformações no esporte, contudo a partir de 1950 o esporte passou a estar associado às perspectivas nacional-populista e desenvolvimentista que marcaram os governos daquele momento (ATHAYDE, 2014). O esporte teria sido utilizado ao longo do período como propaganda política e econômica. Além disso, havia a presença de campeonatos de representação nacional que possibilitavam marcar a unidade nacional e a integração territorial (ATHAYDE, 2014).

Durante os anos 1960 e o período da ditadura civil-militar (1964-1965) não houve no Brasil grandes alterações na atuação do Estado no esporte. Este continuou sendo explorado como propaganda política, a exemplo da vitória brasileira da Copa do Mundo FIFA 1970. Também o futebol foi novamente utilizado para trazer a ideia de unidade e integração nacional por meio da realização de campeonato de futebol envolvendo clubes de todas as regiões. “Assim, sob a ditadura, o esporte se configurou como um setor submetido ao controle burocrático e tecnocrático do Estado autoritário, servindo, em grande medida, como estratégia de representação da identidade e coesão nacional idealizada.” (PNUD, 2017, p. 265)

Os elementos presentes no Decreto-lei nº 3.199/1941 vigoraram por 34 anos no cenário esportivo brasileiro, tendo ocorrido modificação epidermicamente pela Lei nº 6.251/197571, regulamentado pelo Decreto nº 80.228/197772. A legislação criada na década de 1970 reproduziu a lógica conservadora e interventora do Estado, que havia balizado a construção da legislação de 1941, havendo a “modernização” do que era necessário para atender aos interesses de marketing e do esporte classista. Ou seja, manteve-se o esporte no âmbito amador, sem reconhecimento da sua possibilidade de profissionalização (CASTELLANI FILHO, 2008).

A legislação dos anos 1970 reforçaram a hegemonia do esporte de alto rendimento, tanto que, para Castellani Filho (2008), havia no Brasil um pseudo-sistema esportivo, que normatizava apenas aquela dimensão do esporte. O reflexo disso foi o desenvolvimento de um modelo piramidal no esporte, em que “[...] sua base e seu centro só se justificam a fim de cumprir o objetivo do ápice da pirâmide, o esporte de alto rendimento. Em outras palavras, a base e o centro da pirâmide servem tão-somente para dar sustentação ao esporte de alto

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6251.htm. Acesso em: 18/04/2018.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D80228.htm. Acesso em: 18/04/2018.

rendimento” (CASTELLANI FILHO, 2008, p. 134). No período também ocorreu massificação do esporte, contudo voltado ao atendimento do ápice da pirâmide esportiva.

O reflexo desse processo foi a criação, no período da ditadura militar, de mecanismos legais para que fosse realizado o repasse de recursos diretamente à iniciativa privada para a promoção do esporte de alto rendimento (ATHAYDE, 2014). De acordo com Athayde (2014), ainda nas legislações dos anos 1970 ocorreram disputas em relação à liberalização do esporte em direção ao mercado.

A intervenção conservadora sobre o esporte brasileiro “[...] fez com que se constituíssem verdadeiros feudos de poder – as Federações – que reproduziam, na estrutura esportiva, as mesmas relações de poder que podiam ser identificadas no campo político maior, no campo político-partidário, mais precisamente” (CASTELLANI FILHO, 2008, p. 135). A presença das entidades de administração esportiva foi tão forte, que até na atualidade estas se fazem presentes na políticas esportiva brasileira.

Nos anos 1980 há um cenário paradoxal pois, de um lado houve o processo de redemocratização que resultou na Constituição Federal de 1988 com o fortalecimento da sociedade civil e a luta por garantias de direitos por parte do Estado, e de outro, se consubstanciou o fortalecimento do MLP, cujo reflexo foram contrarreformas do aparelho estatal e forte presença do mercado. Estes elementos tiveram reflexo direto sobre o esporte, pois nos anos 1980 se construíram críticas ao caráter autoritário, burocrático e seletivo do esporte brasileiro (ATHAYDE, 2014).

Na Constituição Federal de 1988 é a primeira vez que o esporte é caracterizado como um direito. Vejamos como se consubstanciou naquela:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional; IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

Percebemos que foi apontada a necessidade de autonomia das entidades de administração esportiva, elemento que buscava contrapor o caráter corporativista presente desde a primeira legislação esportiva. Além disso, no que tange ao financiamento, é explicado que os recursos públicos devem priorizar o esporte educacional e, somente em casos

específicos, o esporte de alto rendimento. Estes dois elementos apontam para mudanças no direcionamento da política esportiva em relação ao que vinha sendo realizado.

O esporte de alto rendimento era organizado e financiado hegemonicamente pelo Estado, contudo, com o decorrer dos anos, passou a incorporar também a iniciativa privada e seus interesses econômicos (ATHAYDE, 2014). As legislações anteriores com caráter tutelar e hierárquico apresentavam entraves para o desenvolvimento da lógica do mercado, elementos que o artigo 217 da Constituição Federal de 1988 já apontava para a modificação. Frente ao processo de transição econômico, social e político, o mercado se apresentava como principal alternativa para organizar e modernizar o esporte, necessitando de uma legislação que desse suporte à sua atuação.

Dessa maneira se construíram um conjunto de dispositivos jurídico-legais que direcionaram a política esportiva no Brasil, a exemplo da Lei Zico (Lei nº 8.672/199373) e da Lei Pelé (Lei nº 9.615/199874). Castellani Filho (2007) afirma que essas leis deram margem para um processo de mudança que confrontava interesses liberalizantes – que buscavam autonomia no mercado – e conservadores – que viam na liberalização uma ameaça ao poder oligárquico constituído. Estes diferentes interesses teriam levado a um processo de modernização conservadora, conforme aponta Athayde (2014, p. 176).

