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GOVERNO DO PT: DE LULA A DILMA

2.5 FUNDO PÚBLICO NOS GOVERNOS LULA E DILMA

Para compreendermos o fundo público nos governos Lula e Dilma é importante, por um lado, apontar como se consubstanciou a carga tributária brasileira e, por outro, colocar o que foi priorizado no gasto federal durante aqueles governos.

Durante o governo Lula foram tentadas duas reformas tributárias – pela PEC nº 41/200361 e pela PEC nº 233/200862. Na primeira, as principais mudanças apontadas no sistema tributário foram: a) regulamentar por lei ordinária o Imposto sobre Grandes Fortunas; b) transferência do Imposto Territorial Rural (ITR) para os Estados, o Distrito Federal e os municípios, e aumento da progressividade; c) progressividade sobre o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos; d) uniformização das legislações do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), seletividade do imposto e limitação das alíquotas; e) autorização de progressividade na cobrança do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis por Ato Oneroso Inter Vivos, que é municipal; f) tornar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) uma contribuição social permanente para a seguridade social; g) permitir a substituição, total ou parcial, da contribuição social sobre a folha de salários por outra que incidisse sobre o faturamento ou as receitas; e h) prorrogação da DRU. A proposta da PEC nº 41/2003 sofreu grandes resistências no Congresso Nacional, sendo que

de um lado, mesmo uma proposta tímida de maior progressividade em alguns impostos diretos (que, em tese, já deveriam ser progressivos) sobre o patrimônio provocou a reação dos empresários e dos setores mais conservadores no Congresso Nacional. De outro lado, também houve resistência dos governadores dos Estados, que temiam as possíveis perdas de arrecadação do ICMS, além da limitação no poder de legislar sobre este tributo estadual. (SALVADOR, 2014, p. 31)

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Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=113717. Acesso em: 14/09/2017.

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Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=384954. Acesso em: 14/09/2017.

O resultado foi que a primeira proposta de reforma tributária no governo Lula fracassou, tendo sido os únicos resultados a prorrogação da DRU e da CPMF – como provisória – por meio da EM nº 4263.

A nova proposta de reforma tributária se deu no início do segundo mandato do governo Lula, tendo sido construída por meio de reuniões com setores representativos dos empresários nacionais, encontros com governadores e prefeitos, e limitadas reuniões com o movimento social e sindical (SALVADOR, 2014). A PEC nº 233/2008, devido às resistências dos movimentos sociais, não foi aprovada na Câmara dos Deputados, mas também não foi arquivada pelo governo, podendo ser apreciada a qualquer momento pelo Parlamento (SALVADOR, 2014).

A PEC nº 233/2008 não mostrava a construção de um sistema tributário progressivo, além de afetar diretamente a estrutura do financiamento das políticas sociais, tendo sido os principais pontos da proposta: a) criação de um Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F), com a extinção de quatro tributos federais: a COFINS, a PIS, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a Importação e a Comercialização de Combustíveis (CIDE) e a Contribuição Social do Salário-Educação; b) incorporação da ao IRPJ; c) redução gradativa da contribuição dos empregadores para a Previdência Social CSLL; d) unificação da legislação do ICMS; e) criação de um Fundo de Equalização de Receitas (FER) para compensar eventuais perdas de receita do ICMS por parte dos Estados; e f) instituição de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR). De acordo com Salvador (2014), a PEC nº 233/2008 seria o sepultamento das bases de financiamento da seguridade social, além de afetar diretamente as políticas de trabalho e educação.

Salvador (2014) aponta que, embora as duas reformas tributárias não tenham sido aprovadas no governo Lula, inda assim aforam realizadas algumas mudanças tributárias nas legislações infraconstitucionais durante o governo Lula, como:

a) foi criada a “Super-Receita”, que resultou na criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) (Lei nº 11.457/200764), órgão resultante da fusão da Secretaria da Receita Federal (SRF) com a Secretaria da Receita Previdenciária (SRP), cujo efeito foi a política de arrecadação e gestão das receitas previdenciárias ter deslocado do Ministério da Previdência Social para o Ministério da Fazenda;

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc42.htm. Acesso em: 14/09/2017.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11457.htm. Acesso em: 20/10/2017.

