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CONFIGURAÇÃO DO FINANCIAMENTO E GASTO COM ESPORTE NOS GOVERNOS LULA E DILMA

3.2 FONTES DE FINANCIAMENTO DO ESPORTE E A MATRIZ DE FINANCIAMENTO DO ESPORTE

3.2.1 Fontes de recursos orçamentários do esporte

Antes de analisar especificamente as fontes de recursos orçamentários para o esporte, é preciso deixar claro que o orçamento público é a expressão mais visível do fundo público (SALVADOR, 2012b). É o orçamento público “[...] que garante concretude à ação planejada do Estado e espelha as prioridades das políticas públicas que serão priorizadas pelo governo.” (SALVADOR, 2012a, p. 124). Assim, ele é importante para o planejamento e definição das prioridades governamentais para a concretização das funções do Estado – garantia das condições gerais de produção, integração e repressão (MANDEL, 1982).

Desta forma, o orçamento público está para além de uma questão meramente técnica, sendo uma peça de cunho político, pois reflete “[...] a correlação de forças sociais e os interesses envolvidos na apropriação dos recursos públicos, bem como a definição de quem vai arcar com o ônus do financiamento dos gastos orçamentários.” (SALVADOR, 2012b, p. 8). Devido a isso, o momento de estabelecimento do orçamento público é um espaço de luta e disputa política sobre os diversos interesses quanto ao fundo público (SALVADOR, 2010a). Ao ser definido o orçamento público, é possível identificar que classe está com o ônus da tributação, bem como com mais benefício do gasto (SALVADOR, 2012a).

A execução orçamentária no Estado brasileiro se dá pela interação entre os poderes Legislativo e Executivo. A elaboração é realizada pelo Poder Executivo, que define o direcionamento do orçamento a partir dos programas de governo. O Poder Legislativo tem a obrigação de avaliar o orçamento, podendo aprová-lo, rejeitá-lo ou modificá-lo. Contudo, este processo se desenvolve permeado de influências das classes e frações de classe presentes no Estado (ATHAYDE; MASCARENHAS; SALVADOR, 2015).

No que tange aos recursos que efetivamente entram no orçamento público, podem ser classificados em dois grupos: a) Receitas correntes – tributária; de contribuições; patrimonial; agropecuária; industrial; de serviços e outras; e b) Receitas de capital – oriundas da constituição de dívidas; da amortização de empréstimos; da conversão em espécie, de bens e direitos; e do superávit do orçamento corrente e outras. A partir de dados de 2013 sobre as receitas da União e Orçamento Fiscal e da Seguridade Social (OFSS), a arrecadação de receitas correntes se deu com contribuições (R$ 642 bilhões; 44,65%)109, tributos (R$ 376 bilhões; 26,13%) e outras (R$ 201 bilhões; 13,96%), dessarte 70,78% do OFSS se dá com os dois primeiros elementos, tributos e contribuições (SALVADOR; TEIXEIRA, 2014). Já as

receitas de capital – recursos financeiros com origem na constituição de dívidas – representaram em 2013, R$ 220 bilhões (15,26%).

Conforme discutido nos capítulos 1 e 2, a carga tributária brasileira é regressiva, em que o ônus fica mais com os trabalhadores e as classes mais pobres, fato que se dá por aproximadamente metade da arrecadação ser proveniente de tributos que incidem sobre bens e serviços, havendo uma baixa tributação sobre renda e patrimônio. A regressividade da carga tributária brasileira afeta diretamente o esporte, pois ele acaba sendo financiado em grande parte pelas classes de menor poder aquisitivo.

Conforme apontamos no Quadro 2, as fontes orçamentárias para o esporte são os recursos ordinários para a função “Desporto e Lazer”, as contribuições sobre concursos prognósticos e loterias para função “Desporto e Lazer”, outros recursos orçamentários para a função “Desporto e Lazer”, e recursos ordinários e de outras fontes de recursos do orçamento federal de distintas funções para as subfunções vinculadas ao esporte. É preciso ir para além de apontar que os recursos são orçamentários, sendo necessário diferenciá-los para identificar especificamente de onde vem, ou seja, definir os diferentes tipos de tributos que compõem o gasto orçamentário. O SIGA Brasil dispõe de dados que possibilitam realizar este processo, como pode ser visto na Tabela 16.

