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METODOLOGIA MCDA-CONSTRUTIVISTA

5.2 A METODOLOGIA MCDA-CONSTRUTIVISTA

5.2.1 FASE DE ESTRUTURAÇÃO

A fase de estruturação da metodologia MCDA-Construtivista tem por objetivo principal o entendimento do problema e do contexto onde ele se insere. Para alcançar tal objetivo, a etapa de estruturação é subdivida em três passos: o uso de uma abordagem soft de estruturação; o enquadramento do processo decisório e a construção da árvore dos pontos de vistas fundamentais; e a construção dos descritores.

5.2.1.1 Uso de uma abordagem soft de estruturação

O primeiro passo da etapa de estruturação corresponde ao emprego de uma abordagem soft de estruturação para a exploração, organização, representação e promoção de conhecimento sobre a situação percebida como problemática.

Cabe ressaltar que a caracterização da tradição soft de estruturação foi feita na subseção 2.3.4 deste trabalho (tradição soft de estruturação de problemas). Além disso, nos capítulos anteriores foram contempladas as descrições da abordagem soft geralmente empregada na MCDA-Construtivista (capítulo 3 mapeamento cognitivo), e da que esta pesquisa propõe integrar (capítulo 4 Soft Systems Methodology).

Face esses comentários, passa-se para o próximo passo que trata do enquadramento dos pontos de vistas fundamentais e da construção de sua estrutura arborescente.

5.2.1.2 Enquadramento e construção da árvore dos PVFs

A construção da árvore dos pontos de vistas fundamentais (PVFs) é decorrência da transição da estrutura que representa o entendimento obtido pelo uso da abordagem soft, expresso por meio de um modelo soft (e.g., mapas cognitivos ou os modelos conceituais da SSM), para uma estrutura que torne mais explícitos os critérios que deverão ser levados em consideração quando da avaliação das ações, o modelo multicritério.

Tal transição não ocorre de forma automática. Como o modelo resultante do emprego da abordagem soft tem estrutura diferente da estrutura do modelo multicritério, faz-se necessário realizar a passagem de uma para outra. A essa transferência denomina-se enquadramento do processo decisório (ENSSLIN, MONTIBELLER NETO e NORONHA, 2001).

De acordo com Keeney (1992), realizar o enquadramento significa delinear um quadro (frame) do processo decisório no qual constem os objetivos estratégicos dos decisores (projetados nos pontos de vistas fundamentais) e o conjunto de todas as ações possíveis para atingir esses objetivos (ações potenciais).

Nessa definição, os conceitos de ação potencial e pontos de vistas fundamentais são requisitos básicos para a compreensão de como se desencadeia o processo de enquadramento. Desses, o significado de ação potencial foi apresentado na subseção 5.1.2 (o sistema de apoio à decisão e seus subsistemas), sendo expressa como uma oportunidade de escolha ou uma alternativa.

Quanto aos pontos de vistas fundamentais, Ensslin, Montibeller Neto e Noronha (2001, p. 127) assim os enunciam:

os pontos de vistas fundamentais são aqueles aspectos considerados, por pelo menos um dos decisores, como fundamentais para avaliar as ações potenciais. Eles explicitam os valores que os decisores consideram importantes naquele contexto e, ao mesmo tempo, definem as características

(propriedades) das ações que são de interesse dos decisores. Os PVFs constituem-se nos eixos de avaliação do problema.

Após a elucidação do que são as ações potenciais e os pontos de vistas fundamentais, importa demonstrar o que Keeney (1992) entende por quadro (frame) do processo decisório.

Nessa direção, na Figura 18 ilustra-se o quadro de um processo decisório proposto por Keeney (1992). Nele, o enquadramento do processo decisório é formado pelo conjunto de ações potenciais, associado aos pontos de vistas fundamentais dos decisores.

conjunto de ações potenciais PVFs

conjunto de ações potenciais PVFs

Figura 18: quadro de um processo decisório

Fonte: Ensslin, Montibeller Neto e Noronha (2001, p. 127).

