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ESTADO CAPITALISTA E ESTADO BRASILEIRO

3) integrar as classes dominadas, garantir que a ideologia da sociedade continue sendo a da classe dominante e, em consequência, que as classes exploradas aceitem

1.1.2 O Estado e sua função repressora

Mandel (1982) afirma que uma das funções do Estado é a repressão de qualquer ameaça das classes dominadas ou de frações da classe dominante ao modo de produção capitalista, sendo utilizados para isso o exército, a política, e o sistema judiciário e penitenciário. Para Lenin (2007, p. 28), esta função de reprimir é uma das principais do Estado, pois “o exército permanente e a política são os principais instrumentos do poder governamental”.

Tanto é que para Lenin (2007) as duas instituições típicas da máquina governamental são a burocracia e o exército permanente. Para Lenin (2007), o poder público do Estado não corresponde à população armada (“organização espontânea em armas”), mas a uma organização estruturada das forças armadas, com homens armados, prisões e instituições coercitivas. Isto se dá porque, como as classes são irreconciliáveis, em sua visão o armamento espontâneo da população poderia gerar uma luta armada.

Na fase do capitalismo em que Marx viveu a função repressora do Estado era muito presente, de tal forma que na sua “Crítica ao Programa de Gotha”, ele destacou a forte presença militar, haja vista o Estado burguês ser o promotor da “ditadura da burguesa”. Assim havia “[...] um despotismo militar com armação burocrática e blindagem policial, enfeitado de formas parlamentares, misturado com ingredientes feudais e, ao mesmo tempo, já influenciado pela burguesia [...]” (MARX, 2012, p. 44). Desta maneira a burguesia, embora seja composta pela minoria da população, acaba dominando a maioria, uma vez que detém a dominação econômica e política, se utilizando da repressão para manutenção do seu poder. Para que a dominação burguesa perdure é necessário crueldade, “[...] uma ferocidade extrema: são necessárias ondas de sangue através das quais a humanidade se debate na escravidão, na servidão e no salariato.” (LENIN, 2007, p. 127)

Nesse sentido, o Estado que os trabalhadores precisam é o do proletariado organizado como classe dominante, sendo que Lenin (2007) defende que o proletariado é a única classe que consegue unir todos os trabalhadores e explorados na luta contra a burguesia, resultante do seu papel econômico na grande produção. Portanto, considerando às características do Estado burguês, Marx (2012) percebia que, para chegar ao comunismo, era necessária uma transição (socialismo) em que haveria a ditadura revolucionária do proletariado32. Isto é,

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os proletários não podem apoderar-se das forças produtivas sociais senão abolindo o modo de apropriação a elas correspondente e, por conseguinte, todo modo de apropriação existente até hoje. Os proletários nada têm de seu a salvaguardar; sua missão é destruir todas as garantias e seguranças da propriedade privada até aqui existentes. [...] essa guerra explode numa revolução aberta e o proletariado estabelece sua dominação pela derrubada violenta da burguesia. (MARX; ENGELS, 2010, p. 50)

Para Marx e Engels (2010) a forma de derrubar a burguesia é tomar o Estado por um assalto, dominando-o violentamente. Este pensamento é diretamente influenciado pelo momento histórico social em que eles vivenciaram o capitalismo e a relação entre Estado e sociedade civil. Esta visão do Estado foi ratificada por Lenin (2007, p. 43), pois para ele “a substituição do Estado burguês pelo Estado proletário não é possível sem revolução violenta. A abolição do Estado proletário, isto é, a abolição de todo e qualquer Estado, só é possível pelo ‘definhamento’.”33.

Desta forma, a ditadura do proletariado é o processo em que os oprimidos se tornam classe dominante e esmagam seus opressores, dando um novo sentido à democracia que se torna a democracia do povo, havendo a restrição das liberdades dos opressores, exploradores e capitalistas, sendo necessária a repressão para libertar a humanidade da escravidão assalariada (LENIN, 2007). De tal modo, Lenin (2007, p. 49, grifos do autor) aprofunda esta ideia dizendo que

o proletariado precisa do poder político, da organização centralizada da força, da organização da violência, para reprimir a resistência dos exploradores e dirigir a massa enorme da população – os camponeses, a pequena burguesia, os semiproletários – na “edificação” da economia socialista.

Contudo, não basta apenas as classes oprimidas tomarem o Estado. Marx e Engels (2010, p. 72) – na única correção ao Manifesto Comunista no prefácio à edição alemã em 1872 - perceberam com a Comuna de Paris que “não basta que a classe trabalhadora se apodere da máquina estatal para fazê-la servir a seus próprios fins”. Em relação a isso, Lenin (2007, p. 63, grifos do autor) aponta que “a idéia de Marx é que a classe operária deve

quebrar, destruir a “máquina do Estado", não se limitando apenas a assenhorear-se dela.”,

isto é, quebrar a máquina burocrática e militar do Estado.