b) edição da Medida Provisória (MP) nº 281/200665, reduzindo a zero as alíquotas de IR e de CPMF para “investidores” estrangeiros no Brasil;

c) a Lei n° 11.033/200466, promoveu significativas alterações no tratamento tributário das aplicações financeiras, favorecendo os aplicadores do mercado financeiro e da bolsa de valores;

d) edição da MP nº 431/200867, devido ao fim da CPMF, tendo realizado um conjunto de mudanças para compensar a perda de arrecadação, como o aumento da alíquota da CSLL dos bancos, de 9% para 15%. Em paralelo, foi editado o Decreto nº 6.339/200868, que elevou em 0,38% todas as alíquotas do Imposto sobre Operação Financeira (IOF) incidentes nas operações de crédito e de câmbio; e

f) instituição do regime tributário simplificado, por meio da Lei Complementar nº 123/200669, que criou o Simples Nacional, tendo unificado a arrecadação de tributos e contribuições do Simples Nacional.

Durante o governo Dilma, embora ela tenha anunciado durante a campanha em 2014 que faria uma reforma tributária, essa proposta não se concretizou. Em seu governo, as principais iniciativas em relação ao sistema tributário foram as desonerações realizadas, conforme apresentamos anteriormente, tendo sido parte do projeto (neo)desenvolvimentista que realizou ações de política anticíclica (PINTO et al., 2016).

Salvador (2014, p. 37) faz uma síntese daquilo que foi realizado, ou não, pelos governos Lula e Dilma em relação ao sistema tributário:

[...] no século XXI, foram pontuais as medidas adotadas no âmbito do sistema tributário que contribuíram de alguma forma para a redução das desigualdades sociais. Em grande parte, as iniciativas legislativas caminharam no sentido da simplificação tributária, das desonerações de impostos das empresas e na busca da maior competitividade das empresas brasileiras no cenário internacional. As medidas progressivas no campo tributário, no sentido de trazer algum impacto na redução das desigualdades sociais, limitaram-se à maior progressividade do ITR, ao aumento da alíquota da CSLL dos bancos e a alguns efeitos periféricos do IOF sobre as operações financeiras. O mais grave é que, ao longo dos últimos 10 anos, não foi revogada nenhuma das medidas regressivas adotadas no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, destacadamente a isenção de imposto de renda sobre a distribuição de lucros e dividendos a pessoas físicas distribuídos para os resultados

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Mpv/281.htm. Acesso em: 20/10/2017.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11033.htm. Acesso em: 20/10/2017.

67

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/mpv/431.htm. Acesso em: 20/10/2017.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6339.htm. Acesso em: 20/10/2017.

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apurados a partir de 1º/01/96, seja o sócio capitalista residente no país ou no exterior.

Desta forma, permaneceu no Brasil a carga tributária regressiva durante os governos Lula e Dilma, considerando ela estar concentrada em tributos indiretos e cumulativos que oneram mais os trabalhadores e os mais pobres, uma vez que mais da metade da arrecadação foi proveniente de tributos que incidem sobre bens e serviços, havendo uma baixa tributação sobre renda e patrimônio (SALVADOR, 2014). Trazemos na Tabela 12, a base de incidência sobre a carga tributária brasileira de 2005 a 2015.

Tabela 12 - Carga tributária brasileira em relação ao PIB, por base incidência – Série 2005- 2015 (valores em %)

Ano Renda Folha de Salários Propriedade ServiçosBens e FinanceirasTransações Outros Total da Receita Tributária 2005 6,37 8,55 1,25 16,47 0,73 0,02 33,63 2006 6,15 8,15 1,16 16,21 1,61 0,04 33,31 2007 6,50 8,16 1,19 16,11 1,62 0,09 33,66 2008 6,86 8,12 1,19 16,69 0,68 -0,01 33,53 2009 6,33 8,48 1,26 15,63 0,58 -0,02 32,27 2010 5,92 8,44 1,23 16,13 0,68 0,04 32,44 2011 6,37 8,55 1,25 16,47 0,73 0,02 33,39 2012 5,86 8,64 1,27 16,29 0,64 0,00 32,70 2013 5,93 8,43 1,29 16,47 0,55 0,01 32,67 2014 5,85 8,41 1,35 16,28 0,52 0,00 32,42 2015 5,97 8,44 1,45 16,22 0,59 -0,01 32,66 Média 6,19 8,40 1,26 16,27 0,81 0,02 32,97 2015- 2005 -0,40 -0,11 0,20 -0,25 -0,14 -0,03

Fonte: Receita Federal do Brasil (2016). (Elaboração própria)