Objetivando uma melhor compreensão do processo de enquadramento, Ensslin, Montibeller Neto e Noronha (2001) expõem, como pode ser visto na Figura 19, o quadro de um processo decisório e seu conjunto de ações.

conjunto de ações A3

conjunto de ações A2 conjunto de ações A1

conjunto de ações potenciais

PVFs conjunto de ações A3

conjunto de ações A2 conjunto de ações A1

conjunto de ações potenciais

PVFs

Figura 19: quadro de um processo decisório e os conjuntos de ações Fonte: Ensslin, Montibeller Neto e Noronha (2001, p. 128).

Observam-se três conjuntos de ações (A1, A2 e A3), que podem ser mutuamente exclusivos, como é o caso de A1 e A3, ou compartilhar ações, como é o caso de A1 e A2.

Sob um enfoque mais abrangente, a Figura 20 representa o processo decisório em um contexto estratégico.

conjunto de todas ações

conjunto de ações potenciais PVFs

objetivos estratégicos dos decisores

conjunto de todas ações

conjunto de ações potenciais PVFs

objetivos estratégicos dos decisores

Figura 20: processo decisório em sua perspectiva ampla Fonte: Ensslin, Montibeller Neto e Noronha (2001, p. 128).

No quadro externo, tem-se em um dos lados o conjunto de todas as ações disponíveis aos decisores e, do outro, seus objetivos estratégicos. No quadro interno, estão os PVFs que podem ser alcançados por meio do conjunto de ações potenciais.

Para Ensslin, Montibeller Neto e Noronha (2001), os objetivos estratégicos projetam- se nos PVFs a serem considerados em dada situação. Os PVFs, por sua vez, delimitam o conjunto de ações potenciais, dentro do conjunto de todas as ações disponíveis. O conjunto de ações potenciais é, então, formado por um subconjunto de todas as ações disponíveis no contexto decisório.

Em termos práticos, o enquadramento é operacionalizado por meio de quatro etapas, todas fundamentadas na análise dos agrupamentos de aspectos que conformam as áreas de preocupação do modelo soft, que têm por objetivo determinar:

1. onde estão localizados os aspectos que expressam idéias relacionadas aos objetivos estratégicos dos decisores;

2. onde estão posicionados os aspectos que exprimam idéias associadas às ações potenciais do problema;

3. em uma busca na estrutura hierárquica do modelo soft, aqueles aspectos que expressam idéias relacionadas aos candidatos a PVFs do decisor naquele contexto decisional; e

4. a família de pontos de vistas fundamentais do processo decisório.

As etapas 1 e 2 desse processo ocorrem pela análise direta no modelo soft e pela discussão a partir dela gerada, em que, além dos aspectos já mencionados, emergem os valores e julgamentos dos decisores.

No que diz respeito à etapa 3, algumas importantes considerações devem ser feitas. Para que um ponto de vista seja efetivamente considerado fundamental, é necessário que uma

série de propriedades sejam obedecidas. De acordo com elas, um candidato a PVF deve ser (ENSSLIN, MONTIBELLER NETO e NORONHA, 2001, p.141-143):

a) essencial - o PVF deve representar um aspecto que seja de conseqüências fundamentalmente importantes segundo os objetivos estratégicos do decisor;

b) controlável - o PVF deve representar um aspecto que seja influenciado apenas pelas ações potenciais em questão;

c) completo - o conjunto de PVFs deve incluir todos os aspectos considerados como fundamentais pelos decisores;

d) mensurável - o PVF permite especificar, com a menor ambigüidade possível, a performance das ações potenciais, segundo os aspectos considerados fundamentais pelos decisores;

e) operacional - o PVF possibilita coletar as informações requeridas sobre a performance das ações potenciais, dentro do tempo disponível e com um esforço viável;

f) isolável - o PVF permite a análise de um aspecto fundamental de forma independente com relação aos demais aspectos do conjunto;

g) não-redundante - o conjunto de PVFs não deve levar em conta o mesmo aspecto mais de uma vez;

h) conciso - o número de aspectos considerados pelo conjunto de PVFs deve ser o mínimo necessário para modelar de forma adequada, segundo a visão dos decisores do problema; e

i) compreensível - o PVF deve ter seu significado claro para os decisores, permitindo a geração e comunicação de idéias.

