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GOVERNO DO PT: DE LULA A DILMA

2.6 A POLÍTICA DE ESPORTE NOS GOVERNOS LULA E DILMA

2.6.3 A política de esporte no governo Dilma

Durante o governo Dilma, não foi realizada nenhuma CNE, processo que teria sido um dos elementos que contribuiu para o afastamento dos movimentos sociais do seu governo. De acordo com Araújo (2016, p. 263), “se o Governo Lula impulsionou, mesmo com limites, a expansão quantitativa dos mecanismos de participação social, não se encontrou no Governo Dilma a mesma determinação em consolidar esses espaços”. Além disso, como afirmado por Araújo (2016), durante o governo Dilma, o Conselho Nacional do Esporte manteve seu caráter legitimador dos interesses do ME.

Diferentemente de Lula, Dilma não nutria paixão por nenhum esporte específico. No entanto, aquilo que foi realizado pelo governo desta, foi diretamente afetado por aquilo que foi determinado no governo daquele, sobretudo a principal deliberação da III CNE, o PDEL. Elementos que apontam para isso foram: alteração na estrutura do ME, o foco do PPA – 2012/2015 e alterações na legislação, principalmente da Lei Pelé.

O ME manteve a estrutura organizacional supracitada do governo Lula, até julho de 2011, tendo editado o Decreto 7.52982, com pequena alteração do Decreto 7.630/201183, passando a ter a seguinte configuração: a) órgãos de assistência direta e imediata ao ministro – gabinete, Secretaria Executiva, consultoria jurídica e Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem; b) órgãos específicos singulares (secretarias finalísticas) – Secretaria Nacional de

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7529.htm. Acesso em: 13/09/2017.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7630.htm. Acesso em: 13/09/2017.

Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor (SNFDDT), Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento (SNEAR) e Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social (SNEELIS); e c) órgão colegiado – Conselho Nacional do Esporte.

Portanto, foram criadas a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem, a SNFDDT e a SNEELIS. A criação da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem se deu pela realização dos Jogos Rio 2016, a da SNFDDT pela realização da Copa 2014, e da SNEELIS, por não ter relação direta com os grandes eventos, agregou as políticas que eram desenvolvidas pela SNEE e pela SNDEL.

Um ano depois destas mudanças, foi instituído o Decreto n. 7.784/201284 que manteve em grande parte a estrutura acima, mas aumentou os departamentos da Secretaria Executiva, que passou a ter: a) Assessoria Especial de Assuntos Internacionais; b) Ouvidoria; c) Coordenação-Geral de Atendimento ao Cidadão; e d) Assessoria Extraordinária de Coordenação dos grandes eventos Esportivos. Assim, houve o aumento de atribuições da Secretaria Executiva para garantir maior organicidade na preparação dos grandes eventos esportivos a serem realizados. “Desse modo, a reestruturação do Ministério do Esporte foi uma ação governamental que configurou uma base de apoio voltada para a realização dos Megaeventos Esportivos, sendo executada após o Plano Decenal.” (FLAUSINO, 2013, p. 104).

Para além deste processo de reestruturação organizacional do ME, houve um conjunto de ações do Governo Federal para criar uma estrutura paralela à governamental, como: o Ato Olímpico, a Autoridade Pública Olímpica (APO), o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos (COJO), o Comitê Gestor dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 (CGOLIMPÍADAS),

Grupo Executivo dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 (GEOLIMPÍADAS), o Comitê Gestor da Copa 2014 (CGCOPA) e o Grupo Executivo da Copa 2014 (GECOPA).

