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Entre o provável e o possível: o que pensam os egressos sobre suas ocupações

4 OS EGRESSOS DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPE: ALGUMAS

4.6 Entre o provável e o possível: o que pensam os egressos sobre suas ocupações

Quando questionados sobre o grau de satisfação com as atividades que realizam hoje, os egressos dividem-se em dois conjuntos: aqueles que se dizem plenamente realizados com o que faz e aqueles que não veem sentido no que fazem, sobretudo, quando não conseguem vincular o fato de terem realizado estudos superiores e estarem atuando fora da área de formação. Assim, os egressos que atuam em áreas relacionadas ao universo da educação são aqueles que se dizem realizados profissionalmente. Nesse caso, a realização passa pela capacidade que parte desses egressos tem em vincular os saberes apreendidos nas diferentes instâncias de socialização durante o curso e seu cotidiano profissional. Além disso, os depoimentos dos egressos apontam como as instâncias em que desenvolvem suas atividades também são balizadoras para compreender suas práticas profissionais e os sentidos que atribuem.

O depoimento de Lúcia revela que, mesmo atuando como secretária em uma escola pública em Ipojuca/PE, concurso que fez logo após a conclusão do curso e concomitante à realização do mestrado em Educação, é possível realizar um trabalho não “tão burocrático”, graças aos conhecimentos que mobiliza enquanto militante de movimentos sociais e a experiência diária:

“O meu trabalho está dentro do esperado, porque é na minha área, na área de Educação. [...] Quando a gente pensa em secretaria, a gente pensa logo que não tem nenhum foco no curso de Pedagogia. Então, eu achava que seria muito burocrático, e eu pensava: 'Será que eu vou me identificar com isso?'. Mas nada como a experiência para trazer outra visão. A equipe com quem eu trabalho é muito humana no trato com as pessoas, na forma como um ajuda o outro. Então, eu percebi que a secretaria também é um lugar de educação. Então, hoje, para mim, faz sentido a secretaria não ser só um lugar de

burocracia, um lugar de assinar documentos. Lá, a gente também tem contato com as famílias, a gente conversa, a gente orienta, a gente faz um trabalho que eu não esperava que ia fazer. Então, eu me identifiquei com o trabalho, lá não era só o que eu achava que poderia ser. Mas, é além do que eu achava, e foi bom para mim. Tem sido bom para mim”. (Entrevista realizada com Lúcia em maio de 2017, conforme pesquisa de campo.)

Chama a nossa atenção, no entanto, que o grau de satisfação dos entrevistados com suas ocupações não está necessariamente associado ao fator renda, mesmo que essa apareça como fundamental para egressos de outras áreas do saber de (BRAGA, 2008). Sentimentos de admiração e de responsabilização pelos destinos do mundo, para além de um compromisso social, são alguns aspectos apontados pelos egressos quando questionados sobre o que pensam sobre suas ocupações. Paulo, fundador do D.A e do Coletivo Além do Arco-íris durante a graduação de Pedagogia, fala com entusiasmo da atividade que desenvolve atualmente enquanto coordenador de projetos educacionais na ONG Etapas:

"Por conta do meu pai, o marxismo sempre foi uma coisa discutida em casa. Por mais que meu pai não tivesse se envolvido diretamente com a política, fazendo panfletagem nem pedindo voto para ninguém, ele gostava dessa discussão política, de pensar estrategicamente as coisas. [...] Então, trabalhar com educação popular, trabalhar com articulação política dos mais variados setores. Tá fazendo incidência política com poder público, discutir política e tá fazendo essa ponte entre o Estado e a população da periferia... é esse o trabalho que eu faço hoje. Hoje, olhando para o futuro, é isso que eu quero fazer para o resto da minha vida. É o que me faz feliz. É cansativo, tem zilhões de problemáticas, mas é o que eu quero fazer e é o que me faz feliz. É o que eu quero continuar fazendo". (Entrevista realizada com Paulo em maio de 2017, conforme pesquisa de campo.)

Embora a noção de habitus permita compreender que as apostas e os investimentos feitos pelos egressos ao longo de suas trajetórias não são aleatórios, os sentidos dados pelos egressos, a ocupação que exercem, não obedecem a uma lógica linear. Pelo contrário, os depoimentos dos entrevistados mostram que tanto a satisfação quanto à identificação profissional dos egressos são forjadas em função daquilo que aparece como possível diante das condições objetivas de suas vidas (Bourdieu, 2011). O relato da ex-aluna é esclarecedor do peso das necessidades imediatas que determinaram sua escolha pelo Magistério, ainda no nível médio, e como os diferentes espaços que circulou durante a sua formação inicial foram modeladores de sua visão sobre a profissão que exerce atualmente:

“Quando eu comecei o Magistério, eu não queria ser professora. Minha mãe dizia que eu precisaria ter uma profissão logo eu fizesse o Magistério. Mas depois que comecei o curso, eu fui começando a fazer os estágios, a gente foi visitando as escolas, eu fui tendo experiência com outras professoras. Então, assim, o que eu faço hoje está dentro do que eu esperava. Eu sempre quis ser professora. Hoje eu estou trabalhando em sala de aula [...] Eu gosto disso”. (Entrevista realizada com Suzana em

março de 2017, conforme pesquisa de campo.)