Quanto à etapa 4, Ensslin, Montibeller Neto e Noronha (2001) mencionam que a família de pontos de vistas fundamentais é formada pelo conjunto de candidatos a pontos de

vistas fundamentais que atende às propriedades anteriormente descritas, exceção feita à propriedade de isolabilidade, que só pode ser testada quando da construção dos descritores.

Com a definição da família de pontos de vistas fundamentais (etapa 4 do processo de enquadramento), considera-se o enquadramento finalizado. Parte-se, então, para a elaboração da árvore de PVFs ou, como também é chamada, a estrutura arborescente do processo decisório.

A estrutura arborescente, semelhante a estrutura de um organograma, faz uso da lógica de decomposição e do ordenamento hierárquico para a disposição e representação da família de PVFs de um problema.

Ensslin, Montibeller Neto e Noronha (2001) explicam que, a estrutura arborescente, ao fazer uso da lógica de decomposição, permite que um critério de difícil mensuração seja decomposto em subcritérios mais facilmente medidos.

Sobre a questão hierárquica, um critério de nível superior é definido pelo conjunto de critérios de nível inferior que estão ligados a ele na árvore. Os critérios de nível hierárquico inferior devem ser mutuamente exclusivos e coletivamente necessitam fornecer uma caracterização exaustiva do critério de nível hierárquico superior. Somado a isso, devem existir pelo menos dois critérios de nível hierárquico inferior conectados ao critério de nível hierárquico superior (ENSSLIN, MONTIBELLER NETO e NORONHA, 2001).

Na Figura 21 demonstra-se a hierarquia da estrutura arborescente de um contexto decisório. Nela, também é possível identificar os pontos de vistas elementares (PVEs), isto é, como são referidos os níveis hierárquicos diretamente inferiores aos pontos de vistas fundamentais.

Objetivo estratégico

Área de preocupação 1 Área de preocupação 2 Área de preocupação 3

PV F 1.1 PVF 1.2 PVF 2.1 PVF 2.2 PVF 3.1 PVF 3.2

PVE 2.1 PVE 2.2 PVE 2.3

Objetivo estratégico

Área de preocupação 1 Área de preocupação 2 Área de preocupação 3

PV F 1.1 PVF 1.2 PVF 2.1 PVF 2.2 PVF 3.1 PVF 3.2

PVE 2.1 PVE 2.2 PVE 2.3

Figura 21: estrutura arborescente dos PVFs

Realizada a transição da estrutura do modelo soft para a estrutura arborescente, pelo processo de enquadramento, o próximo passo da etapa de estruturação corresponde à construção dos descritores.

5.2.1.3 Construção dos descritores

O modelo multicritério deve ter condições de operacionalizar uma forma, pela qual, cada ponto de vista fundamental possa servir de base para a mensuração do impacto das ações e para a comparação das conseqüências relativas e absolutas destas ações. O instrumento que irá viabilizar esse processo é chamado de descritor (KEENEY, 1992).

Conforme Bana e Costa e Silva (1994), um descritor é o conjunto de níveis de impacto, vinculado a um PVF, que serve como referência para descrever os possíveis impactos das ações potenciais naquele PVF.

Em uma incursão mais delineada sobre o assunto, verifica-se que os descritores podem ser classificados quanto à sua natureza e seu número de níveis (BANA E COSTA e SILVA, 1994), e quanto à sua operacionalização (KEENEY, 1992), como retrata-se na Figura 22.

quantitativos qualitativos discretos contínuos diretos (naturais) indiretos (proxy) construídos

Quanto à sua natureza Quanto ao n° de níveis impacto Quanto à sua operacionalização

Classificação dos descritores:

quantitativos qualitativos discretos contínuos diretos (naturais) indiretos (proxy) construídos

Quanto à sua natureza Quanto ao n° de níveis impacto Quanto à sua operacionalização

Classificação dos descritores:

Figura 22: classificação dos descritores

Inicialmente, no que se relaciona à classificação de um descritor quanto à sua natureza, é possível afirmar que, quando um PVF puder ser adequadamente descrito, levando em conta apenas números, o descritor é classificado como quantitativo. Caso contrário é denominado qualitativo.

