• Nenhum resultado encontrado

GOVERNO DO PT: DE LULA A DILMA

2.1 CHEGADA AO PODER DO PT

A chegada do PT e de Lula à presidência da república no Brasil em 2003 é atribuída à insatisfação com o governo FHC e à expectativa de mudanças, tanto para frações da burguesia, quanto para os trabalhadores. Assim, Lula se colocava como o candidato que promoveria grandes transformações.

Para Pinto e Gonçalves (2015) o desencadeamento de fortes crises econômicas no governo FHC foi fruto de fatores como ampliação do desemprego, das desigualdades sociais e

do aumento da vulnerabilidade externa estrutural, tendo possibilitado a vitória eleitoral do PT em 2002. Já para Oliveira (2003a), com a ampla votação em Lula na eleição de 2002 e a significativa quantidade de voto proporcional lhe deu expressiva bancada no Congresso, isto parecia ser o encerramento da Era FHC. O recado das urnas eram de que “os votos dados a Lula foram, indefectivelmente, para a promoção de mudanças no sentido oposto à estagnação em que patinou o governo FHC depois do estrondo êxito do Plano Real e da evidente deterioração do segundo mandato.” (OLIVEIRA, 2003a, p. 37).

Para Frigotto (2004, p. 97-98),

de todo modo, o elemento novo que gerou amplas expectativas de mudanças mais profundas é que pela primeira vez em nossa história assumiam o poder do Estado Nacional forças políticas cujas biografias estão vinculadas ao embate teórico e à luta ideológica por um projeto de desenvolvimento nacional popular. O Partido dos Trabalhadores (PT) que elegeu o Presidente Lula, com o apoio dos movimentos sociais e o “novo sindicalismo” representado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), fez da experiência do orçamento participativo da Prefeitura de Porto Alegre e de sua ampliação para outras prefeituras e estados governados pelo PT e outros partidos de esquerda, uma alavanca de campanha.

Diante de tanta expectativa e desejo por mudanças, “pela primeira vez na história do Brasil e das Américas um operário é eleito presidente da República. E, se acrescentarmos que é um operário combativo e dirigente de um partido que se reclama do socialismo, talvez seja a primeira vez na história universal.” (LÖWY, 2003, p. 42). Mas, a vitória de Lula não foi apenas de um indivíduo, um líder carismático, mas sim do PT, isto é, um partido que lutou contra a ditadura, lutou contra os governos neoliberais, contribuiu para criar a CUT e o MST, teve o socialismo democrático e libertário em seu programa e que conseguiu organizar milhares de trabalhadores (LÖWY, 2003). Desta forma,

esta vitória é a revanche histórica dos explorados e dos oprimidos, depois de vinte anos de ditadura militar e outros dezessete de “Nova República” neoliberal. Ou melhor, fazendo bem as contas, depois de quatrocentos anos de dominação oligárquica, nos quadros do capitalismo colonial/dependente. [...] A esperança de que um outro Brasil seja possível, onde as classes trabalhadoras, os sem-terra, os sem-teto, as mulheres, os negros, os indígenas, os desempregados, os pobres terão enfim vez e voz. A esperança de que finalmente, pela primeira vez, um governo não seja o instrumento dos privilegiados, dos exploradores, dos proprietários, dos corruptos, dos milionários. A esperança de que teremos, enfim, um governo que dê mais atenção ao combate à fome, à reforma agrária, ao fortalecimento dos serviços públicos do que às exigências das instituições financeiras internacionais. (LÖWY, 2003, p. 43).

Embora tivesse todo este anseio por mudanças colocadas sobre a eleição de Lula e do PT em 2002, para que obtivessem êxito naquela disputa foram realizadas um conjunto de

transformações políticas, além da formação de uma coalizão ampliada. O PT buscou dar à campanha presidencial de 2002 uma aparência mais amena, para arrefecer as posições de setores conservadores – frações da burguesia ligadas à indústria nacional e ao capital financeiro internacional (ATHAYDE, 2014). Houve uma alteração na imagem de Lula que estava ligada a denúncias contra a situação política e econômica, o que é uma imagem com teor negativo para grande parte do eleitorado, tendo sido criada a imagem de “Lula, paz e amor” (SADER, 2013a). Destarte, “Lula procurou apresentar-se como alguém capaz de conciliar todas as aspirações nacionais, através de negociações com todas as classes e setores sociais.” (BORGES NETO, 2003, p. 8).