Como pode ser observado, de 2005 a 2015 a carga tributária brasileira correspondeu em média a 32,97% do PIB. Ao longo destes 11 anos, cerca de 50% da tributação brasileira foi sobre o consumo (bens e serviços), sendo que ela é uma tributação indireta que acaba oferecendo um ônus maior àqueles que têm menor rendimento. A segunda maior tributação no período foi com folha de salários (24,48%), ou seja, sobre os trabalhadores que são tributados diretamente em seus salários. Estes dois elementos apontam que, durante os governos Lula e Dilma, o trabalho necessário foi o principal responsável pelo pagamento de tributos para compor o fundo público. Em contrapartida, a renda correspondeu apenas a

18,77%, o patrimônio somente a 3,81%, e as transações financeiras só a 2,47% da arrecadação tributária em média de 2005 a 2015.

Ao longo de 2005 a 2015, houve uma diminuição da tributação da renda, contudo, mesmo a renda tendo um caráter progressivo, no Brasil ela incide mais fortemente nos trabalhadores assalariados do que nos ricos e milionários (SALVADOR, 2014). Ocorreu diminuição também na tributação sobre a folha de salários (0,11), bens e serviços (0,25) e operações financeiras (0,14) de 2015 para 2005, sendo que os dois primeiros são interessantes aos trabalhadores, e o último traz vantagens apenas ao capital. Chama atenção o aumento da tributação sobre propriedade, que subiu 0,20 no período.

Isto demonstra que não houve nenhuma mudança significativa durante os governos Lula e Dilma em relação à regressividade da carga tributária brasileira. As classes mais pobres continuaram tendo o maior ônus sobre a tributação, tanto que o IPEA (2011) demonstrou que, tendo por base a tributação de 2008/2009, há uma estimativa de que 10% das famílias mais pobres do Brasil destinam 32% da renda disponível para o pagamento de tributos, enquanto 10% das famílias mais ricas gastam apenas 21% da renda em tributos.

As marcas da carga tributária regressiva no Brasil são a elevada concentração de renda e a desigualdade social (SALVADOR, 2014). Quando se realiza um recorte de gênero e raça, as desigualdades econômicas na tributação são ainda mais alarmantes, uma vez que a carga tributária é mais pesada sobre negros e mulheres, que tem menor rendimento, além do fato que mulheres negras pagam proporcionalmente mais tributos que homens brancos (SALVADOR, 2014).

De acordo com Salvador (2014), nos países socialmente desenvolvidos da OCDE, 2/3 da tributação se dá sobre patrimônio e renda. Para se ter um exemplo, em 2014, na Dinamarca, a tributação foi de 65,22% sobre renda, lucros e ganhos de capital, e 3,73% sobre patrimônio, isto é, 68,95% da tributação tem um caráter progressivo – a Dinamarca tem uma carga tributária de 50,9% do PIB, sendo o país da OCDE em que esta é mais elevada (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2016). No Brasil, estas duas tributações corresponderam apenas a 22,20% da carga tributária, o que mostra que menos de 1/3 da carga tributária brasileira tem um caráter progressivo.

Se o caráter regressivo da carga tributária no Brasil tivesse se revertido nos governos Lula e Dilma, poderia ter ocorrido maior queda no Índice de Gini, diminuição da taxa de pobreza e de pobreza extrema, bem como maior aumento da média de renda domiciliar per

capita. Enfim, poderia se verificar maior diminuição da concentração de renda e da

composição do fundo público com estes recursos. A regressividade da carga tributária brasileira é resultado da correlação de forças sociais e políticas que atuam dentro do sistema tributário, sendo ela extremamente desfavorável aos trabalhadores e aos mais pobres.

Após analisarmos a tributação, passamos a verificar como se deu o gasto público nos governos Lula e Dilma, haja vista que “[...] o destino dos gastos públicos é uma dimensão importante para a compreensão das desigualdades sociais a partir dos seus efeitos sobre os cidadãos mais vulneráveis, aqueles que são excluídos do desenvolvimento econômico.” (SALVADOR, 2014, p. 6).

Para analisar este lado do fundo público, nos pautaremos no orçamento público federal pois, de acordo com Salvador (2012a; 2012b), ele é a expressão mais visível do fundo público, sendo nele definidas as prioridades de políticas públicas de um governo. Além disso, o orçamento público expressa a correlação de forças dentro do Estado, entre as frações de classe que compõem o bloco no poder e as classes dominantes.

