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Ingresso na Universidade e escolha do curso de Pedagogia

4 OS EGRESSOS DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPE: ALGUMAS

4.2 Ingresso na Universidade e escolha do curso de Pedagogia

De uma maneira geral, observamos que as famílias dos egressos analisados na presente pesquisa não hesitaram em apostar na escolarização de seus filhos. No entanto, conforme constata Nogueira (2003), a decisão pelo ensino superior entre os estudantes provenientes das camadas médias intelectualizadas e aqueles oriundos de camadas menos privilegiadas é vivenciada de maneira bastante diferente. Enquanto que, para os primeiros, o ingresso na universidade tem uma conotação de quase “uma evidência”, um acontecimento inevitável, para os demais, a passagem do ensino médio para o superior nada tem de “natural”. Isso porque boa parte desses estudantes não tem, praticamente, nenhum tipo de informação sobre vestibular e formação universitária.

Os depoimentos que seguem na sequência revelam o quão o volume do capital informacional (diretamente relacionado com o capital cultural familiar) fez diferença na maneira pela qual esses estudantes ingressaram num curso superior e também por que optaram pela Pedagogia.

O caso de Rebeca é bastante ilustrativo do conjunto de estudantes que desde crianças conviveram com familiares (pais, tias e tios) professores e donos de estabelecimentos escolares. Filha de proprietários de uma escola de idiomas, a egressa sempre estudou em escolas particulares, chegando a realizar um intercâmbio nos Estados Unidos ainda adolescente. Sua escolha pelo curso de Pedagogia foi fortemente influenciada pelas informações de seu tio, professor, sobre a vivência em universidades. De acordo com seu tio, o curso de Pedagogia seria mais interessante que Letras, uma vez que oferecia uma formação mais “completa”:

“Eu sempre estudei em uma escola cristã. Sempre estudei no Colégio Agnes. A minha mãe tinha um sonho de me mandar para morar fora, nos Estados Unidos. Então, quando eu completei o ensino fundamental II, 8ª série, eu fui. Fiz o primeiro ano do ensino médio lá nos Estados Unidos e voltei para a mesma escola. [...] Eu tenho um tio, irmão da minha mãe, que ele é professor. Ele disse: 'Rebeca, você quer ser professora, certo? Você já tem

em português'. Ele disse: 'Então, faz Pedagogia, que é um curso mais

completo'. E nesse meio tempo eu já estava auxiliando meu pai na escola

que ele tinha. [...] Eu estava sempre trabalhando envolvida em escola, sempre estive nessa vivência, eu sempre gostei. Então, fui unindo o útil ao agradável." (Entrevista realizada com Rebeca em fevereiro de 2017, conforme pesquisa de campo.)

No caso dos egressos cujos pais apresentam um baixo volume de capital escolar e econômico, chama atenção a relação entre o fato de terem feito o curso de Magistério e a escolha pelo curso de Pedagogia. Incentivados por seus pais a obter uma profissão logo após o término do ensino médio, esses estudantes escolheram o curso de Pedagogia por visualizar uma espécie de ampliação daquilo que foi vivenciado durante o curso de Magistério e as experiências nos estágios.

Esse dado também foi observado por Cláudio Nogueira (2010) em sua pesquisa sobre as razões pela escolha do curso superior e da carreira docente. O autor mostra que, além dos atributos sociais (escolarização das mães e raça/cor) e a trajetória escolar na educação básica, a passagem pelo Magistério (nível médio) se constitui determinante na escolha do curso superior cujo campo de atuação fosse a docência.

Das quatro entrevistadas que fizeram o Magistério, apenas uma está desempregada e as demais estão trabalhando com educação infantil. Por outro lado, é importante ressaltar que a reformulação da LDB em 1996 colocou como obrigatoriedade a passagem pelo curso de Pedagogia para todos aqueles que pretendessem trabalhar com a educação infantil e o ensino fundamental I. Os depoimentos tanto de Lúcia quanto o de Suzana são esclarecedores nesse sentido.

Ao concluir o ensino fundamental, Lúcia foi fortemente incentivada por sua mãe a fazer o curso Normal Médio como forma de garantir sua independência financeira e seu destino profissional. Conforme relata a egressa, sua escolha pelo curso de Pedagogia da UFPE ocorreu em função das experiências vivenciadas em uma ONG, no bairro popular de Peixinhos, local em que mora até hoje:

“Eu sempre fui incentivada pela minha família para estudar. Meus pais, apesar de não terem estudado muito... minha mãe sempre prezou por isso... minha mãe sempre incentivava. E também pela questão de ser mulher, então, ela dizia assim: 'se você quer ser independente, estude, para você ter um

emprego, para você poder trabalhar e conseguir sobreviver sem estar dependendo de ninguém, inclusive de nós, que somos seus pais, para que você tenha a sua independência'. Eu cresci ouvindo isso, ouvindo esse

discurso de que eu tinha que estudar. [...] Quando terminei o Magistério, eu entrei no processo de formação para Educador Social e comecei a ver a educação de outra forma, ali na ONG. Eu me reapaixonei pela educação e por aquilo que eu achava que poderia ser... Quando eu conheci pedagogos e outros espaços, isso me motivou e eu decidi fazer Pedagogia". (Entrevista realizada com Lúcia em março de 2017, conforme pesquisa de campo.)