A partir do tipo de tributo é possível definir qual classe está com o ônus da tributação, sendo essencial ao longo das fontes de financiamento identificar o tipo de tributo. Os tributos podem onerar os trabalhadores ou o capital, e, em alguns casos, podem trazer vantagens a um ou a outro. Identificar o tipo de tributo é possível nos recursos orçamentários e nos gastos tributários.

No período de tempo de 2004 a 2015, a maior parte dos recursos para o esporte foram orçamentários, sendo, portanto, os mais visíveis, pois representaram o maior volume de recursos e são os que há mais facilidade para ter acesso – há maior transparência deles em relação aos gastos extraorçamentários e tributários no âmbito do esporte.

A base legal dos recursos do orçamento federal é a Portaria nº 42/1999110 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) que estabelece a classificação funcional-programática. Em seu artigo 1º é estabelecido que as funções são o maior nível de agregação das diversas áreas de despesa que competem ao setor público, bem como as subfunções, que representam parte das funções na busca por agregar um conjunto de despesas públicas, sendo que as subfunções podem ser combinadas com funções diferentes.

110 Disponível em http://www3.tesouro.gov.br/legislacao/download/contabilidade/portaria42.pdf. Acesso em 06/06/2016.

Tabela 16 - Distribuição das fontes de recursos orçamentários para o esporte – Série 2004-2015 (valores deflacionados pelo IGP-DI a preços de 2015 em milhões R$ e %) Fonte/Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Total % 1. Recursos provenientes de impostos 401,39 729,22 1.124,54 2191,22 1.398,35 1.673,39 2.125,33 2.003,10 481,33 513,37 885,27 591,64 14.118,15 85,643 1.1. Recursos ordinários 401,39 693,78 1.094,71 2.191,22 1.397,53 1.664,15 2.125,33 2.003,10 481,33 513,37 885,27 591,64 14.042,84 85,187 1.2. Recursos destinados à MDE 0,00 35,43 29,83 0,00 0,81 9,24 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 75,31 0,457 2. Contribuições sociais 151,12 93,41 205,97 252,51 190,60 128,94 93,67 884,85 73,05 70,12 77,09 123,12 2.344,44 14,222 2.1. Concursos prognósticos 150,99 93,41 200,70 250,83 190,17 128,94 93,67 225,90 73,05 70,12 77,09 123,12 1.677,99 10,179 2.2. Salário- Educação 0,00 0,00 5,27 1,68 0,00 0,00 0,00 658,94 0,00 0,00 0,00 0,00 665,89 4,039 2.3. CSLL 0,00 0,00 0,00 0,00 0,43 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,43 0,003 2.4. Outras 0,13 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,13 0,001 3. Outras fontes 0,00 0,00 0,00 0,00 1,64 6,56 0,00 13,59 0,00 0,00 0,00 0,42 22,22 0,135 3.1. Remuneração das disponibilidade s do Tesouro Nacional 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 13,59 0,00 0,00 0,00 0,42 14,01 0,085 3.2. Doações privadas 0,00 0,00 0,00 0,00 1,64 6,56 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 8,20 0,050 Total 552,50 822,63 1.330,51 2.443,72 1.590,59 1.808,89 2.219,00 2901,54 554,39 583,49 962,37 715,19 16.484,81 100,000

No âmbito do esporte, há a função “Desporto e Lazer” que é uma rubrica que agrega o esporte e o lazer. Além disso, há três subfunções “Desporto de Rendimento”, “Desporto Comunitário” e “Lazer”, que podem ser combinadas com outras funções – isto aconteceu no período analisado, conforme discutiremos a seguir. A base desta portaria supracitada é a Lei no 4.320/1964111 – instituiu normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal – e a Lei nº 9.649/1998112, alterada pela MP no 2.216-37/2001113 – ambas dispõem sobre a Presidência da República e os Ministérios.

Os recursos ordinários – impostos em geral – são provenientes de impostos federais, especificamente o Imposto de Renda e o IPI, além dos recursos desvinculados das Contribuições Sociais (SALVADOR, 2012a). Os recursos ordinários do orçamento para a função “Desporto e Lazer” representaram 40,89% (12,14 bilhões) de todo o recurso para esporte ao longo do período em análise, sendo a subfonte que apresenta maior quantidade de recursos (vide Gráfico 3).

