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SOFT SYSTEMS METHODOLOGY (SSM)

4.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A abordagem dos sistemas soft tem seus primórdios estabelecidos, em meio à década de 1960, a partir das atividades desenvolvidas por Peter Checkland (1972, 1983, 1985, 1989, 1999, 2002) como pesquisador e professor do Departamento de Engenharia de Sistemas da Lancaster University.

Conforme Checkland (1999), o Departamento de Engenharia de Sistemas da Universidade Lancaster, fundado por Gwilym Jenkins em 1965, foi criado para enfrentar problemas administrativos, por meio da aplicação das idéias sistêmicas a situações reais, usando a experiência adquirida em campo para o aperfeiçoamento dessas idéias sistêmicas e da metodologia de utilização.

O ponto de partida teórico para o trabalho do Grupo de Lancaster foi o pressuposto postulado por Stanford Optner (1965), que uma organização poderia ser entendida como um sistema com subsistemas funcionais. Optner (1965) baseava-se na idéia de que as experiências do mundo real permitiriam gradualmente a construção do conhecimento a respeito dos diferentes tipos de sistemas: sistemas de produção, sistemas de distribuição, sistemas de compras. Esse conhecimento suportaria o melhor design e operações dos sistemas em situações reais.

A princípio, as pesquisas de Jenkins, Checkland e seu grupo de associados, para descobrir as características fundamentais de sistemas de vários tipos, assumiam dois pressupostos básicos: 1) que o mundo real continha tais sistemas; e 2) que tais sistemas poderiam ser caracterizados pela expressão de seus objetivos. Dada uma definição explícita de um objetivo, então um sistema poderia ser em princípio “engenheirado” para alcançar aquele fim (CHECKLAND, 1999).

Mesmo apoiados em sua metodologia e preparados para ajudar a engenheirar sistemas do mundo real no alcance de seus objetivos, o Grupo de Lancaster defrontava-se com situações gerenciais quase sempre muito complexas para uma simples aplicação da abordagem de engenharia de sistemas (CHECKLAND, 1999).

Em seus estudos de campo, os pesquisadores de Lancaster sentiam dificuldade em responder questões aparentemente descomplicadas: Com que sistema estamos lidando? Quais são seus objetivos? Isso era usualmente uma razão pela qual a situação em questão passava a ser considerada como problemática (CHECKLAND, 1999).

Um exemplo da dificuldade do uso da linguagem de objetivos em decisões complexas é apresentado por Checkland (1999). A Política de Agricultura para a Comunidade Econômica Européia estabelece, segundo o tratado de Roma, três objetivos de igual importância: 1° aumentar a produtividade na agricultura industrial; 2° salva-guardar empregos na indústria; e, 3° prover o melhor serviço para o consumidor.

Na análise de Checkland (1999), a Política de Agricultura para a Comunidade Econômica Européia é uma fonte de questões que nunca serão completamente resolvidas. Isso porque os progressos em direção a um dos objetivos irão penalizar os outros dois. Ou seja, aumentar a produtividade na agricultura industrial, implica novos recursos tecnológicos e, por conseguinte, a diminuição de postos de trabalho (fere o 2° objetivo). Em outra análise, a

maior industrialização segue direção oposta à customização, que seria o oferecimento de um melhor serviço para o consumidor (fere o 3° objetivo).

Disso, Checkland (1999) conclui que o objetivo da Política de Agricultura para a Comunidade Econômica Européia é ajustar e manter o equilíbrio entre três objetivos incompatíveis, mas que são politicamente aceitáveis. O que, para Checkland (1999), não é uma definição usual para propósitos engenheirados.

Situações como a descrita no exemplo anterior, levaram os pesquisadores do Departamento de Engenharia de Sistemas de Lancaster a reavaliarem o uso dos sistemas clássicos de engenharia (CHECKLAND, 1999).

Sob esse contexto, o trabalho de Checkland (1999), em Lancaster, começou com o emprego de abordagens permeadas pelo pensamento sistêmico hard, especificamente a engenharia e a análise de sistemas, que exigem definição clara dos objetivos. Mas, já nos problemas preliminarmente atacados, foi impossível iniciar os estudos dando nome ao sistema e definindo seus objetivos. As abordagens eram rígidas, mas os problemas flexíveis, mal estruturados, mal definidos, vagos, cheios de ambigüidades e indefinições.

Na busca por alternativas que superassem a incompatibilidade detectada entre os problemas com os quais o Grupo de Lancaster se defrontava no mundo real e a metodologia por eles empregada, Checkland (1999) empreendeu nove estudos de 1969 até 1972, que resultaram em um artigo: Toward a systems-based methodology for real-world problem solving (CHECKLAND, 1972).

Nesse artigo, Checkland (1972) argumenta a necessidade de uma metodologia que seja de aplicação prática em problemas do mundo real. Fazendo uso sistêmico dos diagramas de blocos e flechas, o autor introduz a pesquisa-ação como método, descreve três estudos em detalhe, refere outros seis, e começa a delinear uma abordagem emergente, que futuramente viria a ser por ele chamada de Soft Systems Methodology - SSM.

Nesse cenário, Checkland (1999, p. 318)i define a Soft Systems Methodology como “uma metodologia baseada em sistemas, para lidar com situações problemáticas percebidas no mundo real em que os fins reconhecidamente desejáveis, não podem ser plenamente alcançados”.