Quanto ao número de níveis de impacto, se um PVF for descrito por uma função matemática contínua, o descritor é classificado como contínuo. Se o descritor for formado por um número finito de níveis é considerado discreto (CORRÊA, 1996).

A última categorização a ser analisada é a que caracteriza o descritor quanto à sua operacionalização. Um descritor direto é aquele em que existe um conjunto de níveis naturalmente associado ao seu PVF. Descritor indireto é aquele que não descreve diretamente um PVF, mas pode torná-lo operacional, por meio da associação de um evento ou propriedade fortemente relacionada ao PVF, usando-a como âncora (MONTIBELLER NETO, 1996).

O uso de um descritor construído se faz necessário quando o PVF, devido sua complexidade e importância, não puder ser representado por um descritor direto único. Em tal situação, busca-se construir um descritor específico, constituído por pontos de vista elementares (PVEs), que em forma exaustiva, mas concisa, o expliquem segundo a percepção dos decisores (ENSSLIN, MONTIBELLER NETO e NORONHA, 2001).

Nesse sentido, muitas vezes, para um PVF tornar-se operacional, é necessário decompô-lo em pontos de vistas elementares (PVEs). Estes nada mais são que a explicação e o detalhamento do PVF ao qual eles estão associados (ENSSLIN, DUTRA e ENSSLIN, S., 1998).

Afora a classificação descrita anteriormente, um pré-requisito fundamental na construção dos descritores é a observância das propriedades de operacionalidade, compreensibilidade e mensurabilidade (KEENEY, 1992). Ensslin, Montibeller Neto e Noronha (2001, p.160-161) explicam essas propriedades:

• Operacionalidade: um descritor é operacional quando: define claramente como e quais dados coletar; permite mensurar um aspecto de forma independente de qualquer outro aspecto considerado; o desempenho de uma ação potencial em um determinado PVF é claramente associável a um único nível de impacto; fornece uma base de discussão adequada para o julgamento de valores sobre o PVF;

• compreensibilidade: para que seja compreensível, cada descritor deve permitir a descrição e interpretação da performance da ação potencial de forma não ambígua. Não deve haver, portanto, perda de informações quando uma pessoa associa um determinado nível de impacto à uma ação potencial e outra pessoa interpreta tal associação; e

• mensurabilidade: um descritor é mensurável quando permite quantificar a performance de uma ação de forma clara. O uso freqüente dos níveis de impacto do tipo “bom”, “fraco”, “muito bom”, etc., colabora para a diminuição da mensurabilidade do descritor, já que aumenta o grau de ambigüidade envolvido na definição dos níveis de impacto.

Em sua essência, a análise dessas propriedades tem como principal função garantir que um descritor não será ambíguo e que o conjunto de seus níveis de impacto terá um significado claro e distinto dos demais descritores.

Uma vez construídos os descritores, deve-se entender o que são os níveis de impacto neutro e bom em cada um deles. O nível de impacto neutro representa para o decisor uma situação não satisfatória, mas dentro do limite mínimo aceitável. Os níveis que se situam entre

o neutro e o bom são aqueles com um desempenho dentro do esperado pelo decisor. Impactos acima do nível bom representam um desempenho que supera em muito as expectativas dos decisores, mas que ainda está inserido no limite das performances tangíveis do contexto decisório (ENSSLIN, MONTIBELLER NETO e NORONHA, 2001).

Na Figura 23 exibe-se a forma gráfica de representação de um descritor e seu conjunto de 5 níveis de impacto (Ns), bem como o sentido de preferência desses níveis. A título de ilustração, foram colocados de forma aleatória, os níveis bom e neutro para o referido descritor. N4 N3 N2 N1 N5 Pr ef er ên ci a neutro bom N4 N3 N2 N1 N5 Pr ef er ên ci a neutro bom

Figura 23: representação gráfica de um descritor

Adaptado de Ensslin, Montibeller Neto e Noronha (2001, p. 164).

Com a conclusão da construção dos descritores para a árvore da família de pontos de vistas fundamentais, encerra-se a fase de estruturação da MCDA-Construtivista. Contribui enfatizar, contudo, que, assim como as demais etapas da metodologia, a fase de estruturação também é recursiva, cabendo ao facilitador e aos decisores retornarem a ela sempre que recomendações possam ser incorporadas.