Como pode ser observado na Tabela 16, 85,19% (R$ 14,04 bilhões) dos recursos orçamentários do esporte foram provenientes de recursos ordinários, tendo por base o período de 2004 a 2015. O ano que houve menor volume de recursos ordinários para o setor (R$ 401,39 milhões) foi 2004, enquanto em 2007, o volume foi de R$ 2,19 bilhões, valor 5,46 vezes aquele. Desta forma, fica clara a falta de regularidade de recursos ordinários do orçamento para o esporte.

A composição dos recursos ordinários é formada por IR que é uma tributação direta incidente sobre renda, tendo um potencial para ser progressiva. Contudo a realidade é que há uma tributação maior sobre a renda do trabalhado em comparação com a do capital. Exemplo disso é que, enquanto as alíquotas de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) são quatro (7,5%, 15,0%, 22,5% e 27,5%)114, os rendimentos de capital têm alíquotas que variam de 0,005% a 22,5%, conforme o prazo e o tipo de aplicação (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2016), assim há privilégio dos rentistas em detrimento dos trabalhadores. A composição dos recursos ordinários também se dá com o IPI, que é um tributo indireto que apresenta um caráter regressivo, onerando mais a população com menor poder aquisitivo.

111 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4320.htm#anexo. Acesso em 23/06/2016. 112 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9649cons.htm. Acesso em: 23/06/2016. 113 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2216-37.htm#art1. Acesso em: 23/06/2016. 114 Estas alíquotas passaram a vigorar a partir do ano-calendário de 2009, pois anteriormente eram apenas duas alíquotas: 15% e 27,5% (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2016).

Ademais, nos recursos ordinários há fundos de DRU que fazem com que sejam retirados recursos de setores que tem vinculação para alocar em recursos ordinários. Entretanto, os recursos desvinculados tem sido muito mais um mecanismo para redirecionar valores para o superávit primário e pagamento de juros da dívida pública, do que para atender outras áreas. De 1994 a 2006 foram cerca de R$ 72 bilhões – valores corrigidos pela inflação – desvinculados da educação (SALVADOR, 2012a).

Conforme aponta Mascarenhas (2016a), a classificação institucional é a mais antiga das classificações das despesas orçamentárias, sendo sua finalidade deixar claro o órgão responsável pela execução da despesa. Dos recursos orçamentários para o esporte, 85,74% estiveram alocados no ME e 14,26% em outras unidades orçamentárias – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente (FNCA), MD e Ministério da Cultura (MINC). Estas unidades orçamentárias estão ligadas, respectivamente, às quatro seguintes funções: Educação, Direitos da Cidadania, Defesa Nacional e Cultura.

A partir de 2011, os recursos orçamentários para a função “Desporto e Lazer” passaram a ser compartilhados entre o ME e a APO (Autoridade Pública Olímpica), que passou a dividir com o ME as ações relativas à organização dos Jogos Rio 2016, sendo uma autarquia vinculada a ele. Portanto, embora seja outra unidade orçamentária, estamos considerando como parte do ME os recursos que foram direcionados para APO.

No que tange às contribuições sobre concursos prognósticos e loterias no orçamento, a base legal é formada pela:

a) Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), que estabelece em seu artigo 6º e 8º que são recursos do ME: receitas de concursos prognóstico previstos em lei; 4,5% sobre cada bilhete de concurso prognóstico – deste percentual, 1/3 deve ser repassado às Secretarias de Esporte dos Estados e do Distrito Federal; doações, legados e patrocínios; 10% da loteria esportiva; prêmios de concursos prognóstico da loteria esportivo federal não reclamados; e 10% do montante arrecadado por loteria instantânea exclusiva com tema de marcas, emblemas, hinos, símbolos, escudos e similares relativos às entidades de prática desportiva da modalidade futebol, implementada em meio físico ou virtual, sujeita a autorização federal – este último item foi incluído pela Lei nº 13.155/2015115.

115 Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13155.htm. Acesso em: 23/06/2016.