Embora inconclusa, a modernização proposta pela nova elite esportiva – que ocupou a burocracia estatal – para ser levada a seu desfecho obrigou essa mesma elite a fazer pactos com os grupos que ela pretendia ver extintos com a implementação do projeto de modernização. Por conseguinte, a modernização almejada foi conservadora e não rompeu com as estruturas antigas, “feudais”, “cartelizadas”, além de ter mantido intocados os principais interesses particularistas daquela fração do setor esportivo nacional.

A Lei Zico, que deu base a forma como ficou definido o financiamento público do esporte no Brasil, teria marcado uma nova forma de intervenção do Estado no setor esportivo, definindo a não tutela do Estado, porém com a permanência do Estado como financiador. Além disso, a referida legislação buscou atender aos interesses do mercado regulando seus conflitos, enquanto as questões do esporte como direito foram praticamente ignoradas.

A Lei Pelé consolidou aquilo que estava presente na Lei Zico, tendo realizado apenas pequenas alterações nesta. A Lei Pelé reforçou a lógica do Estado financiador das políticas esportivas, com centralização nas entidades de administração esportiva (CASTELLANI FILHO, 2008). Para Matias (2013b), aquelas duas legislações seguiram a tendência europeia

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8672.htm. Acesso em: 19/04/2018.

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de disciplinar e normatizar a prática esportiva profissional, tendo ocasionado uma mudança no tratamento comercial do esporte, haja vista a presença de parâmetros empresariais na gestão dos clubes e associações esportivas, além de comercialização dos atletas.

Um dos reflexos desse processo foi a grande presença de parcerias entre entidades de administração esportiva e clubes com empresas de diferentes ramos. Portanto, o processo de modernização do esporte buscava deixar o esporte aos interesses da livre concorrência do mercado, sendo explorado comercialmente.

Na Lei Pelé se consolidou uma classificação das diferentes manifestações esportivas75 que deveriam ter tido impacto direto sobre as políticas esportivas, vejamos elas.

Art. 3o O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações: I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer; II - desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente;

III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.

O governo de FHC criou a autarquia federal Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto (INDESP), que teria a função de promover e desenvolver a prática esportiva. Inicialmente o INDESP esteve ligado ao Ministério da Educação e do Desporto, mas com a criação do cargo de Ministro de Estado Extraordinário dos Esportes, ele ficou vinculado a este. Nas ações desenvolvidas pelo INDESP, Veronez (2005) identificou que houve priorização para o esporte de alto rendimento, cujas principais beneficiadas foram as entidades de administração esportiva.

Desta maneira, Athayde (2014) verificou que a marca da área social no governo FHC foi o assistencialismo: materializado em ações focalizadas e temporárias, sem financiamento não houve universalização e continuidade, tendo o esporte tido características semelhantes. Dessa forma, não houve uma atuação contundente daquele governo em relação ao esporte educacional e de participação.

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Na Lei nº 13.155/2015, inciso IV foi incluída outra manifestação esportiva, o: “desporto de formação, caracterizado pelo fomento e aquisição inicial dos conhecimentos desportivos que garantam competência técnica na intervenção desportiva, com o objetivo de promover o aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da prática desportiva em termos recreativos, competitivos ou de alta competição”.

Ainda durante o governo de FHC, chama a atenção a promulgação da Lei Agnelo-Piva (Lei nº 10.264/200176) que alterou o artigo 56 da Lei Pelé, fortalecendo ainda mais o financiamento das entidades de administração esportiva, pois definiu que 2% da arrecadação de concursos prognósticos e loterias federais fossem direcionados ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e ao Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Desse modo, fica claro que estas instituições buscaram autonomia, contudo sem abrir mão dos recursos públicos.

O esporte durante o governo FHC nunca teve prestígio, tendo em vista a concepção de Estado mínimo e de projeto contrarreformista, sendo encarado como uma área a ser entregue às regras do mercado (ATHAYDE, 2014). Contudo, embora o esporte tenha sido desprestigiado naquele governo, houve importantes elementos para a política esportiva, como: a promulgação da Lei Pelé e suas modificações, a criação do Ministério do Esporte e Turismo e a realização das Comissões de Parlamentares de Inquéritos (CPIs) da Câmara e do Senado Federal para investigar o futebol brasileiro e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Estes elementos impactaram diretamente a política esportiva desenvolvida nos governos Lula e Dilma.

Chama-nos a atenção, nessa trajetória da política esportiva nacional, o fato de o esporte não ser visto como um direito social, e “[...] tampouco o Estado como mediador e ponto de equilíbrio entre os interesses antagônicos existentes no setor esportivo” (CASTELLANI FILHO, 2007, p. 4). Dessa forma:

Esse quadro leva a uma reflexão e constatação desagradável. O esporte na sua dimensão de alto rendimento e espetáculo, desde o início da atuação do Estado, sempre foi prioridade, mesmo que tenha sido utilizado em alguns momentos a partir de um viés utilitarista. No entanto, constata-se que o esporte de alto rendimento conseguiu em grande medida atender aos seus interesses e obter um fortalecimento no jogo de correlação de forças entre Estado e sociedade. (FLAUSINO, 2013, p. 87)

A seguir, discutiremos como se consubstanciou a política esportiva durante os governos de Lula e Dilma, tendo clareza que muitos dos elementos presentes na trajetória da relação entre Estado e esporte no Brasil refletiram sobre os caminhos da política esportiva daqueles governos. Discutiremos a política de esporte dos governos Lula e Dilma em sub- tópicos diferentes, contudo, em grande parte, houve um contínuo entre aquilo que foi realizado nestes dois governos.