Lula conseguiu ampliar sua votação à direita e ao centro, sem sofrer perdas significativas à esquerda com as estratégias de sua candidatura em 2002 (SINGER, 2009). Devido a sua ampla coalizão, Lula concorreu às eleições de 2002 coligado com um partido de direita (Partido Liberal), tendo como vice José de Alencar, um industrial, para diminuir a resistência dos empresários e ganhar apoios (BORGES NETO, 2003). Um destes apoios buscados por Lula e pelo PT foi o da FIESP, onde proferiu discursos de que seria um governo da produção contra a especulação (BOITO JÚNIOR, 2006).

No entanto, diante da possibilidade de Lula e o PT serem eleitos para presidir o país, a elite nacional e internacional passaram a orquestrar uma campanha denominada como “terrorismo eleitoral”, que levou o país a um contexto de instabilidade e insegurança, cujo objetivo era afetar àquela possibilidade de vitória eleitoral. Assim, houve reflexo direto sobre três indicadores econômicos que são vistos como parâmetro para diagnosticar a “saúde” econômica do país: o preço do dólar norte-americano; a cotação do C-Bond, título brasileiro negociado nos mercados internacionais; e o risco-país47 (PAULANI, 2008).

Como elemento importante para responder a este processo, foi lançado o documento “Carta ao Povo Brasileiro” de autoria de Lula (SILVA, 2002), em que este buscou acalmar os mercados. Neste documento, foi explicado que seria necessária uma transição entre o modelo do governo de FHC e aquilo que a sociedade almejava, sendo que um novo modelo seria fruto de uma ampla negociação nacional (SILVA, 2002). Além disso, Lula anunciou que os contratos e obrigações assumidos pelo país seriam respeitados, em uma indicação clara aos mercados de que a dívida pública interna e externa continuaria sendo paga, firmando o compromisso de combater a inflação e manter o superávit primário (SILVA, 2002). “Em

47

“De fato, essas variáveis encontravam-se, ao fim de 2002, em níveis indesejados. O dólar chegou a atingir R$ 4 (fechou o ano em R$ 3,50), a cotação do C-Bond ficou abaixo dos 50% do valor de face e o risco Brasil alcançou os 2 mil pontos” (PAULANI, 2008, p. 36).

2010, Dirceu48, em reunião com os congressistas do PT para discutir a reforma política, à época, afirmou de forma contundente: vocês não entenderam, somente ganhamos as eleições porque fizemos um acordo com o bloco no poder.” (PINTO, 2015, p. 6).

Antes de chegar à presidência do país com as eleições de 2002, o PT havia disputado outras 3 eleições nacionais – 1989, 1994 e 1998 –, tendo sido Lula seu candidato em todas elas. Embora o PT tenha sofrido derrotas durante aquelas eleições, ele construiu um colégio eleitoral consistente ao longo dos anos 1990 (ATHAYDE, 2014). Entretanto, nas quatro primeiras eleições que Lula concorreu, a principal base de apoio estava entre os eleitores dos níveis superiores de escolarização nos estados mais urbanizados e industrializados do Sul e do Sudeste, “em suma, a base social de Lula e do PT expressavam as características da esquerda em uma nação cuja metade mais pobre pendia para a direita.” (SINGER, 2009, p. 90). Portanto, Lula só conseguiu conquistar os eleitores de baixa renda depois de eleito em 2002.

Para Frigotto (2004, p. 105), “a partir da derrota por Fernando Collor de Mello, o grupo hegemônico do PT (leia-se também da CUT), que buscou viabilizar a vitória de Lula ao longo da década de 1990, foi explicitando, de forma cada vez mais clara, a opção de um partido acomodado na ordem do capital”. De acordo com Filgueiras (2015), o PT iniciou seu transformismo após a derrota para Collor nas eleições de 1989, se tornando um partido até então contra-hegemônico que passou a incorporar o ideário político da ordem, defendendo-o e operacionalizando-o, contudo mantendo um discurso retórico que lembra sua atuação passada.

