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Antecedentes escolares: um passado escolar diferenciado

4 OS EGRESSOS DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPE: ALGUMAS

4.1 O acesso ao ensino superior e os antecedentes escolares

4.1.2 Antecedentes escolares: um passado escolar diferenciado

Ao discorrer sobre as transformações na conjuntura econômica, derivada boa parte do processo de reestruturação produtiva, Baudelot (2004) mostra como as titulações e capacitações tornaram-se elementos essenciais para aferir as competências dos indivíduos no momento de conquistar seu espaço na sociedade. De acordo com o autor, se a escola até pouco tempo era considerada uma instituição que possibilitava ascender socialmente, pois, a cada pessoa é atribuído um valor a partir de suas credenciais escolares, com o aumento do desemprego a ideia de que somente as pessoas “bem capacitadas e/ou bem treinadas” teriam mais chance de alcançar uma vaga de trabalho em detrimento daquelas que não estão “qualificadas” ganhou uma intensidade nunca antes vista, pois, como uma garantia de ingresso no mercado de trabalho e, portanto, a oportunidade de vislumbrar uma posição social mais elevada, o investimento na escolarização dos filhos é percebido pelas famílias como uma via de assegurar à nova geração uma melhor condição de vida.

A pesquisa de Nogueira (2006) sobre a relação família e escola corrobora com os apontamentos de Baudelot (2004). A autora ressalta que o desejo de investir no processo de escolarização independe de classe social, pois, em sua grande maioria, a sociedade compartilha dos mesmos valores morais quanto à profissionalização dos filhos. Assim, tanto a mobilidade educacional quanto o destino ocupacional dos filhos são preocupações presentes nos diversos grupos familiares.

Nessa perspectiva, os projetos de escolarização tornaram-se projetos familiares. Se tal comportamento até pouco tempo era privilégio das camadas médias e altas, com a atual conjuntura econômica, parte das camadas populares passou também a adotar postura similar. Esse parece ser o caso dos egressos de Pedagogia: dos 12 entrevistados, apenas quatro conciliaram estudo e trabalho ao longo do ensino médio. Além disso, sete são oriundos de escolas privadas, o que demonstra o investimento educacional por parte das famílias dos egressos, mesmo entre aquelas cujos pais não possuem ensino superior e exercem profissões manuais e de baixo prestígio econômico e social.

Assim, as dificuldades e prejuízos apontados por Vargas e Paula (2013) para o conjunto de estudantes que precisam conciliar estudo e trabalho parecem não fazer parte da realidade desses egressos. Ao contrário do que as autoras mostram em suas pesquisas, como,

por exemplo, a relação entre a evasão escolar precoce, trabalho e estudo, esses estudantes nunca foram prejudicados em suas trajetórias escolares por precisar trabalhar e estudar ao mesmo tempo.

Paulo, coordenador educacional na ONG Etapas, filho de pais com ensino superior, nunca precisou conciliar trabalho e estudo ao longo do ensino médio. De acordo com o egresso, sua mãe nunca hesitou em pagar os melhores colégios, sobretudo, quando passou a apresentar um desempenho escolar abaixo da média. Paulo concluiu seu ensino básico no tradicional colégio católico Nóbrega, localizado no bairro da Boa Vista, no centro do Recife:

“Eu sempre estudei em escola particular, minha mãe pagando. Eu era o único que a minha mãe pagava, pois meus outros irmãos faziam a seleção e ficavam entre os melhores na seleção e ela não precisava pagar [...] Eu nunca fui um bom aluno. Sempre foi muito tortuoso estudar. Nunca foi muito legal, eu nunca me adaptava. (Entrevista realizada com Paulo em maio de 2017, conforme pesquisa de campo.)