Os dados a seguir buscam demonstrar o que foi priorizado ao longo dos governos Lula e Dilma, se os direitos ou o pagamento da dívida pública. Inicialmente, apresentamos aquilo que foi gasto com as funções orçamentárias nos Planos Plurianuais (PPAs) dos governos Lula e Dilma, conforme Tabela 13.

Tabela 13 - Funções orçamentárias nos PPAs dos governos Lula e Dilma – Série 2004-2015 (valores liquidados; valores deflacionados pelo IGP-DI a preços de 2015 em bilhões R$ e %)

Funções 2004-2007 (R$) 2008-2011 (R$) 2012-2015 (R$) Total (R$) Participação (R$)

01 - Legislativa 31,19 32,86 29,12 93,17 0,36 02 - Judiciária 94,53 124,55 118,81 337,89 1,30 03 - Essencial à justiça 20,51 30,82 21,80 73,12 0,28 04 – Administração 78,89 104,81 91,89 275,59 1,06 05 - Defesa nacional 119,68 166,78 153,27 439,73 1,69 06 - Segurança pública 27,26 47,29 33,85 108,40 0,42 07 – Relações exteriores 10,52 10,84 11,48 32,84 0,13 08 - Assistência social 138,14 215,98 297,05 651,17 2,50 09 - Previdência social 1.466,17 1.823,15 2.171,19 5.460,51 20,97 10 - Saúde 285,16 357,27 381,79 1.024,22 3,93 11 - Trabalho 108,62 176,27 277,94 562,82 2,16 12 - Educação 136,26 251,27 342,88 730,41 2,81 13 - Cultura 3,91 7,08 4,18 15,17 0,06 14 - Direitos da cidadania 6,02 9,39 3,29 18,70 0,07 15 - Urbanismo 17,78 27,03 5,91 50,71 0,19 16 – Habitação 5,14 4,16 0,19 9,50 0,04 17 - Saneamento 3,10 12,19 2,51 17,80 0,07 18 - Gestão ambiental 14,55 22,17 15,40 52,12 0,20 19 - Ciência e tecnologia 25,57 38,29 32,36 96,22 0,37

20 - Agricultura 68,44 80,94 57,72 207,10 0,80 21 - Organização agrária 27,83 26,60 10,49 64,93 0,25 22 - Indústria 14,43 11,29 9,28 35,00 0,13 23 - Comércio e Serviços 19,40 22,17 5,99 47,56 0,18 24 – Comunicações 4,31 4,23 5,14 13,69 0,05 25 – Energia 3,41 3,91 4,67 11,99 0,05 26 – Transporte 53,29 102,19 56,79 212,26 0,82 27 - Desporto e lazer 5,08 6,12 2,63 13,83 0,05 28 - Encargos especiais 5.309,74 4.927,51 5.143,85 15.381,10 59,07 Total 8.098,93 8.647,17 9.291,46 26.037,56 100,00 Funções DHESCAs* 2.217,77 2.938,67 3.515,46 8.671,90 33,31 Part. no orçamento em % 27,38% 33,98% 37,84% 33,31% -

Fonte: SIGA Brasil. (Elaboração própria)

Obs.: * Refere-se a soma das funções: (8) assistência social, (9) previdência social, (10) saúde, (11) trabalho, (12) educação, (13) cultura, (14) direitos de cidadania, (15) urbanismo, (16) habitação, (17) saneamento, (18) gestão ambiental, (21) organização agrária e (27) desporto e lazer.

Na Tabela 13 em negrito, estão funções em que as despesas se relacionam diretamente à efetivação dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCAs) – termo desenvolvido por Salvador (2010b). Ao compararmos aquilo que foi gasto pelo orçamento federal do PPA 2004-2007 para o PPA 2012-2015, houve um crescimento real de 14,72%. Neste mesmo período, as funções que concretizam DHESCAs cresceu 58,51%. Isto é um avanço, pois os DHESCAs cresceram mais que o orçamento federal.

A participação das funções vinculadas aos DHESCAs foi aumentando ao longo dos PPAs, indo de 27,38% no PPA 2004-2007, para 33,98% no PPA 2008-2011 e para 37,84% no PPA 2012-2015. Ao longo dos 12 anos, a média de participação dos DHESCAs no orçamento federal foi de 33,31%, sendo que só a função Previdência social teve participação de 20,97%.