Desta maneira, com o seu transformismo, Lula e o PT conseguiram se sair vitoriosos nas eleições de 2002. Muitos criaram a esperança de que o PT realizaria um governo pautado no embate à ordem, tendo em vista a trajetória de Lula e do PT até o início dos anos 1990. Todavia, muita água rolou de 1989 a 2002 e Lula e o PT já não eram mais os mesmos. Pomar (2006, p. 42) explica que as escolhas realizadas por Lula e o PT, em 2002, estavam relacionadas à trajetória do PT, sobretudo a partir de 1995, destacando três opções:

[...] pela disputa eleitoral-institucional, em detrimento da organização e mobilização social; pela ampliação das alianças, em direção aos partidos do centro e em direção a setores do grande empresariado; por um programa organizado, ao menos em tese, em torno do combate ao neoliberalismo e não mais em torno do socialismo.

Pomar (2006) avaliou que as estratégias adotadas pelo PT eram eficazes em disputas eleitorais para Presidência, mas não tinham força no combate à hegemonia neoliberal, no empoderamento da classe trabalhadora e na edificação de bases para o socialismo.

48 José Dirceu foi um dos fundadores do PT, tendo sido presidente do partido de 1995 a 2002 e Ministro-chefe da Casa Civil de 2003 a 2005.

É importante destacar que as mudanças operadas no PT estavam também associadas a um contexto mais amplo. Athayde (2014) aponta que em âmbito mundial e no plano político- ideológico houve uma série de mudanças, como a proliferação dos ideais neoliberais, a queda do Muro de Berlim e a derrocada do “socialismo real”, que foram golpes duros às entidades e organizações ligadas ao espectro da esquerda política, tendo atingido diretamente os discursos progressistas e até reformistas.

Além desse processo, a base social do PT teve impacto direto com as transformações no mundo do trabalho nos anos 1990 – reestruturação produtiva e precarização –, fazendo com que ocorresse a fragmentação e enfraquecimento da classe trabalhadora (ATHAYDE, 2014). Deste modo, como pano de fundo das estratégias adotadas por Lula e o PT para chegar à vitória em 2002, estavam: a) o reacionarismo dos setores conservadores; b) a instabilidade do mercado financeiro; c) o recrudescimento da vulnerabilidade econômica externa do país; e d) a falta de base sólida junto às camadas populares (ATHAYDE, 2014).

De acordo com Löwy (2003), Lula não era o candidato de muitos banqueiros, especuladores, investidores, agentes financeiros, diretores de multinacionais, do Wall Street Journal, do Economist, do FMI, da Reserva Federal dos Estados Unidos e das oligarquias brasileiras (grandes fazendeiros, capitalistas de direito divino, economistas neoliberais, políticos reacionários). Da eleição à posse, ampliaram os apoios a Lula e ao PT, que iam de movimentos com o MST a empresários e representantes do FMI (BORGES NETO, 2003). Portanto, forças conservadoras, externas e internas, que antes temiam a vitória de Lula, se tornaram satisfeitas (FRIGOTTO, 2004).

A expectativa de ruptura com o modelo liberal implementado no país desde o começo dos anos 1990, momento em que a trajetória ideológica e política do PT era de esquerda (PINTO; GONÇALVES, 2015), não se confirmou. Assim, “se a vitória de Lula indicava que a “esperança venceu o medo”, neste momento o sentimento do campo mais crítico é de que ‘o medo está vencendo a esperança’” (FRIGOTTO, 2004, p. 99), pois, Lula passou a implementar aquilo que estava na “Carta ao Povo Brasileiro”.

Borges Neto (2003), ao analisar a primeira composição do primeiro mandato do governo Lula, aponta que, embora a maioria dos ministros, 21 dos 35, fossem do PT, na área econômica a maioria era ligada ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e ao empresariado, o que permitiu que a área econômica estivesse relacionada diretamente a manutenção daquilo que era realizada por FHC.

O caminho adotado pelo governo Lula fez com que “no campo político partidário o sentido que foram assumindo as reformas levou a uma crescente divergência interna no PT e

partidos de esquerda, com reiteradas sanções aos parlamentares discordantes, mesmo que alegassem coerência programática [...]” (FRIGOTTO, 2004, p. 100). Tanto que ainda em 2003, houve a expulsão de uma senadora – Heloísa Helena – e três deputados federais – Luciana Genro, João Batista e João Fontes – do PT. Este processo deflagrou a formação de um novo partido, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), acarretando um artifício de fortalecimento dos interesses conservadores e anulação política da esquerda dentro do PT.