Ainda no governo Lula, foi instituído o “Ato Olímpico” pela Lei nº 12.035/200985, que deu garantias à realização dos Jogos Rio 2016 e criou regras especiais. Foi estabelecido: a dispensa de visto para pessoas que fossem trabalhar na realização dos Jogos Rio 2016, e a permissão de trabalho deveria ser dada sem qualquer cobrança de taxa ou encargo; as autoridades brasileiras deveriam controlar, fiscalizar e reprimir ilícitos que infringissem os direitos sobre os símbolos dos Jogos – bandeiras, lemas, marcas, nome, emblemas, hinos,

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/D7784.htm. Acesso em: 13/09/2017.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12035.htm. Acesso em: 13/09/2017.

mascotes e tochas86; suspensão dos contratos celebrados para utilização de espaços publicitários em aeroportos ou em áreas federais de interesse dos Jogos Rio 2016; disponibilização do uso de radiofrequências sem pagamento de taxas; e o governo brasileiro deveria oferecer os serviços de segurança, saúde e serviços médicos, vigilância sanitária e alfândega e imigração sem nenhum custo para o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos (COJO).

O COJO foi uma associação não governamental sem fins lucrativos, responsável pelo planejamento operacional, por gerenciar as receitas e despesas e pela realização dos Jogos Rio 2016. Contou com membros de diversas áreas, tendo sido presidido por Carlos Nuzman, presidente do COB. As três esferas de governo envolvidas nos Jogos Rio 2016 deram garantias ao Comitê Olímpico Internacional (COI) de cobrir as necessidades de receitas do COJO.

A APO foi criada pela MP nº 503/201087 e transformada na Lei nº 12.396/201188, tendo sido constituída na forma de um consórcio dos governos municipal, estadual e federal, a fim de coordenar e assegurar perante o COI as ações envolvendo a organização dos Jogos Rio 2016 – processo que envolveu um contrato de rateio entre os três entes federados.

Além disso, para a organização dos Jogos Rio 2016, o Decreto nº 13/201289 instituiu o CGOLÍMPIADAS, cujo objetivo era definir diretrizes e ações do governo federal para realizar os Jogos Rio 2016 e supervisionar os trabalhos do GEOLIMPÍADAS. Aquele foi composto por 10 órgãos do governo federal, sob coordenação do ME. Já o GEOLIMPÍADAS tinha a função de aprovar, coordenar e monitorar as atividades do Governo federal referentes aos Jogos Rio 2016, sendo composto por 7 órgãos da União, também sob coordenação do ME.

Para a realização da Copa 2014 foi estabelecido o Decreto 14/201090, alterado pelo Decreto 26/201191, para criação do CGCOPA e do GECOPA. A principal atribuição do

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Este item foi revogado pela Lei nº 13.284/2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13284.htm#art40. Acesso em: 17/06/2017. 87

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Mpv/503.htm. Acesso em: 13/09/2017.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12396.htm. Acesso em: 13/09/2017.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Dsn/Dsn13425.htm. Acesso em: 13/09/2017.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Dnn/Dnn12391.htm#art2. Acesso em: 13/09/2017.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Dsn/Dsn13087.htm. Acesso em: 13/09/2017.

CGCOPA foi definir as diretrizes do Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa 2014 e supervisionar os trabalhos do GECOPA –órgão subordinado àquele. O CGCOPA contou com a participação de 16 Ministérios e outros órgãos federais, sob a coordenação do ME. O GECOPA contou com um número menor de Ministérios e órgãos federais que estavam mais diretamente relacionados com a organização da Copa FIFA 2014.

Para a Copa das Confederações 2013 e a Copa FIFA 2014, também foi editada a Lei nº 12.663/201292, conhecida como Lei Geral da Copa, firmada como parte do acordo entre o governo brasileiro e a Fédération Internationale de Football Association (FIFA). Assim, foi estabelecido: a proteção das marcas ligadas à FIFA e aos dois grandes eventos; criação de áreas exclusivas de comércio aos parceiros da FIFA; definição da FIFA como titular dos direitos de imagem e som; concessão pelo governo brasileiro de visto e permissão de trabalho a todos os envolvidos com os grandes eventos; a União se responsabilizava por danos causados à FIFA; e a FIFA estabeleceria o valor dos ingressos.