O aumento de gasto com DHESCAs no PPA 2012-2015 – PPA do governo Dilma – foi puxado para cima devido ao pico de gasto com as políticas de Seguridade Social – Assistência social, Previdência social e Saúde –, Trabalho e Educação. Já políticas como Habitação e Organização agrária tiveram pico de gasto no PPA 2004-2007, enquanto no PPA 2008-2011 os direitos com pico de gasto foram Cultura, Direito de cidadania, Urbanismo, Saneamento, Gestão ambiental e Desporto e lazer. Isso demonstra que, ao longo dos governos Lula e Dilma, diferentes direitos foram recebendo prioridade, sendo alarmante o caso da Habitação, que no PPA 2012-2015 teve apenas de 3,70% do que teve no PPA 2004-2007.

Embora tenham avanços no gasto com os DHESCAs, sobretudo nos ligados a Seguridade Social, Trabalho e Educação, é contraditório que aqueles que se beneficiam destes

direitos são aqueles que mais pagam tributos – trabalhadores assalariados e os mais pobres –, resultado da permanência da carga tributária regressiva durante os governos Lula e Dilma.

Salvador (2012a) analisou o financiamento da Seguridade Social e do Trabalho, demonstrando que há um amplo predomínio de tributos que incidem sobre o consumo, onerando pesadamente os mais pobres. Por outro lado, as políticas sociais de Educação, Direitos de cidadania, Habitação e Saneamento são financiadas, sobretudo, por Impostos de Renda que no Brasil oneram mais os trabalhadores do que os lucros e dividendos dos sócios capitalistas (SALVADOR, 2012a).

Os dados da Tabela 13 demonstram que as funções que tem gasto de natureza obrigatória acabam tendo mais recursos e regularidade, como: Assistência social, Previdência social, Saúde, Trabalho e Educação. Por outro lado, funções que dependem de gastos discricionários do governo – aquelas que o governo pode ou não realizar, não havendo imposição legal – recebem menos recursos orçamentários, como é o caso de funções como: Cultura, Direitos de cidadania, Urbanismo, Habitação, Saneamento, Gestão ambiental e Organização agrária. Isso se reflete na baixa execução orçamentária de funções garantidoras de DHESCAs, como pode ser observado na Tabela 14.

Tabela 14 - Execução orçamentária das diferentes funções – Série 2004-2015 (valores liquidados sobre valores autorizados em %)

Funções 2004-2007 2008-2011 2012-2015 01 - Legislativa 92,51 93,61 89,49 02 - Judiciária 95,55 98,45 91,39 03 - Essencial à justiça 92,68 97,24 89,04 04 – Administração 88,13 91,07 74,31 05 - Defesa nacional 95,69 92,81 78,89 06 - Segurança pública 86,02 84,90 70,61 07 – Relações exteriores 85,12 91,80 107,27 08 - Assistência social 97,47 98,63 95,08 09 - Previdência social 99,58 99,45 100,18 10 - Saúde 94,57 96,45 83,44 11 - Trabalho 97,48 96,26 92,92 12 - Educação 93,77 92,69 77,56 13 - Cultura 78,39 74,38 29,32 14 - Direitos da cidadania 79,03 77,81 34,54 15 - Urbanismo 72,80 66,53 14,40 16 – Habitação 69,18 73,19 6,22 17 - Saneamento 52,39 88,40 16,53 18 - Gestão ambiental 75,77 80,17 42,48 19 - Ciência e tecnologia 90,72 93,56 64,45 20 - Agricultura 69,70 74,46 49,60 21 - Organização agrária 90,19 79,66 31,63

22 - Indústria 75,49 65,84 75,49 23 - Comércio e Serviços 72,26 66,30 20,23 24 – Comunicações 71,07 73,68 68,44 25 – Energia 65,37 68,97 60,31 26 – Transporte 76,22 82,24 44,95 27 - Desporto e lazer 73,67 57,15 16,67 28 - Encargos especiais 61,32 76,01 75,61 Total 69,56 83,10 80,30

Média Funções DHESCAS 88,47 89,30 52,57

Fonte: SIGA Brasil. (Elaboração própria)

A Tabela 14 apresenta o percentual entre os valores que foram autorizados e liquidados. De maneira geral, os valores autorizados refletem a variação – para mais ou para menos – do montante de dotações de recursos presentes na Lei Orçamentária Anual (LOA) a uma função ao longo do exercício. Já o liquidado é a confirmação de que o bem ou serviço foi entregue (neste momento não aprofundaremos nestas conceituações, o faremos apenas no capítulo 3). A comparação entre o autorizado e o liquidado revela o ritmo de pretensão que se pretende no cumprimento da LOA aprovada, além de indicar a priorização de gasto do governo (SALVADOR, 2010a).