Suzana, por outro lado, concluiu o ensino médio antes de fazer o Magistério. A decisão de ingressar no curso de Pedagogia adveio, conforme relata, de seu contato direto com professores que atuavam no campo de estágio que era obrigada a fazer:

“No finalzinho do 2º ano, a gente começou as práticas de ensino. Aí, foi quando eu fui gostando do curso. Eu conheci uma professora quando eu fui estagiar na sala dela e ela ficava falando do curso de Pedagogia. Ela tinha estudado na Federal. Ela foi me falando do curso e eu fui vendo a prática dela. E foi quando eu decidi fazer Pedagogia". (Conforme entrevista realizada com Suzana em março de 2017.)

Além do curso de Magistério se constituir num elemento importante para a escolha do curso de Pedagogia, normalmente motivado pela necessidade de uma profissão que garanta a sobrevivência em um cenário social de escassez de outras oportunidades, a relação candidato /vaga também é uma variável pertinente quando analisamos os depoimentos de ex-alunos16.

No caso do curso de Pedagogia da UFPE, são oferecidas 250 vagas por ano: 100 vagas no primeiro semestre e 150 no segundo. O curso de Pedagogia é o maior no que tange à oferta de vagas em toda a Universidade. Essa é uma das razões principais elencadas por alguns (três) dos egressos entrevistados, quando questionados sobre a escolha do curso.

Muito expressiva é a síntese feita por Carla. A egressa, que contou com a ajuda financeira de sua avó e tio para concluir o ensino médio e o cursinho pré-vestibular, somente ingressou no curso de Pedagogia após sua tentativa frustrada em cursar História. Ao ser indagada sobre sua escolha, Carla é enfática ao afirmar que sua decisão pelo curso de Pedagogia esteve diretamente vinculada à grande quantidade de vagas ofertadas e à nota de corte do curso.

16

Fato observado também nas pesquisas de Machado (2013) e de Torini (2012) sobre as escolhas do curso pelos egressos de Pedagogia e de Ciências Sociais, respectivamente.

"O meu primeiro vestibular, eu fiz para História. Sendo que eu fiz, mas fiquei no remanejamento, e não consegui a nota para poder entrar na faculdade e aí minha avó foi e pagou de novo o segundo ano do cursinho. E aí eu optei por escolher um curso que tivesse mais vagas e quando eu vi que Pedagogia tinha mais vagas, porque Pedagogia ofertava 250 vagas na época, achei mais viável para entrar na faculdade". (Conforme entrevista realizada com Carla em março de 2017.)

Roberto, hoje atendente no Banco do Brasil, sempre sonhou em fazer Psicologia. Seu desejo foi realizado logo após o término do ensino médio, momento em que ingressou numa faculdade particular graças à ajuda financeira de seu pai, que trabalhava praticamente três expedientes para garantir o sustento da família (durante o dia trabalhava como auxiliar administrativo e à noite vendia cartelas de sorteio). Após a conclusão do primeiro semestre do curso de Psicologia, Roberto se viu obrigado a deixar o curso em função do preço das mensalidades. Trabalhando como frentista em um posto de gasolina, mas incentivado por seus familiares a continuar seus estudos em paralelo, o egresso acabou escolhendo Pedagogia, pois não se via cursando Psicologia numa universidade pública federal. Embora tenha realizado todo seu ensino médio em escolas tradicionais e privadas no Recife, sem dúvida, a dificuldade socioeconômica que enfrentava sua família, no momento de fazer um curso superior, contribuiu fortemente para que o estudante não se “visse cursando Psicologia numa universidade pública”:

“Eu tava no curso de Psicologia, numa faculdade que tem na Suassuna. [...] Porque lá eu tava pagando e aqui não, aqui eu não tinha chance de entrar... Minha autoestima era muito baixa... eu achava que eu nunca ia entrar em Psicologia aqui". (Entrevista realizada com Roberto, em março de 2017, conforme caderno de campo.)

Essa interiorização do improvável não constitui um traço de um grupo singular, conforme observa Zago (2006). Embora muito presente nas trajetórias escolares de estudantes oriundos das camadas populares (cuja escolarização básica foi realizada em escolas públicas), esse processo de autoexclusão é também recorrente entre grupos sociais que, em função de algum processo de desclassificação social, perdem sua capacidade de reprodução social.

Se os antecedentes escolares e socioeconômicos nos dão pistas para compreendermos a escolha do curso universitário e, particularmente, das ocupações que hoje exercem os egressos de Pedagogia, outros certamente foram os referenciais sociais e institucionais

consolidados ao longo da graduação. Esses, como veremos, se constituiriam decisivos para a permanência dos egressos na instituição (e, portanto, para garantir a conclusão do curso), como também para a sua inserção no mundo do trabalho.

4.3 O curso de Pedagogia: consolidação de referenciais sociais e institucionais