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“A expressão "o Estado definha" é muito feliz por que exprime ao mesmo tempo a lentidão do processo e a sua espontaneidade. Só o hábito é que pode produzir esse fenômeno, e sem dúvida há de produzi-lo. Já vemos, em torno de nós, com que facilidade os homens se habituam a observar as regras indispensáveis da vida social, contanto que nelas não haja exploração, e que não havendo nada que provoque a indignação, o protesto, a revolta, nada necessite de repressão.” (LENIN, 2007, p. 126-127, grifos do autor)

De acordo com Lenin (2007), no processo de transição do capitalismo ao comunismo seria necessária a repressão, havendo um Estado transitório que reprimiria as tentativas da minoria de exploradores que tentasse voltar a dominar a maioria antes explorada. Contudo, com a democracia34 começaria a desaparecer a necessidade de um aparelho especial de coação – o Estado passaria a definhar – podendo os exploradores serem coagidos pela simples

organização armada das massas35, conforme entendia Lenin (2007). Desta forma, “o Estado

morre na medida em que não há mais capitalistas, em que não há mais classes e em que, por conseguinte, não há mais necessidade de esmagar nenhuma classe.” (LENIN, 2007, p. 133), ou seja, haveria supressão de toda violência organizada e sistemática, não havendo uma coação sobre os homens em geral.

No socialismo ainda restaria o "direito burguês" que consagra o “direito igual”, em que cada sujeito receberia de acordo com o que oferece para a sociedade, ou mais propriamente, a quantidade de bens para a reprodução dos sujeitos estaria de acordo com a quantidade de trabalho que estes realizam, independente das individualidades (MARX, 2012; LENIN, 2007). É como se houvesse uma troca de equivalentes do trabalho, onde a quantidade de trabalho que o trabalhador oferta sob uma forma, é recebida por ele na mesma quantidade sob outra forma. Além disso, como os trabalhadores são diferentes, um é casado e outro não, uns tem mais filhos que outros etc., Marx (2012) defende que o direito deveria ser desigual.

No comunismo como não haveria mais classes – distinção entre membros da sociedade em relação a produção – já não haveria necessidade do Estado, podendo se falar em liberdade. Assim, o “direito burguês” não se faria mais presente, realizando a sociedade o seguinte princípio: “De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades!” (MARX, 2012, p. 31-32). Desta forma terá sido eliminada a subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho, o trabalho será a primeira necessidade vital – e não apenas um meio de vida –, haverá o desenvolvimento multifacetado dos indivíduos e as forças produtivas crescerão e serão fontes de riqueza coletiva em abundância (MARX, 2012). Todo

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Lenin (2007, p. 127) diferencia a democracia no capitalismo, no socialismo e no comunismo: “Assim, pois, a sociedade capitalista não nos oferece senão uma democracia mutilada, miserável, falsificada, uma democracia só para os ricos, para a minoria. A ditadura do proletariado, período de transição para o comunismo, instituirá pela primeira vez uma democracia para o povo, para a maioria, esmagando ao mesmo tempo, impiedosamente, a atividade da minoria, dos exploradores. Só o comunismo está em condições de realizar uma democracia realmente perfeita, e, quanto mais perfeita for, mais depressa se tornará supérflua e por si mesma se eliminará”.

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Lenin (2007, p. 128, grifos do autor) responde uma questão importante, ou seja, já que não haveria um aparelho especial de coação, como seria resolvido a ocorrência de um crime? “Não somos utopistas e não negamos, de forma alguma, a possibilidade e a fatalidade de certos excessos individuais, como não negamos a necessidade de reprimir esses excessos. Mas, em primeiro lugar, não há para isso necessidade de um aparelho especial de pressão; o povo armado, por si mesmo, se encarregará dessa tarefa, tão simplesmente, tão facilmente, como uma multidão civilizada, na sociedade atual, aparta uma briga ou se opõe a um estupro”.

este processo faria com que todos trabalhassem voluntariamente conforme suas capacidades, recebendo de acordo com suas necessidades.

É interessante que Lenin (2007, p. 59, grifos do autor) diz que “só é marxista aquele que estende o reconhecimento da luta de classes ao reconhecimento da ditadura do

proletariado”. Entretanto, analisando do momento em que ele escreve aos dias de hoje,

reconhecemos que houve transformações no Estado e na sociedade civil, fazendo com que as estratégias e análises sobre o Estado se desenvolvessem e acompanhassem as referidas mudanças. Veremos adiante, com o auxílio das reflexões de Gramsci, que a visão ampliada do Estado fez com que algumas estratégias políticas precisassem ser modificadas.