Como podemos verificar na Tabela 14, as funções de Assistência social e Previdência social sempre tiveram execução orçamentária acima de 97% e a de Trabalho acima de 92%. Chama a atenção as funções de Saúde e Educação, que nos dois PPAs do governo Lula tiveram execução acima de 92%, mas que decaíram no PPA do governo Dilma, respectivamente, para 83,44% e 77,56%. Estas funções conseguem altas execuções porque a maior parte são recursos de natureza obrigatória, onde o amparo legal obriga sua execução.

Quando analisamos as demais funções ligadas aos DHESCAs, é possível perceber que houve queda na execução dos PPAs do governo Lula em relação ao do governo Dilma – que tiveram execução orçamentária abaixo de 35% no PPA dela. No governo Dilma algumas funções tiveram execuções orçamentárias bem críticas, como é o caso da Habitação (6,22%), do Urbanismo (14,40%), do Saneamento (16,53%) e Desporto e lazer (16,67%). Dados do IBGE (2015) revelam que ainda há grandes desafios urbanos a serem enfrentados, o que não justifica, todavia, a baixa execução das três primeiras funções no PPA do governo Dilma, pois em 2014 havia 14,6% das habitações sem abastecimento de água, e 36,5% não tinham rede de coleta de esgoto. Deste modo,

As funções que apresentam baixa execução orçamentária são exatamente aquelas que estão relacionadas a problemas cruciais para a população e que necessitam de intervenção do Estado, sendo pontos nevrálgicos na conquista dos direitos da

cidadania, na luta contra as desigualdades e por uma vida digna (SALVADOR, 2010b, p. 188-189).

De acordo com Salvador (2010b), dois elementos foram determinantes para maiores resultados positivos nas contas primárias do governo: a política de ajuste fiscal e a aprovação da LRF, tendo priorizado o pagamento de juros e amortização da dívida pública. A não execução integral dos recursos autorizados contribui para reforçar o caixa do governo federal, possibilitando o alcance de superávit primário, cujo efeito é semelhante ao contingenciamento de recursos (SALVADOR, 2010b).

Salvador (2010b) aponta que há a subordinação dos gastos que efetivam direitos para a maioria da população à lógica do mercado financeiro. Prova disso é a liberação de recursos para os órgãos ter ocorrido apenas após realização do pagamento de juros e encargos de dívidas e do cumprimento de metas econômicas (INESC, 2005). O resultado disso é que “tal procedimento prejudica a continuidade das políticas, reduzindo a transparência e dificultando o controle social às custas de assegurar credibilidade frente ao mercado” (INESC, 2005, p. 2). Assim, no começo do ano houve a interrupção na execução das políticas gerando, nos últimos dias do mês de dezembro, uma grande liberação de recursos.

Outro elemento que contribuiu para a formação de superávit primário e, por consequência, para o pagamento de juros da dívida pública, foi a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que desvinculou recursos importantes de funções com recursos vinculados, principalmente a Seguridade social e a Educação.

Salvador (2010b) chama a atenção para o fato de que, muitas vezes, nas discussões sobre orçamento federal, o pagamento de juros e encargos da dívida é ignorado considerando o critério utilizado de não discutir as despesas financeiras. Entretanto, o pagamento de juros, encargos e amortizações da dívida pública representam uma grande parcela do orçamento federal. As despesas financeiras representaram em média 19,05% do orçamento federal de 2004 a 2015, sendo que o ano de menor participação foi em 2005 (12,95%), e o de maior foi em 2009 (26,89%).

Como pode ser observado na Tabela 15, de 2004 a 2015 o governo brasileiro pagou R$ 4,94 trilhões de juros, encargos e amortizações da dívida pública. Com este valor, seria possível construir mais de 26 milhões de moradias – tendo por base o valor máximo por uma moradia financiada pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, que passou a ser de R$ 190 mil nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Ao longo de 2003 a 2015 foram gastos com o Programa Bolsa Família R$ 186,5 bilhões (MENEZES, 2016),