Já os relatos de Márcia e de Carla mostram uma outra faceta das condições reais de inserção profissional dos egressos de Pedagogia e, por consequência, as visões que têm sobre o que fazem. Apesar de exercerem atividades relacionadas ao universo educacional, as ex- alunas não escondem a frustração diante da dificuldade que tiveram em obter um emprego como professoras. Quando indagada sobre sua satisfação com o trabalho que realiza, a egressa Marcia não esconde sua “revolta” em estar exercendo uma função em que raramente consegue mobilizar os conhecimentos que obteve durante a formação inicial:

“Não... O primeiro concurso que apareceu eu fiz, que foi Auxiliar de Desenvolvimento Infantil, ADI, na Prefeitura. Passei e estou na área e na esperança de ter um emprego na minha área, né? De licenciatura, como pedagoga, ensinar. [...] Eu faço atividade pedagógica e aplico um pouco o que aprendi, mas, às vezes, dá um pouco de revolta, porque eu tô fazendo uma coisa que não é do meu cargo. Era para ter realmente um professor para eu auxiliar”. (Entrevista realizada com Márcia em março de 2017, conforme pesquisa de campo.)

O descompasso entre a formação e a prática profissional avançado pelos egressos para explicitar seu grau de insatisfação em relação as suas ocupações é constatado nas diferentes pesquisas sobre os egressos universitários e o mercado de trabalho (Braga, 2008; Câmara e Santos, 2010) De uma maneira geral, os estudos apontam que o crescimento do número de portadores de diploma de Pedagogia aconteceu de forma mais rápida do que o crescimento do número de posições às quais esses diplomas conduziam outrora, levando parte dos egressos universitários a procurar empregos em áreas diferentes de suas formações ou em espaços de menor prestígio social e econômico.

No caso da Região Metropolitana do Recife, nos últimos cinco anos, apenas três editais foram publicados para exercer a função de professor das séries iniciais: o primeiro, publicado pela Prefeitura do Recife, em 2012; o segundo, pela Prefeitura de Jaboatão dos

Guararapes, em 2015; e último, pela Prefeitura de Paulista, em 2016. Soma-se a isso o fato de que a inserção em instituições privadas no mercado escolar está fortemente condicionada ao volume de capital social que cada egresso constituiu ao longo de sua trajetória universitária, durante a realização dos estágios extracurriculares. Do contrário, o acesso à sala de aula vai depender, praticamente, dos investimentos públicos na área de educação.

O relato de Carla, assim como o de Márcia, é revelador dessa situação. Apesar de ser responsável pelo treinamento do pessoal de uma empresa de Call Center, situação que permite à ex-aluna “ensinar”, a egressa relata os percalços enfrentados para obter tal emprego, ao mesmo tempo em que é enfática ao afirmar que preferiria estar ensinando em uma escola:

“Eu gostaria que fosse diferente! Eu gostaria de estar mesmo na escola, que acho que foi para isso que estudei tanto tempo, para estar dentro da escola, focada ali. Independentemente de ser professora dos anos iniciais, que eu sei que é trabalhoso, dos anos finais lá do ensino fundamental I, se fosse para estar na secretaria, numa coordenação, numa gestão, eu queria estar dentro da escola! Claro que, atualmente, no panorama que a gente está, a gente não tem muita opção para escolher, porque a maioria das escolas de grande porte é por indicação. Concurso público não está com tanta intensidade o quanto tinha na outra gestão. [...] Então, eu fico um pouco satisfeita porque eu sei que eu tô ensinando, mas não plenamente[...]. Eu queria estar dentro da escola!”. (Entrevista realizada com Carla em março de 2017, conforme pesquisa de campo).

Kátia, por sua vez, relata os sentimentos de choque, inadequação e solidão que vivenciou durante sua atuação num projeto social na ONG em que trabalhou durante quatro anos. As distâncias entre a realidade social, proporcionada pelo campo de atuação, e aquela durante os anos de graduação, levaram a egressa a abandonar por completo seu trabalho. Atualmente desempregada, a ex-aluna relata as dificuldades associadas às suas práticas profissionais, sua intenção de trabalhar com educação formal, na área administrativa:

“O trabalho que eu exerci após a formatura, eu acredito que estava dentro do esperado, mas eu acho que eu não tive um bom resultado, né? [...] Os projetos sociais sempre me chamaram a atenção, porque eu acho que a gente tem uma liberdade maior de trabalhar no desenvolvimento da criança, sem as burocracias do sistema, sem aquilo de 'preenche aqui, faz plano de aula, relatório.[...]'. Mas as experiências trazem algumas consequências para a vida da gente, algumas marcas, como esse trabalho que eu desenvolvi lá no sertão. Eu vi uma realidade bem difícil. O trabalho em si era difícil. Então, eu me via meio sufocada com tudo, com a própria realidade de lá. Com o

cuidado com a criança, com a educação, né? Eu acho que eu fiquei meio em choque. Porque você termina contribuindo individualmente, mas não com o todo, com o sistema, com a maneira como as coisas acontecem. [...] Algumas crianças de maneira particular, eu podia ajudar, eu podia influenciar, mas quando eu pensava no todo, no trabalho de turmas, as coisas do projeto, de uma forma geral, não. [...] Eu terminei esse trabalho em dezembro de 2016. Então, agora eu voltei e estou tentando de novo me inserir dentro da área. Eu gostaria de estar mais na parte de administração, na parte mais pedagógica, porque eu não gostaria de trabalhar com fundamental I.”. (Entrevista realizada com Kátia em março de 2017, conforme pesquisa de campo.)

Assim, conforme podemos perceber pelo relato acima, além dos enfrentamentos em função das dificuldades de obter vagas e cargos relacionados à área de formação, o deslocamento provocado pela mudança dos espaços sociais também se constitui em elementos decisivos para os sentidos que os egressos atribuem às suas ocupações.