Isso porque, na concepção de Checkland (1999), as situações que as pessoas percebem como problemáticas no mundo real são eventos que não ocorrem em uma forma estática, têm múltiplos interesses e diferentes atores, envolvidos direta ou indiretamente. A meta ideal perseguida pelas abordagens tradicionais de resolução de problemas não é passível de ser atingida. Os objetivos alcançados são aqueles decorrentes de um processo de negociação e acomodação de possíveis situações conflitantes.

Desse modo, a SSM foi proposta por Checkland (1999) como uma abordagem que, embasada no pensamento sistêmico soft, utiliza a linguagem dos sistemas para auxiliar um determinado decisor a representar e compreender contextos por ele considerados problemáticos, objetivando o aprendizado e a ação (ENSSLIN, 2002).

Subseqüentemente, testada e modificada em mais de uma centena de estudos, a abordagem dos sistemas soft de Checkland (1999) teve sua consolidação com a publicação do livro Systems Thinking, Systems Practice, no ano de 1981.

Em Systems Thinking, Systems Practice, Checkland (1999) propõe a SSM como sendo uma tentativa de evitar, em pesquisas nas ciências humanas e sociais, o reducionismo com que o pensamento sistêmico (hard) é aplicado nas ciências naturais, altamente bem sucedido quando se está investigando fenômenos naturais; apresenta, também, as primeiras experiências na aplicação da engenharia de sistemas fora da área técnica para a qual foi desenvolvida, e o repensar desses sistemas, que as experiências iniciais provocaram, até o desenvolvimento da Soft Systems Methodology como uma abordagem, descrita em um processo de sete estágios de investigação (CHECKLAND, 1999).

No ano de 1983, Checkland (1983) publica o artigo OR and systems movement: mapping and conflicts, em que discute as divergências entre o que é referenciado nos livros- texto de pesquisa operacional e o que realmente os praticantes da P.O. fazem. Defende que essa lacuna percebida pelos pesquisadores é conseqüência do enfoque à otimização dado pela pesquisa operacional tradicional.

Outro artigo, From optimizing to learning: a development of systems thinking for the 1990s, é divulgado em 1985. Nele, Checkland (1985) evidencia sua versão de pensamento sistêmico (soft), vinculando-a ao conceito de apreciação (VICKERS, 1995) e propondo sua expressão formal em sistemas apreciativos (ENSSLIN, 2002).

No ano de 1988, no artigo intitulado Soft Systems Methodology: an overview, Checkland promove nova evolução no processo SSM, pela incorporação de análise das dimensões cultural e política ao modelo de sete estágios.

Em 1989, Jonathan Rosenhead (1989) publica Rational analysis for a problematic world, uma coletânea de abordagens da P.O. sobre estruturação de problemas em condições de complexidade, conflito e incerteza, na qual Checkland (1989) expõe o processo da Soft Systems Methodology e descreve sua aplicação em um estudo de campo.

Soft Systems Methodology in Action, livro escrito por Checkland em parceria com Jim Scholes (1990), no ano de 1990, descreve o uso da SSM em projetos de pesquisa realizados em empresas de grande porte, dos setores público e privado da Inglaterra. Nesse livro, a maturidade da SSM como abordagem de estruturação de processos decisórios fica evidenciada pela flexibilização do modelo de sete estágios em quatro atividades principais.

Information, Systems and Information Systems, livro lançado em 1998, origina-se da constatação de Checkland e Sue Holwell (1998) de que, em muitos dos projetos de pesquisa- ação da Lancaster University, a criação de sistemas de informações era usualmente relevante e, freqüentemente, o centro das preocupações. Os Sistemas de Informações são tratados por

Checkland e Holwell (1998) como estando diretamente ligados às formas como o ser humano cria significados para as coisas e eventos. Checkland e Holwell (1998) relacionam experiências baseadas na SSM para estabelecerem uma conceitualização no campo dos sistemas de informações e da tecnologia da informação; isso leva a discussão do uso da SSM como metodologia, embora de forma menos explícita do que nos livros anteriores.

Mais recentemente, as obras Systems Thinking, Systems Practice (CHECKLAND, 1990) e Soft Systems Methodology in Action (CHECKLAND e SCHOLES, 1990) foram reeditadas em 1999, contendo um aditamento comum a ambas, cujo título é Soft Systems Methodology: a 30-year retrospective, no qual são apresentadas uma revisão e complementação da metodologia.

Sobre essa dinâmica evolutiva da Soft Systems Methodology, Ensslin (2002) destaca que as alterações promovidas na SSM resultam de experiências no uso da abordagem em situações complexas do mundo real, o que gera modificações nas percepções da metodologia como um todo. Checkland (1999) entende que o constante refinamento da SSM, como metodologia, tem como um de seus principais elementos recursivos a prática desenvolvida em estudos de campo.

Isso exposto, a retrospectiva cronológica aqui retratada localizou as origens da Soft Systems Methodology e remeteu aos fatos que antecederam e vieram a consolidá-la, no decorrer dos últimos trinta e cinco anos, como uma abordagem emergente da pesquisa operacional. Em uma tentativa de ampliação e aprofundamento sobre as convicções teóricas que sustentam essa abordagem, a seção seguinte procura elucidar os fundamentos em que se apóia a SSM.