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O curso de Pedagogia: consolidação de referenciais sociais e institucionais

4 OS EGRESSOS DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFPE: ALGUMAS

4.3 O curso de Pedagogia: consolidação de referenciais sociais e institucionais

egressos ao longo de suas trajetórias universitárias e profissionais, chamam atenção os referenciais sociais e institucionais que construíram. Formado por indivíduos ou grupos de indivíduos que de alguma forma acabaram por figurar como modelos impulsionadores de suas trajetórias, esses referenciais foram construídos nas diferentes instâncias de socialização que circularam os estudantes na Universidade: da sala de aula até os grupos de estudos, passando pelos campos de estágios e monitorias.

No caso dos egressos analisados nesta pesquisa, um dado importante para compreender o papel desses referenciais e, precisamente, das instâncias de socialização nos quais os construíram, é o fato de que, praticamente, todos eles precisaram conciliar trabalho e Universidade. Ao contrário do que acontecerá durante o ensino médio, em que a concomitância estudo-trabalho não se fez necessária, uma vez ingressando na Universidade, os egressos precisaram trabalhar: dos 12 entrevistados, nove trabalharam durante toda a graduação e três receberam algum tipo de bolsa para sobreviver.

Dados recentes mostram diferenças significativas em relação à concomitância estudo- trabalho segundo os cursos universitários: dos 56% dos estudantes brasileiros que trabalham e estudam, em torno de 70% frequentam cursos de licenciatura. No curso de Pedagogia, 79% dos estudantes trabalham; em História, são 73% e em Biblioteconomia, 69%, enquanto estão na mesma condição 8% dos estudantes de Medicina e 15% de Odontologia.

Evidentemente, a relação que os egressos estabeleceram com o trabalho variou em função da capacidade que suas famílias tinham em ajudá-los. Nesse sentido, a classificação feita por Foracchi (1977) nos anos de 1970 e utilizada nos diferentes estudos sobre a condição estudantil (NOGUEIRA, 2006 ; VIANA, 2005 ; ZAGO 2007 e 2013, PIOTTO, 2010 ) ainda parece bem atual: estudante-trabalhador e trabalhador-estudante. Enquanto no primeiro caso, o estudante tem a possibilidade de conjugar o trabalho em tempo parcial, no segundo caso o

estudo aparece como contingência, pois a necessidade de trabalhar coloca o curso em plano secundário.

O relato de Patrícia, que atualmente mantém quatro vínculos empregatícios, sintetiza bem a situação do trabalhador-estudante. Filha de uma cabeleireira e um metalúrgico, a egressa fala da dificuldade que teve em cursar Pedagogia, uma vez que trabalhava à tarde na Prefeitura do Recife, e à noite em uma operadora de telefonia. O cansaço era tanto que Patrícia, muitas vezes, chegava a dormir em sala de aula:

“Eu trabalhava muito. Eu trabalhava na TIM de madrugada, então eu chegava na sala de aula de manhã e ia dormir, e a professora me via com aquelas olheiras e me olhava de cara feia e dizia: 'se não pode fazer

faculdade de manhã, tranque; vá fazer à tarde, vá fazer à noite, vá fazer qualquer outra coisa". [...] À noite, eu trabalhava na TIM e à tarde eu

trabalhava com contrato na Prefeitura do Recife, na área de saúde. Eu entrava e saía correndo, parecia que eu estava fugindo de alguém. Às vezes, eu trocava de roupa no ônibus, porque não dava tempo... Eu ia lá para atrás do ônibus e trocava a blusa. (Entrevista realizada com Patrícia em março de 2017, conforme pesquisa de campo.)

Ao contrário de Patrícia, os contratos de trabalho de Rosália e Suzana permitiram que as egressas negociassem de maneira menos corrida e cansativa o tempo dedicado aos estudos e às suas atividades remuneradas. Rosália fala que, apesar de trabalhar no Expresso Cidadão, nunca “se sentiu prejudicada por conta de seu trabalho”. Já Suzana, assim que ingressou no curso, foi aprovada numa seleção para trabalhar com formação de professores. A egressa também conta que tinha facilidade em negociar seu tempo entre as atividades de seu trabalho e as inúmeras atividades oferecidas na Universidade:

"Eu fui trabalhar com pesquisa na Universidade, com um projeto de formação de professores. [...] Então, quando tinha uma palestra interessante, eu já tinha mais tempo. E eu não estava num trabalho que me prendia durante 4 horas e que não podia sair. Então, já era uma coisa mais flexível, trabalhar na Universidade. [...] Isso me possibilitou ter mais contato com o pessoal da Universidade, com os meus amigos de lá”. (Entrevista realizada com Suzana em março de 2017, conforme pesquisa de campo.)

Lúcia, por exemplo, relata que pôde viver a Universidade de forma ampla, pois seus pais lhe ajudaram financeiramente a se manter e, assim, pôde experienciar os demais espaços e vivências acadêmicas ao longo de sua trajetória:

"Ao contrário de muitas pessoas que só vêm para a Universidade assistir às aulas e voltam para casa porque trabalham, eu tive a oportunidade na graduação inteira de poder estar aqui trabalhando com monitoria, com pesquisa, com o Diretório Acadêmico, com reuniões do Colegiado, com viagens que a gente fazia, com encontros que a gente fazia, entendeu? Então, foi uma vivência muito rica". (Entrevista realizada com Lúcia em março de 2017, conforme pesquisa de campo.)

Assim, o uso mais ou menos intenso dos referenciais constituídos durante o curso de Pedagogia pelos estudantes depende também, como visto acima, das condições básicas de sobrevivência no ensino superior.