Pode ser percebido que há uma consonância entre a criação das diversas instâncias para organização dos grandes eventos esportivos (COJO, APO, CGOLIMPÍADAS, CEOLIMPÍADAS, CGCOPA e CECOPA) e a reestruturação organizacional do ME, ficando evidente que os grandes eventos esportivos se tornaram a centralidade da política de esporte no Brasil durante o governo Dilma, tendo levado a uma reorganização das estruturas do Estado, no âmbito do esporte.

Além disso, houve um processo de criar instâncias sob a coordenação do ME para organizar a Copa 2014 e os Jogos Rio 2016, que contou com a participação de diferentes Ministérios e órgãos federais. Este processo fortaleceu ainda mais as entidades de administração esportiva, sobretudo o COB e federações e a CBF.

Outro reflexo do PDEL sobre a política esportiva no governo Dilma foi o estabelecimento do PPA 2011-2015, no que tange ao Programa Temático “Esporte e Grandes Eventos”. O PPA 2011-2015 priorizou o esporte de alto rendimento e os grandes eventos esportivos, em detrimento do esporte como direito (FLAUSINO, 2013). Portanto, “[…] além de conferir aos Megaeventos Esportivos o caráter de princípio organizador da agenda e da política nacional do esporte, o referido PPA guarda sintonia direta com o que foi proposto e

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12663.htm. Acesso em: 13/09/2017.

legitimado pela III CNE na forma do Plano Decenal de Esporte e Lazer.” (FLAUSINO, 2013, p. 138).

Outro impacto das definições do PDEL durante o governo Dilma foram as alterações realizadas na Lei Pelé. Não faremos no momento uma análise aprofundada dos itens alterados sobre o financiamento do esporte, pois isto será discutido no próximo capítulo. Mas alguns aspectos merecem serem introduzidos.

A Lei nº 12.395/201193 – fruto da MP nº 503/201094 – foi a principal legislação que alterou a Lei Pelé durante o governo Dilma, tendo sido reflexo direto do que foi estabelecido no PDEL. Esta Lei alterou 32 artigos da Lei Pelé e acrescentou outros 12 artigos, e alterou também a Lei nº 10.891/200495 – que versa sobre a Bolsa-Atleta – e criou os Programas Atleta Pódio e Cidade Esportiva.

Foi firmado que parte dos recursos de loterias e concursos prognósticos devem ser repassado para jogos escolares de esportes olímpicos e paraolímpicos, e que parte dos recursos do COB, do CPB e do Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) fossem para o esporte escolar. Isto estaria diretamente vinculado a preparar os jovens para representar o país nos Jogos Rio 2016, retomando a pirâmide esportiva, na qual a escola deve ser um celeiro para descoberta e detecção de atletas (FLAUSINO, 2013). O CBC passa a receber recursos públicos federais, buscando ampliar os recursos para o treinamento de atletas nos clubes.

A maior parte das alterações na Lei Pelé pela Lei nº 12.395/2011, se relacionam à prática esportiva profissional, sobretudo no que se refere à normatização, legislação, direitos trabalhistas, patrocínios, multas, direitos e deveres do atleta profissional e empregadores, bem como as condições de trabalho.

Outra questão importante foi o estabelecimento de que, para receber recursos públicos, as entidades de administração esportiva e os clubes deveriam firmar contratos de desempenho com o ME, devendo apresentar programa de trabalho com metas, prazos e resultados, além de relatórios de execução fiscal e financeira. A lei supracitada demonstra uma nova intervenção do Estado brasileiro em relação às entidades de administração esportiva, redefinindo em grande parte a autonomia que tinha sido dada a elas, a exemplo da alteração a seguir.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12395.htm. Acesso em: 15/09/2017.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Mpv/503.htm. Acesso em: 15/09/2017.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.891.htm. Acesso em: 15/09/2017.