Já Roberto, bancário e estudante de mestrado em Educação, mostra o quão importante foi o investimento escolar realizado por sua família. Filho de pais com ensino médio, o egresso contou com o incentivo e a ajuda financeira de sua tia materna, formada no curso de Direito, para finalizar seu ensino básico no renomado e caro colégio dos irmãos Salesianos, no cento da cidade do Recife:

“O ensino médio foi numa escola privada em um colégio caríssimo, Salesiano. [...] Minha tia era quem pagava, a irmã da minha mãe que é delegada federal. [...] Então, eu sei ( ...) que estudava em um colégio com uma realidade muito diferente”. (Entrevista realizada com Roberto em maio de 2017, conforme pesquisa de campo.)

Rosália, ao contrário de Paulo e Roberto, vem de uma família com baixo volume de capital cultural e econômico. Nem seus pais, nem seus parentes mais próximos frequentaram uma universidade. Graças à rede de sociabilidade que sua família mobilizou junto às instituições católicas, a egressa pôde estudar em escolas particulares. Natural de Garanhuns, Rosália relata que, ao chegar a Recife, sua mãe a matriculou no Colégio Imaculada Conceição, colégio de freiras, localizado no bairro do Barro. Seu ensino médio foi realizado no antigo e extinto Colégio e Curso União, fato que contrariava suas tias maternas, todas evangélicas, que haviam sugerido o colégio Agnes:

“Eu sou de Garanhuns. Quando eu vim para cá, para Recife, eu tinha 12 anos. [...] Aí eu fui estudar no Colégio Imaculada Conceição, que é um colégio de freira aqui no Barro. Eu estudei lá dois anos [...] Lá só tinha até a oitava série, então, foi quando eu saí de lá para fazer ensino médio no Colégio e Curso União, que não existe mais. Lá era também um colégio particular. As minhas tias, que também eram as tias da minha mãe, queriam que eu fosse estudar no Colégio Agnes, porque é um Colégio Evangélico, mas eu disse logo a minha mãe: 'eu não quero estudar lá', porque eu já tinha tido uma experiência no colégio de freira e eu não queria mais ir para o colégio evangélico ou para outro colégio religioso, não”. (Entrevista realizada com Rosália em maio de 2017, conforme pesquisa de campo.)

Assim como Rosália, filhas de pais com baixa escolarização, Suzana, professora concursada da rede municipal de Recife, também nunca conciliou estudo e trabalho. Sua mãe, embora analfabeta, sempre a incentivou nos estudos, chegando a proibi-la de trabalhar durante e após o ensino médio:

“Sempre estudei, minha vida toda, em escola pública. [...] Eu pensei em trabalhar, mas aí mainha disse: 'não! vá trabalhar, não! vá fazer o

Magistério (quando acabasse o ensino médio), porque aí tu tens uma profissão melhor'”. (Entrevista realizada com Suzana em março de 2017,

conforme pesquisa de campo.)

Quando passamos para a análise dos egressos que precisaram, em algum momento de suas trajetórias escolares, trabalhar, observamos que as atividades remuneradas por eles realizadas sempre giraram em torno do universo educacional. Ao contrário de boa parte dos jovens estudantes brasileiros, que necessitam estudar e trabalhar (VARGAS e PAULA, 2013), os egressos entrevistados que não puderam dispensar a necessidade de trabalhar davam aula particular de reforço.

Anny, uma das poucas a conciliar trabalho e estudo, é hoje professora na Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE. A egressa sempre estudou em escolas da rede privada. Entretanto, após problemas financeiros na família, a ex-estudante precisou trabalhar quando cursava o terceiro ano do ensino médio para ajudar nas despesas familiares. Anny, além de dar aulas de reforço para crianças do ensino fundamental, também ministrou aulas particulares para estudantes do ensino médio que se preparavam para o vestibular:

"Eu dava aula particular de reforço à criança, veja só a graça. Eu fazia isso quando eu estava no terceiro ano, porque a situação lá em casa já estava

ficando apertada. E também [...] dava aula particular. Na metade do terceiro ano, eu dava aula de reforço para duas crianças, todos os dias [...]”. (Entrevista realizada com Anny em maio de 2017, conforme pesquisa de campo.)