Entre os diferentes referenciais construídos, chama a nossa atenção o papel que determinados professores assumem na trajetória escolar dos egressos. Quando questionados sobre o que mais marcou sua formação no curso de Pedagogia, os egressos não hesitam em apontar a relação de solidariedade que estabeleceram com os professores. A fala da egressa Rosália é reveladora para entendermos como a convivência com os professores a auxiliou na sua integração com o mundo acadêmico. O contato que estabeleceu, em sala de aula, com a professora foi, posteriormente, revertido em oportunidades de realizar diferentes atividades acadêmicas. De fato, esses referenciais acabam por se transformarem em uma rede de cooperação institucional que facilita a vida dos professores, mas, sobretudo, a dos estudantes:

"Eu não podia deixar de falar da professora Rosilda. Eu paguei a disciplina de matemática com ela e depois ela me chamou para ser monitora dela. Aí, eu fui ser monitora dela. Eu fui monitora dela duas vezes. Aí, tudo que tinha lá, ela me chamava para participar. Por exemplo, na Expo da Federal, ela me chamou para apresentar um trabalho. Aí, depois ela me chamou para trabalhar com ela num programa de formação para professores, que era uma parceria com a rede municipal de Recife. Eu fiquei um ano e meio na formação com ela". (Entrevista realizada com Rosália em maio de 2017, conforme pesquisa de campo.)

O depoimento de Lúcia, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE e secretária em uma escola na Prefeitura de Ipojuca/PE, também aponta o quão os professores com quem estabeleceu contato ajudaram em sua permanência no curso de Pedagogia e em seus investimentos profissionais após a conclusão do curso. Além de obter

informações sobre o universo acadêmico e participar de diferentes atividades extracurriculares (como a realização de monitoria e participação em grupo de estudos), a convivência diária com os professores foi decisiva para que ela prolongasse seus estudos após o término do curso de Pedagogia:

"A professora Daiana me perguntou se eu queria ajudá-la na disciplina. Eu gostei muito de conhecer a disciplina de Educação de Jovens e Adultos, de ter acesso à monitoria da disciplina e de ter feito o PPP na EJA. [...] Eu fiz parte do NEAB. Eu participei do grupo de pesquisa e estudo. Eu fiz amizade com a professora Daiana. Ela levava a gente para comer com ela. Também gostei muito da disciplina de Fundamentos da Arte com o professor Mário. A vivência com esses dois professores, Daiana e Mário foi o que fez eu me projetar para fazer o mestrado”. (Entrevista realizada com Lúcia em maio de 2017, Conforme pesquisa de campo).

Anny, doutoranda em Educação no PPGE da UFPE, afirma que, graças ao vínculo que estabeleceu com a professora Taís, enfrentou sua insegurança diante das exigências do curso. A professora praticamente acompanhou toda a trajetória da egressa, incentivando-a a fazer, inclusive, a seleção para o doutorado:

“Eu sempre fui muito insegura. A professora Taís, que me orientou no TCC, me orientou durante toda minha vida acadêmica. Foi com ela que eu trilhei todos os meus caminhos. [...] A professora Taís virou uma amiga mesmo, de sair, de fazer coisas juntas e tudo o mais. Para além da Universidade. [...] A seleção do doutorado, que fiz recentemente, eu devo muito a ela. Porque eu estava decidida a não fazer, devido a algumas coisas que aconteceram no ano passado, e eu achava que não tinha condições de fazer de forma alguma. E aí em junho, a gente tava aqui participando de uma banca e aí ela disse: 'Anny

tu vai fazer a seleção, não é?' E eu disse: 'vou não'. Eu disse: 'não tem

possibilidade nenhuma, eu não vou, não'. E ela disse: 'Anny, você tem que

tentar, eu não acredito! Esse é o último ano de Fernando, pois ele vai se aposentar.” (Entrevista realizada com Anny em maio de 2017, conforme

pesquisa de campo.)

Observações semelhantes são feitas por Néri (2009). A pesquisadora constata a importância desses referenciais (professores, pares, funcionários) para enfrentar os diversos desafios que são colocados para os estudantes na vida universitária: tanto no que se refere aos aspectos econômicos, quanto aos culturais (descompasso entre seu mundo e o mundo intelectualizado, por exemplo).

Há ainda egressos que construíram relações de troca e apoio com parte dos técnicos administrativos da Universidade. O relato de Paulo mostra como as relações que estabeleceu com “as pessoas que estavam na Universidade trabalhando para que ela funcionasse” foi importante para dar sentido à sua vida universitária. O egresso, na época militante do D.A. e do Coletivo Arco-íris, mostra como suas conversas diárias com a funcionária da sala de informática foi fundamental para entender como “fazer as coisas” dentro da Universidade:

"As relações que eu construí fora da sala de aula, com as pessoas que estavam na Universidade trabalhando para que ela funcionasse, as pessoas da limpeza, o pessoal que trabalhava na biblioteca, como Oliveira, que morreu no final do meu curso [...] foram o que mais contribuíram para a minha formação universitária. Eu entrava naquele laboratório (de informática) e conversava com ela (Oliveira) todos os dias sobre política, sobre tudo, e ela era uma pessoa muito foda. Essas pessoas, que aquela Universidade não valorizava, foram quem mais me ensinaram sobre vida, sobre políticas, sobre como fazer as coisas dentro daquele lugar (Entrevista realizada com Paulo em maio de 2017, conforme pesquisa de campo.)

4.4 Aprendizados: dos conteúdos das disciplinas aos embates políticos e