Uma das mais importantes modificações da Lei Pelé durante o governo Dilma foi a inclusão do Art. 18-A, a partir da Lei nº 12.868/201396, que determinou que as entidades de administração esportiva e clubes somente podem receber recursos públicos federais se cumprirem os seguintes critérios:

• Seu presidente ou dirigente máximo tenha o mandato de até 4 (quatro) anos, permitida 1 (uma) única recondução;

• Destinar integralmente os resultados financeiros à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais;

• Ser transparente na gestão, inclusive quanto aos dados econômicos e financeiros, contratos, patrocinadores, direitos de imagem, propriedade intelectual e quaisquer outros aspectos de gestão;

• Garantir a representação da categoria de atletas das respectivas modalidades no âmbito dos órgãos e conselhos técnicos incumbidos da aprovação de regulamentos das competições;

• Assegurar a existência e a autonomia do seu conselho fiscal;

• Estabelecer em seus estatutos os seguintes elementos: princípios definidores de gestão democrática, instrumentos de controle social, transparência da gestão da movimentação de recursos, fiscalização interna, alternância no exercício dos cargos de direção, aprovação das prestações de contas anuais por conselho de direção e participação de atletas nos colegiados de direção e na eleição para os cargos da entidade; e

• Garantir a todos os associados e filiados acesso irrestrito aos documentos e informações relativos à prestação de contas, bem como àqueles relacionados à gestão da respectiva entidade de administração do desporto, os quais deverão ser publicados na íntegra no sítio eletrônico desta.

Deste modo, fica claro que o governo Dilma buscou estabelecer uma nova relação entre o governo federal e as entidades de administração esportivas e os clubes. Dilma confrontou diretamente aquilo que vinha sendo realizado há décadas por aquelas entidades, apontando que deveriam se tornar mais democráticas e transparentes para que pudessem receber recursos públicos federais. Como aquelas entidades são extremamente dependentes dos recursos públicos, elas tiveram que se readequar, conforme veremos no próximo capítulo.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12868.htm. Acesso em: 14/09/2017.

Este foi o principal elemento que, no âmbito do esporte, demonstrou uma ruptura entre aquilo que vinha sendo feito no governo Lula e o que foi realizado no governo Dilma.

Contudo, é preciso ter claro que a imbricação do Estado brasileiro com as entidades de administração esportiva era tão grande, sobretudo devido à organização dos grandes eventos esportivos e implementação do esporte de alto rendimento, que mesmo com a legislação que obrigavam elas a se democratizarem e ter maior transparência, de certo modo, o Estado dependia diretamente delas para obter “sucesso” na realização da Copa 2014 e dos Jogos Rio 2016.

O ME, ao se associar aos setores conservadores, ganhou visibilidade resultante da própria configuração da política econômica e social do governo PT – supremacia da fração bancário-financeira, da especulação imobiliária e do agronegócio – ter fortalecido a realização dos grandes eventos esportivos. O esporte passou a ser colocado cada vez mais durante os governos Lula e Dilma como “[...] funcional ao processo de acumulação capitalista, com ênfase em sua capacidade de auxiliar no projeto de mundialização de determinadas frações da burguesia nacional, nomeadamente aqueles setores tão fiéis ao financiamento das campanhas eleitorais (empreiteiras e banqueiros)” (ATHAYDE, 2014, p. 273).

Deste modo, no governo Dilma, podemos apontar que “o princípio organizador das políticas públicas esportivas e a pauta prioritária das ações governamentais passam a ser os Megaeventos Esportivos, cujo objetivo é projetar o país no campo esportivo, político e econômico.” (FLAUSINO, 2013, p. 143). A política esportiva no governo Dilma foi majoritariamente a continuação daquilo que foi concebido no governo Lula, cuja síntese foi o PDEL. Contudo, Dilma, diferentemente de Lula, foi em certa medida confrontacionista em relação às entidades de administração esportiva e aos clubes, haja vista estabelecer processos de democratização e transparência.